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Natalia Timerman estreia em Universa: 'Reflexões sobre ser mulher hoje'

Natalia Timerman é psiquiatra e autora do livro "Copo vazio" - Renato Parada
Natalia Timerman é psiquiatra e autora do livro "Copo vazio" Imagem: Renato Parada

Mariana Toledo

Colaboração para Universa

25/03/2022 04h00

"Quero refletir sobre o que é ser mulher hoje, na contemporaneidade, com todas as questões que nos atravessam. Quero conseguir pensar, através da escrita, sobre como é estar no mundo como mulher", afirma a psiquiatra e escritora Natalia Timerman, que estreia uma coluna em Universa.

Entre os temas que ela promete trazer em seus textos estão maternidade, afeto, culpa, carreira, internet e literatura. "A mulher tem que lidar com muitas contradições entre os tempos. Temos conquistas, que já aconteceram e têm que continuar acontecendo, mas ainda trazemos resquícios emocionais de outras eras, de quando a mulher não podia ocupar espaços".

Natalia tem 41 anos, atua como psiquiatra desde 2007. Em 2017, publicou seu primeiro livro, "Desterros" (Editora Elefante, 2017). "Sempre quis escrever. Quando era mais nova e me perguntavam o que eu queria fazer da vida, já dizia escritora.", lembra. Mas, por incentivo dos pais, foi estudar medicina, após ficar em dúvida também entre prestar jornalismo ou letras no vestibular. Na faculdade, pensou em desistir logo no primeiro ano. "Meu pai ficou muito bravo. Decidi seguir em frente, mas eu não gostava, principalmente nos anos iniciais. Estudar matérias como biofísica era terrível pra mim. Eu era a aluna estranha do curso, que ficava lendo livros de literatura no intervalo das aulas", relembra.

Foi só no terceiro ano, durante uma viagem com a faculdade de três semanas no Xingu, no Mato Grosso, que ela se apaixonou pela medicina. "Foi uma experiência transformadora, que me marcou muito. Ali, percebi que a medicina poderia me levar a lugares muito interessantes, no sentido de estar em contato com o outro".

Ao final do curso, ela se decidiu pela psiquiatria. "Realmente me encantei com a área. Não me vejo fazendo outra coisa na medicina. A psiquiatria e a literatura, que eu sempre gostei, têm muitos pontos em comum. A medicina é uma ciência que acontece através da narrativa, e a psiquiatria mais ainda".

Inspiração no consultório

A profissão acabou ajudando muito na criação de histórias. "Por meio da psiquiatria, tenho acesso à complexidade das pessoas, aos segredos, coisas que elas escondem delas mesmas. E isso, para a literatura, é muito rico", conta. Mas rola uma troca interessante também no caminho inverso. "Com a literatura, enriqueço meu olhar como clínica. Ela me proporciona uma sensibilidade a mais. Foi um encontro bem valioso pra mim. Demorou pra acontecer, foram coisas que se chocaram por muito tempo".

Seu primeiro livro vem justamente desse encontro entre medicina e escrita. "Desterros" é resultado de quase uma década de trabalho em um hospital penitenciário. Dessa experiência, surgiu sua tese de mestrado que, mais tarde, virou o livro. "Gosto muito desse livro porque ele está nesse lugar de convergência entre meu trabalho como psiquiatra e como escritora."

Em sua trajetória como escritora, ela ainda publicou a coletânea de contos "Rachaduras" (Editora Quelônio, 2019), obra indicada ao 62º Prêmio Jabuti, e seu primeiro romance, "Copo Vazio" (Editora Todavia, 2021), que figurou entre a lista dos livros mais vendidos do ano. A história gira em torno de Mirela, uma mulher que é vítima de ghosting por parte do homem com quem estava se relacionando. A partir daí, o livro versa sobre a dificuldade de estabelecer relacionamentos afetivos verdadeiros na era dos aplicativos de namoro.

Livro sobre ghosting foi recusado duas vezes

"Copo Vazio" surgiu na Formação de Escritores do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, que Natalia cursou entre 2015 e 2017.

"Comecei a escrever o livro em 2015 e jamais imaginei que ele teria o alcance que teve, nem nos meus melhores sonhos. Foi um longo processo entre a escrita e a publicação. Muita gente leu, ouvi muitas sugestões. Ele foi recusado duas vezes e nas duas eu fiquei muito triste, pensei em desistir"

A princípio, a escritora ficou receosa da sua obra ter sido classificada como 'um livro sobre ghosting'. "Quando comecei a escrever, queria uma história, um livro de literatura. Não era essa a intenção. Eu nem sabia que ghosting tinha esse nome na época que estava escrevendo o livro. Foi muito curioso. Mas depois entendi que, se isso pudesse fazer o livro circular mais e mais pessoas lerem, tudo bem. Hoje, acho que essa fama até o enriquece".

