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Desculpa Alguma Coisa

Tati Bernardi faz entrevistas malucas e inesperadas com pessoas que você adora


Naruna Costa conta como usa o teatro de forma política

Colaboração para Universa, em São Paulo

01/07/2023 04h10Atualizada em 02/07/2023 06h12

Convidada do "Desculpa Alguma Coisa", videocast de Universa com Tati Bernardi, gravado no Universa Talks, Naruna Costa falou sobre por que começou a misturar teatro e política em seus projetos.

A atriz contou que o estalo aconteceu após entrar na USP (Universidade de São Paulo) e ver poucas pessoas negras na faculdade. "Minha trajetória mudou quando me dei conta de que não via nenhuma mulher igual a mim ali. Não tinham pessoas pretas, periféricas, a gente tinha outra relação de diversidade. Na minha turma havia cinco pessoas negras, e já era histórico. Isso me fez ter vontade de usar o teatro de forma mais política", diz.

A atriz e cantora destacou também como isso interfere em seus trabalhos.

"Sou uma atriz preta, isso explica as relações serem mais difíceis. Todas as correrias relacionadas a imagens, produções. Não é nada simples, nada fácil, tanto os sim e os não que a gente decide ter ou toma", declarou.

É necessário se politizar. Em todas produções audiovisuais de que participo sei que não estou indo sozinha, que estou representando muita gente, que aquilo significa muito sobre o imaginário que foi construído das mulheres negras no Brasil. Naruna Costa

Naruna contou mais sobre um de seus projetos, o Grupo Clariô de Teatro, criado em Taboão da Serra, periferia de São Paulo.

"Quando a gente decidiu formar o grupo, existia uma necessidade de contar a nossa história, de falar de uma narrativa que ainda não era discutida no teatro, sobre aquela população."

A atriz ressalta que também foi importante pensar no teatro ser, além de produzido, exibido na periferia. "É inverter a lógica. Criar uma peça que não fosse considerada única e exclusivamente para aquela população, mas com aquela população, sobre ela e de alta qualidade, entendendo que ao invés da gente enquanto curiosos ou necessitados de arte atravessamos a ponte, essas pessoas pudessem vir até nosso espaço consumir cultura de alta qualidade".

Perda do marido aos 31: 'Perdi a fé'

A atriz e cantora falou sobre a perda do marido, Mário Pazini Jr., vítima de câncer em 2014, quando Naruna tinha 31 anos. O relacionamento dos dois durou 11 anos.

Naruna Costa: "O nosso encontro foi muito bonito. Marinho era 20 anos mais velho do que eu. Foi um encontro de vidas, de alma. Ele era meu diretor de teatro, a gente construiu uma história. Foram 11 anos de uma história de amor muito intensa. Ele ficou doente, teve câncer. O último ano foi muito pesado".

Segundo Naruna, em um ano e meio, ela passou da morte do marido para a mesa de cirurgia. "Depois de um período, fui fingindo que estava tudo bem. Foi meu maior erro. Não peço colo, ajuda, não gosto de incomodar", completou.

Quando ele morreu, eu morri junto. Muitas coisas minhas morreram junto. Foi muito tenso e, ao mesmo tempo, nasceu em mim uma carcaça de que eu ia conseguir dar conta da vida. Fui desapegando de tudo que me ligava ao astral, ao amor, perdi fé e minha alma foi adoecendo. Foi quando a endometriose foi crescendo muito rápido. Naruna Costa

A atriz contou ter estremecido seus laços de fé durante o período. "Entendi que um pacto tinha sido quebrado. Eu estava adoecendo e algumas amigas foram me dizendo que tinha algo que parecia que estava frágil, apesar de eu achar que não. Conheci duas mães de santo, que foram duas mulheres incríveis na minha vida, e as duas, em momentos diferentes, falaram que minha alma estava doente. Parecia que eu estava cometendo um suicídio, que tinha desistido inconscientemente".

Fiquei assustada e quando adoeci, bateu muito forte. Estou nesse processo de reconectar tudo. Foi importante pra eu me ver além de mim, encontrar força com minha ancestralidade. Naruna Costa

Naruna ainda contou como conheceu o atual namorado, Washington Gabriel. "Estou vivendo outra história tão bonita quanto. Ele é ator também. A gente já trabalhava junto. Todo esse meu processo de dores, ele acompanhou como amigo, parceiro de trabalho. A gente foi se aproximando nesse lugar de amizade que depois virou paixão, acolhimento. Ele é um companheiro imenso. Esse momento da fase dos hormônios pesados da endometriose é uma coisa louca porque mexe com nossa mentalidade. Ele está comigo porque realmente quer estar".

Batalha contra a endometriose: 'Marcou minha história'

A convidada da edição especial do "Desculpa Alguma Coisa" falou sobre ter desenvolvido uma doença de fundo emocional após a morte do marido: endometriose.

Naruna Costa: "A endometriose marcou minha história nos últimos dez anos. Fiz um relato importante, com uma repercussão forte, porque fiz a segunda cirurgia. Foi um processo bem dolorido, estava vindo de um luto muito intenso quando descobri a doença", diz ela, referindo-se à morte do marido, há nove anos.

