Topo

Gabriela Prioli: 'Desde criança fui estrategista e me colocava em 1º lugar'

Gabriela Prioli está lançando livro sobre política e estreando nova temporada de seu programa na CNN - Divulgação
Gabriela Prioli está lançando livro sobre política e estreando nova temporada de seu programa na CNN
Imagem: Divulgação

Giuliana Bergamo

Colaboração para Universa, de São Paulo

15/04/2022 04h00

Advogada criminalista, professora universitária e apresentadora de TV, Gabriela Prioli já conquistou muito do que sonhava. "Sucesso, para mim, inclui ser bem-sucedida financeiramente, estampar a capa de uma revista de moda e, ao mesmo tempo, ter debates intelectuais. Ter liberdade de afirmar quem eu sou."

Em 2020 e 2021, fechou contratos de publicidade com mais de 30 marcas, todas de olho na exposição em suas redes sociais. São mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, metade disso no Twitter e 830 mil assinantes em seu canal no YouTube. Trata-se de um caso pouco comum de influenciadora que combina conteúdo denso (como análises políticas) com variedades (moda, lifestyle, entre outros).

No fim do ano passado, Gabriela lançou "Política É para Todos" (Companhia das Letras). O livro é uma espécie de guia didático para quem quer entender mais sobre o tema. Ela acaba também de estrear uma nova temporada de seu programa na CNN, "À Prioli", que vai ao ar aos sábados, às 23h.

Nesta entrevista a Universa, Gabriela vai além de suas conquistas. Fala sobre relacionamento abusivo, Lei Maria da Penha, violência, a busca por equidade e o relacionamento com a mãe. Confira trechos abaixo.

UOL - Estamos em 2022 e, ainda hoje, a sociedade espera que a mulher cumpra um papel muito limitado. Você foge a várias regras, inclusive a de que mulher bonita não pode ser inteligente e vice-versa. Você se sente cobrada de alguma maneira?

Gabriela Prioli - A sociedade, de maneira mais ou menos lícita, com mais ou menos consciência, espera que a mulher seja a que cuida da casa, dos filhos e do casamento. Se ela conseguir dar conta de tudo e, além disso, for bem-sucedida, tudo bem. Mas, se ela decidir abrir mão dessa parte do cuidado em nome da carreira, a gente já começa a achar ruim. Ou, se ela assumir que partilha funções com o companheiro, a gente também estranha. E esse é um limitador para muitas mulheres. Quando alguém pergunta para você qual é o seu plano para daqui a cinco anos e você, solteira, sem filhos, diz que quer ganhar muito dinheiro para ter uma renda x, para viajar para tais cidades e não inclui nesse plano uma família, você passa por uma megera fria e calculista. E eu acho que não legitimar as nossas ambições é um freio muito grande para que a gente possa crescer. Temos que legitimar essa nossa aspiração por sucesso. Eu faço isso.

Sucesso, para mim, inclui ser bem-sucedida financeiramente, estampar a capa de uma revista de moda, e ao mesmo tempo, ter debates intelectuais. É ter liberdade de afirmar quem eu sou. E eu sou essa pessoa múltipla. Sou exatamente quem eu queria que existisse quando eu era adolescente. Construí para mim o lugar que eu desejava.

UOL - Você já contou algumas vezes ter vivido um relacionamento abusivo. Lembro de você dizer que tinha dificuldade de entender que aquilo era violência porque sempre ouviu que relacionamentos eram difíceis mesmo. Teve um momento em que você virou a chavinha e falou: 'Não, espera, isso aqui não tá legal'?

Foi uma construção. A dinâmica do relacionamento abusivo se aproveita da dinâmica de uma sociedade estruturalmente machista. É comum que a gente passe a vida inteira se questionando: será que eu sou mesmo tão inadequada? Será que eu sou crica? Será que eu sou difícil? Porque toda vez que você se coloca, se você se permite não se encaixar naquele espaço que te foi predeterminado, você sente essa resistência. E cansa! Tem uma hora em que você só quer que alguém goste de você, que te entenda. Você adoraria não ser firme o tempo inteiro. A gente adoraria não ser tão áspera, mas o mundo faz isso com a gente. A gente foi muito contaminada por esse ideal romântico dos relacionamentos, a metade da laranja? E, quando um relacionamento começa, a gente pensa: 'Poxa, agora vai dar certo!'. Só que começa a não dar, e a pessoa instrumentaliza essa exaustão, essa dor de uma vida toda. E, aí, junto disso, as pessoas dizem que relacionamento é difícil. Fica complicado entender bem esse limite.

A advogada saiu de um relacionamento abusivo - Divulgação - Divulgação
A advogada saiu de um relacionamento abusivo
Imagem: Divulgação

UOL - E como você conseguiu desfazer essa dúvida?

Eu tenho uma frase importantíssima que veio da minha estrada dos relacionamentos abusivos. Surgiu em uma relação específica, na qual um namorado me ofendeu. E eu lembro de ter tido isso: 'O problema não foi o que ele falou, o problema foi que eu acreditei'. Eu comecei a acreditar que eu merecia menos, acreditar que eu era uma pessoa difícil. Então eu teria que fazer concessões para ter uma relação. E eu tinha que agradecer se a pessoa estivesse comigo porque eu não merecia nada melhor do que aquilo. Essa relação foi muito difícil para mim. Eu vomitava todos os dias de nervoso. Era uma tensão permanente. Eu vivia num estado deplorável. E chegou uma hora em que eu pensei: 'Cara, se eu não fizer as pazes com quem eu sou e com tudo o que eu vivi, o bom e o ruim, as decisões certas e as decisões erradas, as minhas falhas todas, eu vou viver exausta. E eu vou viver uma existência que eu não quero, porque eu estou triste, eu estou definhando'. Acho que foi esse o momento do clique. Quando você se apropria de quem você é, ninguém te segura.