A importância do vazio para criar

Os livros de Natalia levam tempo para serem escritos. "Eles ficam anos sendo gestados. Meu novo livro, por exemplo, começou a ser escrito em 2019. Ficou três anos parado e retomei agora. Na verdade, nem digo que ficou parado. Prefiro dizer que ele estava fermentando", brinca.

Durante o bate-papo com Universa, inclusive, Natalia estava isolada na região da Serra da Mantiqueira, em São Paulo, especialmente para trabalhar na nova publicação. Quando conversamos, ela estava na cidade há três dias, mas contou que ainda não estava, de fato, escrevendo. "Estou lendo, anotando várias coisas e estruturando o que eu quero escrever. Tinha o plano de escrever dez páginas por dia, o que claramente não deu certo. Caiu um raio na casa em que estou hospedada e acabou a luz. Mas acho que esses contratempos fazem parte do texto, acabam entrando nele de alguma forma, por isso não luto contra". A nova obra, ela adianta, vai abordar o luto a partir da morte de seu próprio pai, que faleceu em 2019.

Sobre suas inspirações, Natalia conta que elas podem vir de todo lugar. Especialmente de cenas que vê na rua. "Por isso sou tão crítica em relação ao uso do celular, acho que ele tira muito nossa inspiração. A gente perde esse olhar para o outro, para os lugares". Outras ricas fontes de inspiração são os livros que lê - "Escute as Feras", de Nastassja Martin, é sua mais recente indicação - além de histórias de amigos, de pacientes e de situações do dia a dia.

"Tenho muitas ideias durante o banho. O ponto de partida do livro que estou escrevendo agora, por exemplo, veio no banho. Quando estou na estrada também costumo ter boas ideias. São nesses momentos em que estamos fazendo outras coisas, deixamos o pensamento solto e relaxamos de algum jeito, que as ideias surgem.

Por isso, diz ela, é tão importante não estarmos ocupados o tempo inteiro. "A internet e as redes sociais são temas que muito me interessam e com certeza vão aparecer na minha coluna. Não acho que a humanidade estava pronta para a internet. Ela trouxe muitos avanços, é claro, mas acho que no fim das contas foram mais perdas. É um ralo de tempo e de energia. Ficamos cansados e nem sabemos o porquê. Ela ocupa todos os nossos vazios, e precisamos deles para criar e assimilar as coisas que vivemos e sentimos".

Carreira, maternidade e culpa

Mas momentos de vazio são raros na rotina de Natalia, que se divide entre os atendimentos com psiquiatria e psicoterapia, o doutorado, a escrita e a maternidade, no que chama de uma constante "administração de culpas". Ela explica: "Sinto que sempre estou deixando alguma coisa de lado e vivo me sentindo insuficiente em cada coisa que faço. Quando cumpro uma obrigação, estou deixando de fazer todas as outras. Mas é o jeito que encontrei de organizar algo que, em mim, é muito caótico."

Ela ainda precisa conciliar com o doutorado que estou fazendo e com a maternidade. "Meu companheiro é um grande parceiro, fica muito com as crianças. Ele trabalha como professor, tem um dia a dia mais tranquilo. Mas é muito comum eu escrever com criança gritando de fundo". Natalia é doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo com uma pesquisa sobre Elena Ferrante e Karl Ove Knausgård. E é mãe de dois filhos - de 11 e 4 anos - e tem também um enteado de 15.

É uma rotina cansativa mas Natalia garante que tudo isso a ajuda a lidar com suas inquietações."Tenho pouco tempo livre e mesmo assim me sinto culpada de tirar um fim de semana para descansar, por exemplo. Sempre acho que não vou dar conta de tudo o que tenho pra fazer. Boa parte da minha semana é ocupada pelos atendimentos, ainda é o que me sustenta financeiramente. E eu gosto de atender, é um contraponto à solidão da escrita. Acho importante escutar outras pessoas, ter esse contato. Mas gostaria de diminuir o ritmo".

Apesar da correria, ela é feliz com a rotina que leva. "Hoje, preciso de todas essas coisas para me sentir realizada". E olha com otimismo para o futuro: "Esses dias, ouvi o Caetano Veloso dizer que sua esperança é seu compromisso com a mudança e com a luta. E é isso que eu sinto. Não posso me dar ao luxo de não ter esperança. Se eu fizer isso, vou deixar de me mobilizar para um mundo melhor. A humanidade está em um momento muito crítico - crise climática, pandemia, desigualdade, guerras - mas não me permito não ter esperança. Eu tenho filhos, afinal. Quero um mundo melhor para eles. Quero que o mundo continue existindo para eles".