A CEO e os sultões

Os desafios de Claudia Massei, líder da Siemens em Omã, como primeira mulher a ocupar este cargo

Claudia de Castro Lima Carine Wallauer/UOL

A paulistana Claudia Massei nunca tinha pisado em Omã quando ficou sabendo que a Siemens, empresa na qual trabalha há quase oito anos, procurava uma CEO para sua operação no país. Na verdade, ela pouco sabia sobre o sultanato que faz fronteira com Arábia Saudita, Emirados Árabes, Iêmen e o Mar Arábico. Mas achou a ideia interessante, tentou o processo seletivo interno e tornou-se a primeira CEO mulher da companhia em uma operação no Oriente Médio.

A presença em ambientes com poucas ou nenhuma mulher não é novidade para esta filha de funcionários públicos. Foi assim em boa parte da faculdade de engenharia aeronáutica, que ela fez no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), ou nas olimpíadas de física das quais adorava participar. O desafio de se mudar para Omã também mexeu com seu ímpeto de começar projetos novos, aprender, tomar riscos e, como diz, acrescentar "vários rótulos" à sua carreira.

Eles, inclusive, não faltam. Claudia é também cofundadora de uma startup de educação digital, a Eduqo, faz parte do conselho de fundações como a Steering for Greatness Foundation, uma ONG nigeriana, e é membro das comunidades Global Future Council on Clean Electrification e Young Global Leaders, além do projeto Closing Future Skills Gap, todos do Fórum Econômico Mundial. "Quantos mais labels você conseguir, muito mais versátil é e menos medo tem", acredita. "Assim, não sente aquela insegurança: o que vai acontecer se perder meu emprego? Eu estou CEO, mas o cargo não me define", argumenta.

No país muçulmano, apesar de certa abertura, as mulheres ainda não têm representação. Claudia foi indicada, pelo segundo ano consecutivo, pela Forbes Middle East como uma das executivas mais poderosas da região — lá, por não saberem exatamente como defini-la, é chamada de "Siemens' Lady". A seguir, ela conta sobre suas experiências e revela desafios enfrentados — não só pelo gênero, mas por não ter a mesma origem e religião de seus pares e subordinados.

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Das olimpíadas de matemática à faculdade de engenharia

Claudia não tinha um grande sonho de fazer engenharia. Pensou em ser jornalista, diplomata, psicóloga ou até turismóloga. "Participava de olimpíadas de matemática e de física, até ganhei uma aos 16 anos. Fui a única mulher a ser premiada na ocasião. Por isso, fez sentido seguir como engenheira. Entrei na área de eletrônica, mas mudei para aeronáutica no segundo ano", conta.

Ainda na faculdade, já se perguntava se gostaria de seguir na área pelo resto da vida. "Fui para a França fazer a tese de graduação. Depois de seis meses, consegui um estágio local na Embraer. Tranquei a faculdade e foi aí que comecei a gostar da ideia de viver fora do país. Fiquei mais um ano e meio na Europa e voltei para o Brasil já com outro estágio em vista, desta vez em uma consultoria norte-americana. Terminei a faculdade e, ainda na mesma empresa, fui para um projeto no Marrocos, baseado entre Paris e Casablanca, por seis meses. Quando acabou, segui para a África do Sul por mais um semestre. Foi quando pude dizer que tinha uma carreira internacional", relembra.

O interesse por trabalhos sociais fez com que, em dado momento, precisasse escolher entre ONGs ou multinacionais. "Percebi que, se eu fosse para uma organização não-governamental, provavelmente teria o maior cargo da estrutura e ainda era nova para isso. Como vou aprender mais? Quem serão os meus mentores?", questionava. Decidiu, então, que ainda precisava de um lugar com maior hierarquia. "Apliquei para a Samsung e para a Siemens. Consegui as duas vagas, mas optei pela segunda", resume.

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"Deixaria a minha startup pelo meu emprego"

Na Siemens, saltou aos olhos de Claudia a possibilidade de escolher ou, ao menos, tentar indicar o país que gostaria de trabalhar. "Se eu falasse China e, claro, existisse uma vaga compatível com meu conhecimento e capacidade, eu poderia tentar. Outras empresas têm uma política de não dar visto", conta.

Ao mesmo tempo, tocava um projeto educacional em formato de startup, oportunidade que surgiu durante o MBA na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. "Um calouro do ITA, chamado Thiago Feijão, me ligou falando que queria criar um portal educacional com videoaulas para o Brasil. Gostei da ideia e resolvi investir no projeto. Fundamos o QMágico [hoje Eduqo]. Como eu tinha a dívida do MBA toda para pagar, resolvi não confiar apenas na empresa que a gente estava montando.