UOL - E aí você se separou?

Eu morava com esse meu ex, ele saiu e minha família -meu padrasto, minha mãe e meu irmão- foi comigo para a casa onde a gente morava. Tiramos tudo de lá em três horas para eu poder sumir daquele lugar. Quando eu cheguei na casa da minha mãe, com as malas no carro ainda, falei: 'A partir de agora, eu sou invencível!'. E, nessa hora, eu percebi uma coisa que é fundamental: ter o controle da nossa narrativa.

Quando a gente guarda em uns lugares escondidos as nossas falhas, a gente vive apavorado, com medo de alguém descobrir. E a gente fica muito vulnerável. Eu peguei tudo aquilo que era eu e decidi me mostrar daquele jeito. Esse foi meu estalo, depois de muitos anos.

UOL - Vamos falar um pouco de Lei Maria da Penha. Lá se vão 15 anos desde que entrou em vigor. Dá para dizer que a lei promoveu mudanças na sociedade?

Eu acho que sim. É ótimo ter mulheres falando sobre violência, a gente passa a discutir esse assunto, a explorar de que maneira as mulheres são acolhidas pelo sistema. Só que a gente precisaria falar ainda mais. Tem de fato programas de prevenção? A gente tem conscientizado as pessoas sobre os números alarmantes de violência no Brasil? A gente tem falado de uma sociedade estruturalmente machista que coloca as mulheres nessa situação de vulnerabilidade? A gente tem incluído mulheres no sistema legislativo para que de fato consiga garantir a eficácia do que a gente já tem? Tem ampliado a presença de mulheres no sistema judiciário para acolher as mulheres que precisam da lei? Então, esses são os pontos. Não adianta só ter uma lei escrita num papel. A gente precisa mudar tudo e principalmente criar a consciência de que não vai conseguir transformar uma sociedade estruturalmente machista e violenta com as mulheres se pensar só na parte da repressão pela prática do crime. O principal é a gente olhar para a prevenção, porque, quando a gente pensa em repressão, a violência já aconteceu. Aí a gente já perdeu.

UOL - A lei também não parece funcionar igualmente para mulheres brancas e mulheres pretas, ou para mulheres ricas e mulheres empobrecidas. Por quê?

Nenhuma lei funciona igualmente, porque a nossa sociedade é desigual. Formalmente, nós somos todos iguais perante a lei. Materialmente, nós não somos. E aí a gente tem duas alternativas: ou a gente constata isso, se frustra e desiste. Ou a gente pensa: que bom que a gente conseguiu evoluir formalmente, que bom que a gente teve alguns avanços materiais que vão continuar, mas estão longe do ideal. Por isso a gente continua falando, trabalhando? É assim. É constante. Dizer que a gente já evoluiu e reconhecer a Lei Maria da Penha como um avanço, por exemplo, não é dizer que a gente não precisa caminhar mais. É o contrário disso.

Gabriela já vendeu 55 mil exemplares de seu livro sobre política - Divulgação - Divulgação
Gabriela já vendeu 55 mil exemplares de seu livro sobre política
Imagem: Divulgação

UOL - Seu livro trata de assuntos densos com leveza e uma linguagem acessível, generosa com quem lê. Como tem sido a recepção?

O texto foi pensado não para afirmar a minha capacidade intelectual, mas para atingir ouvidos interessados para saber mais sobre aquele tema. Eu não preciso que as pessoas me achem a mulher mais inteligente do mundo. E as pessoas dizem: 'Li o seu livro e parecia que você estava falando comigo. E isso é muito legal!'. Uma coisa que talvez você não saiba é que a gente lançou um livro sobre política no Brasil e, em seis meses, ele vendeu 55 mil exemplares. E olha que interessante: quando mandaram as provas de capa, todas elas eram mais sóbrias. Eu lembro de falar: 'Gente, eu quero uma capa pop, eu sou pop, é isso mesmo, não precisa ter medo'. Aí ele veio colorido. Eu comprei até um sapato para combinar com a capa do livro!

UOL - Para a gente finalizar, eu gostaria de saber quem é a mulher ou quem são as mulheres que te inspiram?

Eu sou muito piegas nessas coisas? Sou muito família. Eu sou bisneta de uma professora, neta de uma cantora lírica. Então imagina que na época de minha avó ela foi cantar. A minha mãe é uma mulher que ficou viúva com 32 anos. E sempre foi taxada como uma pessoa difícil. É uma mulher maravilhosa, que me ensinou que o que importa na vida é de fato o que a gente sente e o que a gente pratica e não o que a gente diz. Então, se eu sou uma mulher de essência e não de aparência, é porque ela é uma mulher de essência e não de aparência. Elas são meus maiores exemplos.

Eu sou completamente alucinada pela minha mãe e sou muito grata porque acho que a principal contribuição dela para a minha existência foi assegurar a minha liberdade de ser quem eu sou, inclusive naquilo que ela não estava pronta para entender. Sobre a minha ambição, uma vez eu perguntei para a minha mãe como ela me percebia quando eu era criança. Ela falou: 'Gabi, desde sempre você foi muito estrategista, se colocava em primeiro lugar. E eu não estava acostumada com isso. O mundo dizia que uma mulher não podia se colocar em primeiro lugar. Então, durante algum tempo, eu me distanciei para não limitar essas suas aspirações e, depois de algum tempo, você me ensinou e a gente evoluiu'.