Teoria e prática

Unindo experiência acadêmica e em projetos sociais, Regina Barbosa assume gerencia do Instituto Avon

Marcelle Souza Colaboração para Universa Julia Rodrigues/UOL

Foi em casa que a pernambucana Regina Célia Almeida Silva Barbosa, 52, descobriu a paixão pela docência e pela diversidade cultural. Com mãe professora e pai militar, as andanças da família eram acompanhadas de histórias sobre alfabetização de jovens e adultos, cultura afro-brasileira e discussões sobre racismo e direitos humanos.

Co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Barbosa acaba de assumir o cargo de gerente de causas do Instituto Avon, braço social da companhia que atua com foco no combate ao câncer de mama e no enfrentamento da violência contra mulheres no Brasil.

Seu desafio será promover esses dois focos do Instituto, criando espaços de diálogo com a sociedade civil e apoiando políticas públicas. "Eu tenho 24 anos de carreira docente e vou para o ambiente corporativo porque acredito na minha capacidade de me reinventar. Cheguei cheia de gás", avisa Regina.

Formada em filosofia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e mestra em ciência política pela mesma instituição, Regina é doutoranda em Direito, Justiça e Cidadania para o Séc. 21 pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e em Educação pela Funiber (Fundação Universitária Iberoamericana).

Trabalhou em projetos de âmbito nacional, como o Brasil Alfabetizado e o Fome Zero, atuou ao lado da socióloga Ruth Cardoso no início dos anos 1990 e nunca abandou a sala de aula. Em 2021, foi a vencedora do prêmio Mulheres que Fazem a Diferença, promovido pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

Nas horas livres, Regina diz que gosta de ler, assistir filmes, estar com os filhos de 21 e 22 anos e de participar dos eventos da igreja evangélica da qual frequenta. "Não aceito ficar refém de nenhuma ideologia fundamentalista. Como educadora, acredito na liberdade democrática, em construir pontes e derrubar fronteiras", diz.

Dicas para lideranças

A alegria é geradora de ideias, é estratégia, mas também uma blindagem. É com alegria que você cria e consegue enxergar a saída de emergência

Sobre astral da equipe

No caos, é fundamental ter capacidade de discernimento para encontrar o bom senso e o equilíbrio das coisas. E isso vem do que aprendeu com as experiências

Sobre como agir nas crises

É preciso ter perseverança, que traz um senso de justiça, de confiança. É preciso trabalhar com fé e não perder os objetivos que nos alimentam

Sobre metas e foco

O encontro com as questões de gênero

"Eu comecei a me envolver com discussões sobre direitos humanos, cidadania, racismo e violência. Depois da [morte de oito crianças e adolescentes na] Chacina da Candelária [em 1993], passei a atuar também junto ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua", conta.

Formada, trabalhou com a socióloga Ruth Cardoso na implementação do Programa Comunidade Solidária, criado em 1995 para o combate à extrema pobreza no Brasil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Já nos anos 2000, Regina percorreu o interior do país coordenando formações e pesquisas em programas como Alvorada, focado no combate às desigualdades econômicas regionais, Brasil Alfabetizado e Fome Zero. Foi aí que ela começou a se envolver com debates relacionados a questões de gênero.

"Percebi que algumas mulheres estavam deixando de receber o pró-labore, uma renda condicionada à presença, porque faltavam às aulas. Elas queriam estudar, mas eram impedidas pelos maridos. Nesse momento, vi que existe uma relação bem íntima entre a violência doméstica e os direitos humanos", conta.

Suas vivências nos projetos sociais ocorreram quando se discutia a criação da Lei Maria da Penha, publicada em 2006. Neste ano, Regina decidiu criar um prêmio de mesmo nome, para dar visibilidade a boas práticas de combate à violência contra as mulheres.

"Falei pela primeira vez com a Maria da Penha sobre a autorização do uso do seu nome no prêmio e logo depois decidi propor a criação de um instituto para tratar o tema. Ela pensou um pouco, mas acabou topando", conta.

Em 2009, Regina funda, ao lado da homenageada, o Instituto Maria da Penha, uma organização não-governamental com o objetivo de enfrentar a violência doméstica por meio de conscientização e empoderamento.

Riqueza cultural vem de família

O pai de Regina era militar da Marinha, e a cada dois anos a família estava de mudança. A mãe nasceu no Rio Grande do Norte, foi professora de alfabetização de jovens e adultos e chegou a trabalhar em um projeto de Paulo Freire na década de 1960, antes de se casar.

