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'Não sei explicar, estou diferente': como é a menopausa para homens trans

Gil Santos considera que a falta de diálogo sobre a menopausa dificulta acesso a tratamento - Arquivo Pessoal
Gil Santos considera que a falta de diálogo sobre a menopausa dificulta acesso a tratamento Imagem: Arquivo Pessoal

Hysa Conrado

De Universa, em São Paulo

01/11/2022 04h00

Se para mulheres cisgênero a menopausa ainda é um assunto cercado de silêncio e tabu, o tema nem sequer entra em pauta quando a conversa é sobre a saúde de pessoas trans, principalmente dos homens. "Ninguém fala sobre isso, nem mesmo entre nós mesmos", afirmou o orientador socioeducativo Gil Santos, 49 anos, em entrevista a Universa.

Acontece que este período, marcado pelo fim da menstruação, faz parte do processo natural de envelhecimento do corpo e tem como característica intensas alterações hormonais. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que pelo menos um bilhão de pessoas estejam na menopausa até 2030.

Mesmo que os números sejam expressivos ao indicar que esta é uma fase comum da vida, Gil conta que o assunto nunca chegou a ser mencionado durante as consultas com o endocrinologista do Sistema Único de Saúde (SUS) responsável por sua hormonização — terapia hormonal que possibilita a pessoas trans características físicas do gênero com o qual se identificam, como os pelos da barba, por exemplo.

"Eu não cheguei a falar sobre isso e o médico também não. Eu nunca ouvi nenhum homem trans falar que está fazendo algum tratamento para menopausa", afirma Gil, que precisou interromper a hormonização durante a pandemia, há cerca de dois anos, e ainda não conseguiu retomá-la.

Para ele, a falta de diálogo sobre o tema é o que faz com que a experiência seja ainda mais complicada, porque dificulta a busca por ajuda especializada para amenizar os sintomas.

Quando eu tinha 11 anos, não sabia o que era menstruação, me assustei. A menopausa cai nesse mesmo limbo, ela chega e ninguém sabe o que é.
Gil Santos

O climatério —período que compreende as alterações hormonais que antecedem o fim do ciclo menstrual— é recheado de sintomas desconfortáveis, como falta de disposição, irritabilidade, insônia e as conhecidas ondas de calor, chamadas também de fogachos, segundo Emmanuel Nasser, médico ginecologista com enfoque em saúde LGBTQIAP+.

Para Gil, que está vivenciando estes sintomas, o período é "desconfortável demais". "É chato, não gosto. A menstruação vem várias vezes no mesmo mês, e ao mesmo tempo que sinto calor, também sinto frio. Além do estresse, tem dias que ninguém me suporta, nem eu mesmo", afirma. "Eu falo sobre os sintomas, mas não sei explicar, só sei que estou diferente.".

Climatério é diferente para pessoas trans

A menopausa só é caracterizada após um ano da última menstruação. Mas, no geral, esses sintomas começam a aparecer antes mesmo do último ciclo, entre os 45 e 50 anos de idade. Para pessoas trans, no entanto, os sinais da menopausa podem ser desencadeados em diferentes períodos da vida e precisam ser analisados individualmente.

No caso de Gil, por exemplo, existem três pontos que devem ser levados em conta: ele manteve os órgãos pélvicos, como ovários e útero e, por isso, menstrua; ele tem 49 anos, idade na qual os sintomas do climatério são comuns para pessoas com ovários, além de que sua transição hormonal foi interrompida.

"A ausência da hormonização nada mais fez do que mostrar, do ponto de vista do funcionamento dos órgãos pélvicos, que ele está entrando nessa fase", explica Nasser, que destaca que a retomada da hormonização com o uso da testosterona funcionaria como um tratamento de reposição hormonal, semelhante ao realizado por mulheres cisgênero, e faria com que os sintomas do climatério desaparecessem.

Gil - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Gil Santos relata desconfortos causados pelos sintomas do climatério
Imagem: Arquivo Pessoal

Por outro lado, caso um homem trans decida pela cirurgia de retirada dos órgãos pélvicos —que incluem ovários, trompas, útero, colo do útero e uma parte da vagina—, a menopausa seria induzida independentemente da idade. O mesmo também aconteceria caso pessoas trans femininas retirassem os testículos, por exemplo.

"Quando se faz esse movimento cirúrgico, retira-se os órgãos que são produtores de hormônios. Então é aconselhável, desde que a retirada não tenha sido feita por conta de doenças como o câncer, que se faça uma terapia de reposição hormonal. E aí guarda-se as peculiaridades e especificidades da identidade de gênero dessa pessoa", explica o ginecologista.

Isso significa que mulheres trans que passaram pela cirurgia de transgenitalização e, por algum motivo, não concluíram a transição hormonal, também podem experienciar sintomas do climatério, até mesmo complicações que o período pode provocar, como predisposição para osteoporose e problemas cardiovasculares, além da possibilidade de comprometimento da saúde mental, com quadros de transtorno de ansiedade e depressão.

"Algumas pessoas constroem uma perspectiva de que quando fazem uma cirurgia de transgenitalização, principalmente identidades trans femininas, esse é o pote de ouro no fim do arco-íris e acabam abandonando a hormonização", afirma o ginecologista. "E isso vai fazer com que essa pessoa tenha alterações [como os sintomas do climatério] caso ela decida por não fazer uma terapia de reposição hormonal."

O especialista destaca que não é possível zerar os níveis de testosterona de nenhum corpo, apenas diminuir de maneira considerável, o que torna a hormonização um processo importante para a manutenção da saúde.

Já para os homens trans que mantêm a terapia de hormônios, a probabilidade é de que o climatério não ocorra, porque a testosterona passa a ser o hormônio predominante e o estrogênio, produzido pelos ovários, teria sua circulação diminuída.

"As ondas de calor, irritabilidade e insônia, não acontecem porque a testosterona vai fazer a proteção do coração, dos vasos sanguíneos e da massa óssea", explica o médico.

Apesar das explicações clínicas, o especialista ressalta que não há estudos ou pesquisas sobre como essas alterações hormonais caracterizadas pela menopausa podem afetar pessoas trans.

Estamos falando sobre envelhecimento de uma população que tem uma expectativa de vida de 35 anos no Brasil. Então não temos nem material humano para estudar porque essas pessoas são assassinadas antes de chegarem nessa fase.
Emmanuel Nasser, ginecologista

O que o SUS oferece de assistência para pessoas trans na menopausa?

Universa procurou o Ministério da Saúde para entender quais os protocolos de atendimento direcionados a homens trans na menopausa. Por meio de nota, a pasta informou que o SUS "oferta atenção integral ao público masculino durante o climatério", mas não deu detalhes desse serviço.

Veja a nota na íntegra:

"A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem visa promover a melhoria das condições de saúde da população masculina brasileira.

Os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) ofertam atenção integral ao público masculino durante o climatério, contribuindo para a redução dos riscos e agravos inerentes a esse período."