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Lei Elis, 1 ano: a história da mãe por trás do projeto de perda gestacional

Natália Mundim Lei Elis  - Arquivo pessoal
Natália Mundim Lei Elis Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para Universa

07/06/2022 04h00

Há pouco mais de três anos, a vida de Natália Mundim, 41 anos, foi completamente transformada e sua história acabou inspirando a criação de uma lei de perda gestacional. A professora de ecologia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) já era mãe dos gêmeos Beatriz e Fernando, hoje com 7 anos, quando engravidou de Elis. A gravidez transcorria bem até ela descobrir que a caçula era portadora da síndrome de Patau.

Fetos com essa doença, que provoca deficiências físicas e mental, têm grandes chances de morrerem ainda na barriga, e quando continuam se desenvolvendo e nascem, têm poucas chances de passar da primeira semana de vida. A bebê, por fim, nasceu em 16 de janeiro de 2020 e viveu apenas 18 minutos.

Inspirada pela história de Natália e Elis, a vereadora Cláudia Guerra, de Uberlândia, onde mora a família, criou uma lei em homenagem à criança, instituindo a "Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal", que começa no dia 15 de outubro. A legislação foi sancionada pelo prefeito, Odelmo Leão, há exatamente um ano, em 7 de junho de 2021.

Filha caçula era portadora da síndrome de Patau

"Faltam palavras para explicar as sensações de quando descobri que a minha filha poderia nascer morta. Parece que eu tinha caído em um buraco sem fim, que o mundo tinha perdido a cor e estava chuvoso todos os dias."

Após passar dias cogitando se interromperia ou não a gravidez, Natália foi aconselhada por uma médica a tomar uma decisão seguindo seu coração. "Eu percebi que poderia ficar com a Elis e respeitar o tempo dela, e tive a sensação de alívio e leveza."

"Decidi viver a gestação intensamente"

Natália grávida da Elis - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Natália Mundim grávida - lei Elis
Imagem: Arquivo pessoal

A gestação foi reassumida em torno de 24 semanas e Natália passou a viver um dia de cada vez, porque tinha consciência de que Elis poderia morrer a qualquer momento. "Na gestação dela eu pintava a barriga, fazia ioga. Fui na cachoeira, cantava e comia chocolate para ela experimentar."

No dia 16 de janeiro de 2020, Elis resolveu vir ao mundo. Natália deu à luz a menina em um trabalho de parto natural e humanizado, e conseguiu ficar ao lado da filha durante seus únicos 18 minutos de vida.

"Por conta de uma luta minha, a gente teve esses momentos com ela. Eu elaborei um documento para o hospital especificando como a gente queria ser atendida. Ela ficou no meu colo o tempo todo, não abriu os olhos, nem esboçou dor ou chorou. Ficou com a mesma expressão de quando nasceu, só suspirava."

Quando os outros filhos de Natália chegaram ao hospital, Elis tinha morrido. Foi um momento complicado, mas ela e o marido, Luiz Ricardo de Almeida, contaram com o apoio da psicóloga do hospital para contar a notícia. Enquanto os pequenos ajudavam a mãe a colocar as roupinhas na caçula, Natália foi explicando o que estava acontecendo, o que era o sangue, etc.

Depois de três dias da partida da filha, a professora da UFU foi até um banco de leite para fazer uma doação, mas se deparou com uma proibição, porque Elis havia morrido. "Ouvi no banco de leite que era proibido por norma que eu fizesse a doação. Parecia que tinha levado um soco no estômago, porque estava com o coração cheio de amor para dar."

Luta para garantir seu direito

Natália teve o desejo de doar seu leite pela primeira vez enquanto amamentava os filhos mais velhos, mas nunca sobrava muito. Ao descobrir a síndrome da filha, a vontade da doação retornou após se deparar com a história de uma mulher norte-americana que tinha doado o leite depois de perder o filho.

Depois de ser proibida de doar, Natália foi atrás de explicações jurídicas para entender por que ela não poderia ajudar outros bebês. Ao descobrir uma norma da Anvisa que era usada como justificativa em bancos de leite, ela descobriu um erro de interpretação no texto. Segundo ela, a norma não proibia expressamente mães enlutadas de darem leite.

Critérios para seleção de doadoras de leite humano descritos na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 171/2006: estar amamentando ou ordenhando LH (leite humano) para o próprio filho; ser nutriz saudável que apresenta secreção lática superior às exigências de seu filho, que se dispõe a ordenhar e doar o excedente; ou aquela que ordenha o próprio leite para manutenção da lactação e/ou alimentação do seu filho.

Por isso não se deu por satisfeita, insistiu na doação e por fim realizou seu desejo. "No primeiro aceite da doação, eles estavam cheios de protocolos e eu tinha que ir em todas as ordenhas, que aconteciam três vezes por dia."

Com o passar do tempo, aceitaram melhor a ação da Natália, que passou três meses doando o leite que seria de Elis. Apesar de não ser fácil conviver com outros recém-nascidos, ela se manteve firme em sua missão.

Mesmo tendo feito seu papel, Natália não ficou satisfeita, foi atrás da Anvisa pedindo que eles mudassem a resolução, para que não houvesse mais confusão na aceitação de doação nos bancos de leite.

Doação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Natália Mundim doando leite
Imagem: Arquivo pessoal

A norma não mudou, mas a instituição se manifestou e emitiu uma nota técnica afirmando que não existia proibição de doação de leite para as mães enlutadas, desde que os requisitos sanitários fossem atendidos.

"Essa doação é importante não somente para os bancos de leite, mas para o processo de luta da mulher e pelo respeito da vontade dela. Esse direito de doar o leite tem que ser algo que precisamos lutar para ter, porque sai do meu corpo, eu sei o que faço com o meu corpo."

A luta da Natália foi tão importante que uma vereadora de Uberlândia resolveu fazer com que essa perda neonatal não fosse esquecida.

Resultados da Lei Elis

"A Lei passou a ser instrumento para exigir que o Poder Público Municipal ofereça espaços de debate, com o objetivo de promover avanços nos serviços públicos para essas mulheres", diz a vereadora Cláudia Guerra, em entrevista à Universa.

Envolvida em todo processo, desde a criação do texto até a lei ser promulgada, Natália sentiu muito orgulho quando ela virou realidade. "A semana é para conscientizar as pessoas, para que o luto seja validado e as pessoas tenham um atendimento humanizado. Ainda estamos a anos luz de chegar perto disso. Ao mesmo tempo que sinto orgulho e alegria pela lei criada, também dá a sensação de que temos muito trabalho pela frente", conta Natália.

Depois da promulgação da Lei Elis, muitas outras famílias procuraram a vereadora e relataram suas dificuldades. Entre as principais reclamações estava a forma como as equipes de saúde atendiam, mantendo mães enlutadas nos mesmos quartos das mães puérperas.

"Conseguimos mudar o Código Municipal de Saúde, ao incluirmos a garantia da assistência na rede municipal de saúde às mulheres que sofreram com a perda neonatal e gestacional."

Com a lei de número 13.622, sancionada em 11 de novembro de 2021 em Uberlândia, passou a ser obrigatória a oferta de assistência hospitalar com tecnologia adequada, além de garantir a educação continuada aos profissionais para aperfeiçoamento na área da saúde da mulher.