"A minha vida sempre foi pautada pela desterritorialidade e a riqueza cultural de cada lugar que a gente mudava. O fato de ser uma mulher preta também fortaleceu a minha identidade, porque sempre fui instruída a ter muito forte as raízes da africanidade", diz.

Regina nasceu no Recife, mas em seguida foi morar no Rio de Janeiro. A família se mudou diversas vezes, até que chegou a hora de prestar o vestibular. "Quando eu decidi fazer filosofia, meu ambiente familiar, da minha mãe professora e da riqueza cultural no meu pai, me inspiraram", diz.

O curso foi iniciado em Itabuna, no sul da Bahia, e concluído na Universidade Federal de Pernambuco, por conta de mais uma transferência do pai. Foi nesse período que, além de se apaixonar pelos livros e pela docência, Regina começou a trabalhar com movimentos sociais.

Novos desafios e a capacidade de se reinventar

A experiência como docente e pesquisadora, mas também os anos de planejamento e coordenação de projetos sociais chamaram a atenção do Instituto Avon, que em abril deste ano anunciou Regina Barbosa como a nova gerente de causas da organização.

"Eu chego com objetivo de ajudar a equipe a organizar o diálogo com diferentes esferas da sociedade e a promover as duas causas do Instituto: a prevenção ao câncer de mama e o combate à violência contra a mulher", diz.

Regina explica que isso deve ser feito por meio de canais próprios de atenção às mais de 1 milhão de consultoras Avon no Brasil, mas também do fortalecimento das políticas públicas, dando visibilidade aos serviços de atendimento, promovendo cursos de formação e atualização aos servidores e pesquisas que possam servir de base para a melhoria das ações estratégicas.

"Eu tenho 24 anos de carreira docente e vou para o ambiente corporativo porque acredito na minha capacidade de me reinventar", diz.

Ela sabe que o desafio é grande. Desde 2003, o Instituto Avon já investiu mais de R$ 86 milhões para o desenvolvimento de 161 projetos e doação de 51 mamógrafos e 32 aparelhos de ultrassom para a prevenção do câncer de mama. Na área de enfrentamento à violência, foram R$ 34 milhões para 193 projetos.

Perfil Híbrido

Foi um dos professores da universidade que levou Regina para dar aula de filosofia em um curso de direito e que a convidou para participar de projetos sociais.

De lá para cá, nunca abandonou as aulas sobre direitos humanos, filosofia e sociologia jurídica em diferentes universidades. Paralelamente, tratou de aplicar os ensinamentos teóricos às ações práticas nas comunidades em que trabalhava.

Sempre tive esse perfil híbrido: acadêmico, em relação aos instrumentos pedagógicos fundantes; em diálogo com elementos das comunidades, dos conselhos de mulheres, da juventude", diz.

Da docência, ela traz a capacidade de observar e escutar as pessoas, a entender as suas diferenças e construir consensos.

Vem ainda da sala de aula seu interesse em estar sempre aprendendo. "Quando você mergulha na expressão 'Eu sei que nada sei', entende que é mais do que uma sentença sobre ignorância, porque diz muito sobre a sua disponibilidade para aprender".

Do trabalho voluntário e dos projetos sociais, ela aprendeu a ter menos pressa e a colocar os problemas em seu devido lugar. "São essas pessoas que eu encontro entregando sopa e agasalhos nas ruas do Recife, que eu conheci no sertão do país, que me ensinam o que é a humanidade".

Liderança com calma e otimismo

Regina diz que todos os anos em sala de aula e à frente de projetos sociais a ensinaram a ter calma diante dos momentos de crise. "Quando você traz paz para a equipe, gera criatividade e otimismo", diz.

"Eu não sou nenhuma 'Poliana', não sou negacionista, mas já vivi muitas coisas ruins e isso me ajuda a trazer calma, observar os focos de vulnerabilidade, os pontos fortes, ter discernimento", conta.

Ela diz que muitas vezes teve a síndrome da impostora, chegou a questionar se tinha capacidade para realizar certos trabalhos, mas que, nessas horas, lembrou-se da importância do trabalho em grupo e dos impactos das ações que realiza.
"Não é que eu não tenha medo, que não me sinta angustiada, mas todas as vezes em que eu pensei em desistir eu me dei conta de que não tenho essa opção. As mulheres pretas e pardas são a maioria das que sofrem violência no Brasil. As minhas antepassadas não morreram no tronco à toa; então eu não posso parar".

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