Prestei para algumas vagas, assim garantiria um emprego, caso a startup não fosse para frente. Escolhi a Siemens, porque, por ela, eu poderia deixar a minha empresa

A entrada foi por meio de um programa de rotação, chamado CEO Program, de Chief Excellent Opportunity Program. A ideia era fazer três movimentações: uma para o país desejado, uma no negócio da Siemens desejado e uma com o tipo de função desejada.

"Fiz rotações na Alemanha, que terminei em Portugal, na China e na Dinamarca. Nesse programa, a gente tinha várias interações com CEOs de lugares diferentes. Conversando com um CEO da região do Oriente Médio, soube de um projeto que seria lançado e perguntou se eu estava interessada. Fui até Dubai para negociar, mas queriam alguém mais experiente e não deu certo. Mantive contato com ele e, em uma conferência interna, disse que gostaria de trabalhar na região. Em dezembro de 2017, ele me mandou uma mensagem falando que havia uma possível vaga de CEO para Omã. Eu disse: 'estou interessada'", conta.

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"É mais fácil ser autêntica quando o medo não guia decisões"

Tornar-se CEO de uma empresa, entretanto, não estava nos planos de Claudia. "Já tive várias fases na minha trajetória e gosto disso. No ensino médio, fiz teatro. Depois, prestei para engenharia. Durante a faculdade, fui professora de cursinho e particular por seis anos. Veio então minha época de consultora e de empreendedora, à qual dediquei 100% do tempo por dois anos — até hoje estou no conselho da empresa. Segui para a fase de executiva e, provavelmente, não será a última ocupação que terei. Já fico pensando qual vai ser a próxima etapa.

Gosto mesmo é da ideia de ter uma jornada em um certo campo, aprender as coisas referentes a ele e, depois de entender como tudo funciona, tentar uma coisa diferente. Nunca tive o desejo de 'fazer carreira'

Para ela, teria problema deixar um cargo de CEO para recomeçar. "Não me defino assim. Quanto mais rótulos você tem, mais versátil é e menos medo tem. Não sente aquela insegurança: 'o que vai acontecer se perder meu emprego?'. Aliás, acho que isso também ajuda, inclusive, a manter o emprego. Primeiro, porque você se preocupa em relevante para alguma coisa, o que também beneficia seu empregador. Também evita a postura de pensar que não se pode discordar de uma decisão, porque alguém não vai gostar. "É muito mais fácil ser autêntico quando o medo não guia as suas decisões", argumenta.

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Três lições para uma mulher que quer ser líder

Quando você aprende, se mantém relevante. E quando se mantém relevante, agrega mais valor à empresa em que trabalha e aumenta seu próprio valor.

Sobre a importância de estudar sem parar

Não receba feedbacks na defensiva ou como algo pessoal. Se você desconfiar de algo que ouviu, pergunte ao seu melhor amigo se é assim mesmo. E tente melhorar.

Sobre entender os feedbacks

Na medida do possível, rodeie-se de gente boa. Na posição de líder, você precisa dar o suporte e a motivação que os colaboradores necessitam.

Sobre ter as pessoas certas nos lugares certos

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"O título de CEO anula o gênero"

Os desafios de Claudia são muitos e não se resumem ao dia a dia do trabalho. Como mulher e estrangeira, lida ainda com barreiras culturais.

'Vou dar um exemplo. Agora, com a covid, temos que reportar casos da doença entre os países. Há um sujeito, prestador de serviço, que escreve para mim pedindo esses dados, embora saiba que é o gerente de RH quem tem a informação. Se fosse um homem no meu lugar, ele não pediria isso. Nesses casos, acho que tem a ver com gênero. Entretanto, não gosto de me colocar numa posição de vítima, porque acho que desmerece as mulheres. Falo no espelho para mim: ele só fez isso porque sou mulher. Respiro fundo e tento ver a situação de outro jeito", conta.

Tem muita gente que me chama aqui de 'Siemens' Lady'. Entretanto, se alguém quer resolver alguma coisa, tem que falar comigo. Nessas horas, o título ajuda a anular, digamos assim, o gênero, porque eu sou CEO da Siemens

Ela acredita que a questão religiosa ainda é um dos principais gargalos de relacionamentos interpessoais. "Se eu fosse um homem, mas de outra crença, também não criaria várias das conexões que eles têm, como as rezas às sextas-feiras ou o jejum do Ramadan", diz.

Com as mulheres, o cenário também não é tão simples. Atualmente, apenas 10% do quadro de 65 pessoas é feminino. "Tanto eu, quanto o governo, pressionamos para a contratação dos mais novos, porque o desemprego entre jovens aqui chega a 40%. O fato é que temos uma questão cultural referente às mulheres. Muitas entram na faculdade e já começam a namorar. Aqui, namorar significa ser alguém próximo da família, casar no segundo ano e ter filho no terceiro. Algumas recebem o diploma já à espera de um bebê. Quando têm filhos, a prioridade passa a ser a família. Há poucas que estão a fim de construir carreira com certo nível de comprometimento", afirma.

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