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É crime ser gay no Qatar? Pode levar à prisão? Entenda lei do país da Copa

Ardha, a Dança das Espadas, é uma das maiores e mais simbólicas tradições culturais do Qatar - iStockphotos
Ardha, a Dança das Espadas, é uma das maiores e mais simbólicas tradições culturais do Qatar Imagem: iStockphotos

Bruna Calazans

Colaboração para Universa, em São Paulo

18/11/2022 04h00

Desde que foi anunciado como país sede da Copa de 2022, o Qatar passou a ter seus costumes e cultura esmiuçados para que o mundo entendesse como é a vida por lá. Um dos temas que chama a atenção desde então é a intensa repressão contra LGBTs. A má fama é tanta que torcedores chegaram a negar convites para assistir aos jogos, com medo do que lhes poderia acontecer por serem gays, lésbicas ou trans.

Soma-se a isso falas de líderes do país como a de Khalid Salman, embaixador da Copa e ex-jogador do Qatar, que afirmou, em entrevista ao canal ZDF, da televisão alemã, na semana passada, que homossexualidade é um "transtorno mental". A fala agressiva foi interrompida rapidamente, mas Salman ainda acrescentou que ser homossexual é "haram" —"pecado" e proibido pela lei do Islã.

Meses antes, em abril deste ano, o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari reforçou que os turistas que visitarem o país para o evento esportivo não devem demonstrar apoio à comunidade LGBTQIA+, tampouco levantar bandeiras do arco-íris, símbolo da comunidade. "Faça isso em uma sociedade em que será aceito". Segundo ele, 28 dias (o tempo de duração da Copa do Mundo) não iriam impactar a "sharia", conjunto de leis islâmicas que rege o país.

Mas afinal, é crime ser gay no Qatar?

O Código Penal do Qatar fala sobre a homossexualidade como uma prática criminosa, passível de uma pena de oito anos de prisão ou até mesmo de morte sob a "sharia", que funciona junto com a legislação.

O que diz a lei. É proibido haver relação sexual entre homens —não há menção a relações entre mulheres. Também não se fala sobre expressões públicas de afeto, como beijos e mãos dadas. O risco, porém, é de que a partir de uma dessas atitudes, a Justiça local entenda que houve relação e, assim, condene os envolvidos.

A condenação pode aumentar dependendo da idade de um dos envolvidos. Um homem, por exemplo, está sujeito a pena de morte por se relacionar com um menino com menos de 16 anos.

Além de condenar o sexo fora do casamento para todas as pessoas, a legislação do Qatar prevê penalidades para qualquer homem, seja ele ou muçulmano ou não, que "instigue" ou "induza" outro homem a cometer "imoralidades". Segundo o Código Penal a pena para este crime é de até dez anos de prisão. Ou seja: manifestações pelos direitos LGBTs podem, sim, dar cadeia.

Espancamentos e assédio sexual por parte da polícia

Uma pesquisa realizada pela Human Rights Watch e divulgada em outubro deste ano aponta que o governo vem cometendo ilegalidades contra pessoas LGBTQIA+.

O instituto documentou seis casos de espancamentos graves e cinco casos de assédio sexual sobre custódia policial entre os anos de 2019 e 2022.

De acordo com o documento, as autoridades do Qatar prenderam pessoas em locais públicos, com base apenas em suas respectivas expressões de gênero. Para liberar aqueles que foram presos, as autoridades exigiram que as mulheres trans detidas participassem de "sessões de terapia de conversão".

Repressão ficará menor por causa da Copa?

Apesar da pressão externa por causa do evento nos últimos meses —principalmente partindo da FIFA ao afirmar que todos serão respeitados— as leis do país em relação à diversidade sexual dificilmente mudarão, defende a historiadora e atual diretora do Centro de Estudos Árabes da USP (Universidade de São Paulo), Arlene Clamesha.

Para ela, o Qatar é um país muito "singular", com cidadãos resistentes às mudanças. "É um sistema muito fechado em vários aspectos. Uma Copa do Mundo mudar os desejos desse círculo é difícil", diz.

"Dentro dessa sociedade até existe uma pluralidade, mas ainda é muito conservadora e tradicional. Manter a tradição faz parte da manutenção do status e de seu modo de vida".

Jogadores e famosos se posicionam

Antes mesmo do início do campeonato, jogadores importantes se posicionaram contra a fala de Al Ansari em relação ao uso da bandeira LGBTQIA+. Harry Kane, o líder da seleção da Inglaterra, se comprometeu em usar uma braçadeira com as cores da diversidade durante as partidas.

A cantora britânica Dua Lipa também usou sua visibilidade para protestar contra as leis do país, após seu nome ter sido cogitado para cantar na abertura do evento.

"Está tendo muita especulação de que eu vou cantar na cerimônia de abertura da Copa no Qatar. Eu não vou me apresentar e não estou em nenhuma negociação para estar lá", afirmou a cantora. "Vou torcer pela Inglaterra de longe e espero visitar o Qatar quando eles cumprirem todas as promessas relativas aos direitos humanos que eles fizeram quando ganharam o direito de sediar a Copa."