A atriz contou que sua mãe também teve a doença e foi às pressas para o hospital para retirada de útero e ovários. "Quando eu apresentei os sintomas, ela identificou que eram muito parecidos."

"Eu tinha pouquíssima informação sobre, não entendia que era uma doença inflamatória e que tinha relação com alimentação, saúde mental, emocional, tudo. Fiz a cirurgia, retirei um ovário, trompa, e depois de algum tempo, ainda com a dificuldade de identificar como eu ia conviver com isso, fiz a segunda cirurgia, mas muito mais amparada."

Ela diz que, apesar de ser uma doença delicada, é muito mais comum do que se imagina. "Trata de questões exclusivas do corpo feminino, e parece que tudo que diz respeito ao nosso corpo não interessa a sociedade. A gente tem que conviver com uma dor que é constante e dilacerante sem conseguir se comunicar e dar conta de tudo que temos que fazer", declarou.

Naruna Costa: "É uma doença que precisa muito ser falada e comentada porque ela está aí no nosso cotidiano, muitas mulheres têm e não sabem".

A personagem mais difícil de fazer

A atriz conversou sobre seus trabalhos na TV e contou qual deles foi o mais difícil até hoje.

Naruna Costa: "A série 'Rota 66'. A personagem que faço é uma mulher que tem o marido assassinado pela policia. Ele é morto várias vezes porque é acusado de ser bandido, tem toda a imagem dele destruída e a vida dela vira um caos. Ela direciona tudo para a luta contra esse tipo de injustiça social, muito recorrente no Brasil".

"Ela vai se tornando uma líder, os anos vão passando e ela não conta a história dela. E aí tem uma cena em que ela narra a história do momento em que ele foi assassinado. Estava chovendo e o guarda-chuva que ele estava usando foi confundido com um fuzil. Essa é uma tragédia brasileira: um homem, só por ser negro, é assassinado sem motivo."

Naruna disse ter se preparado para enfrentar a cena. "Não vivi isso, minha história não é essa, mas o fato de eu ser viúva e ter vivido algo parecido com ela ao menos emocionalmente, de ter abafado minha dor para poder trabalhar e fazer as coisas das minhas lutas... Essa cena eu sabia que, quando chegasse ia ser bem difícil, mas fui trabalhando para que, quando chegasse esse momento, eu pudesse estar preparada para que fosse só dela, e eu não saísse de lá com um peso", completou.

Estereótipos

A atriz comentou também sobre o estereótipo de guerreira das personagens destinados as mulheres negras. "Quando a gente recebe as sinopses das nossas personagens, tem esse lugar. Mulher negra, guerreira. Tenho preguiça porque acho que a gente pode passear por inúmeras subjetividades, e isso ainda é muito difícil acontecer. É uma luta imensa pra quebrar os estereótipos da mulher negra como personagem".

Ela alerta, contudo. "Mas na vida cotidiana tem a importância de revezar. A gente é guerreira mesmo, tem que ser em várias frentes, mas é tão importante quanto poder descansar e se cuidar também, olhar para si".

Terapia

Naruna também contou ter demorado a começar a fazer terapia. "Achei que não era importante. A periferia tem essa tradição de fazer essas correrias e não ter esse tempo dedicado de olhar para si. As mulheres infelizmente têm isso."

Teatro como luta política

Naruna contou por que começou a misturar teatro e política em seus projetos.

A atriz e cantora contou que o estalo aconteceu após entrar na USP (Universidade de São Paulo) e ver poucas pessoas negras na faculdade. "Minha trajetória mudou quando me dei conta de que não via nenhuma mulher igual a mim ali. Não tinham pessoas pretas, periféricas, a gente tinha outra relação de diversidade. Na minha turma havia cinco pessoas negras, e já era histórico. Isso me fez ter vontade de usar o teatro de forma mais política", diz.

A atriz e cantora destacou também como isso interfere em seus trabalhos.

"Sou uma atriz preta, isso explica as relações serem mais difíceis. Todas as correrias relacionadas a imagens, produções. Não é nada simples, nada fácil, tanto os sim e os não que a gente decide ter ou toma", declarou.

É necessário se politizar. Em todas produções audiovisuais de que participo sei que não estou indo sozinha, que estou representando muita gente, que aquilo significa muito sobre o imaginário que foi construído das mulheres negras no Brasil. Naruna Costa

Naruna contou mais sobre um de seus projetos, o Grupo Clariô de Teatro, criado em Taboão da Serra, periferia de São Paulo.

"Quando a gente decidiu formar o grupo, existia uma necessidade de contar a nossa história, de falar de uma narrativa que ainda não era discutida no teatro, sobre aquela população."

A atriz ressalta que também foi importante pensar no teatro ser, além de produzido, exibido na periferia. "É inverter a lógica. Criar uma peça que não fosse considerada única e exclusivamente para aquela população, mas com aquela população, sobre ela e de alta qualidade, entendendo que ao invés da gente enquanto curiosos ou necessitados de arte atravessamos a ponte, essas pessoas pudessem vir até nosso espaço consumir cultura de alta qualidade".

Assista à íntegra da entrevista

O programa "Desculpa Alguma Coisa" vai ao ar às quartas, às 20h, no Canal UOL, no YouTube de Universa e em plataformas de áudio.