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Gordofobia no pornô: atrizes relatam ofensas, preconceito e descaso

A atriz Ágatha Ludovino - Reprodução/Instagram
A atriz Ágatha Ludovino Imagem: Reprodução/Instagram

Júlia Flores

De Universa

24/05/2021 04h00

Em 2019, Ágatha Ludovino abandonou o trabalho como body piercer para seguir carreira no pornô. "Era o meu sonho", relata a atriz de 21 anos. O que ela não imaginava naquela época, porém, é que enfrentaria preconceito, ofensas e descaso profissional na indústria da pornografia.

O primeiro ataque, segundo ela, aconteceu em 2019, durante uma viagem para litoral de São Paulo, quando Ágatha gravaria cenas para o site de conteúdo erótico XVideos. Em entrevista para Universa, a atriz afirma ter sofrido ataques gordofóbicos do diretor da produtora HardBrazil, Fábio Silva. "Ele disse para eu emagrecer caso contrário nunca teria sucesso. Disse que não conseguiria nada por causa do meu peso, do meu rosto. Me chamou de feia", conta.

Atualmente, Ágatha tem mais de 270 mil seguidores no Instagram e perfis em diversos canais de conteúdo adulto, como OnlyFans, Porn HUB e XVideos. Além disso, Ludovino já atuou em mais de 20 filmes adultos, e agora planeja tirar do papel o sonho de produzir o seu primeiro longa profissional.

"Quando lançaram o meu primeiro filme, 'Meu Novo Vizinho', a produção foi a mais vista do Sexy Hot, em 2019, levando em conta as visualizações pagas", orgulha-se Ágatha, que ri e completa: "E olha que eu estava bem mais gorda do que agora".

Ágatha é uma das atrizes pornô gordas mais famosas do Brasil, mas não é a única. Universa conversou com outras profissionais do mercado erótico para tentar descobrir se a falta de diversidade na indústria pornográfica nacional é culpa do público, das produtoras ou da escassez de elenco.

"Já fui xingada de tudo. Se me ofendesse, teria desistido"

A atriz Turbinada diz ser vítima constante de ataques gordofóbicos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A atriz Turbinada diz ser vítima constante de ataques gordofóbicos
Imagem: Arquivo pessoal

Com quase 50 mil seguidores no Twitter, a atriz conhecida no meio pornô como "Turbinada" está no mercado de conteúdo adulto há 8 anos. Apesar disso, ela soma no dedo as vezes em que recebeu o convite de produtoras da indústria tradicional para gravar filmes.

Chegam até mim através das redes sociais, entram em contato, mandam mensagem, mas depois que eu envio fotos, eles nunca mais me respondem

Por isso, Turbinada sobrevive da produção de conteúdo amador para o OnlyFans e para o site Câmera Prive. Apesar de ter um público fiel nesses canais, a camgirl diz que ataques gordofóbicos são comuns em lives abertas ao público. "Os haters acabam comigo. Já fui xingada de tudo. Dizem que eu deveria ter vergonha, que sou gorda, sou horrorosa. Se eu me ofendesse, já teria desistido."

Assim como Turbinada, Ágatha Ludovino também é vitima de ofensas constantes, principalmente nas redes sociais.

Tento ignorar os ataques, mas têm dias que fica pesado. Deus sabe o quanto eu já chorei, é uma coisa que dói. Quero que esses haters me engulam, quero que eles vejam que tenho um público que gosta do que eu faço, tenho fãs

Mesmo com os constantes ataques de ódios, Ágatha e Turbinada ressaltam que existe uma alta demanda do mercado para filmes pornôs protagonizados por mulheres gordas e que, fora os insultos de parte do público, produções na categoria BBW (Big Beatiful Woman, mulheres grandes bonitas, em português) costumam render altas audiências.

"O público fã de BBW é muito grande. Eles compram sim, e eu sou a prova disso. Tem muitas garotas padrão que não têm o que eu tenho de seguidores em sites pornô. O problema é que as produtoras brasileiras acham que o conteúdo não vai vender, não vai gerar lucro", critica Turbinada.

Ágatha aponta ainda o descaso das produtoras durante gravações. "Eles têm preguiça de pegar um ângulo legal, de querer fazer um trabalho diferente, selecionar uma roupa bonita. A primeira coisa que fazem quando gravam com uma gorda é um trabalho de qualquer jeito. Tudo tem que ser relacionado à comida e ao peso da pessoa, como se a nossa vida fosse resumida a ser gorda. Isso sem falar nas tags e nos títulos ofensivos", desabafa a atriz.

A atriz conta que, no Carnaval de 2020, chegou a entrar em contato com a produtora Brasileirinhas para integrar o casting de uma produção temática. Segundo Ágatha, a atriz que seria a responsável pela escolha do elenco, ao receber o material de divulgação, proferiu ofensas e ataques pessoais a ela.

"Sites brasileiros não compram filmes com gordas", diz produtora

A Made in Brazil é uma das únicas empresas de conteúdo adulto do Brasil que grava filmes BBW. De acordo com a produtora Rayssa Garcia, a falta de diversidade no pornô brasileiro vem de diversos fatores. "Os sites brasileiros não compram filmes com mulheres gordas. Comecei a produzir BBW recentemente, porque encontrei um cliente no exterior", diz Rayssa. "As empresas daqui deixam elas de fora, acham que não é sensual, dizem que não tem atrizes bonitas. No fundo, é tudo culpa do machismo".

A gordofobia é comum também entre os próprios atores pornô, afirma Rayssa. A produtora revela que apenas um dos funcionários da Made In Brazil aceita gravar com mulheres gordas. "Eu tenho uma produtora de casting que trabalha com gordas e é uma produtora de um ator só. Os outros caras falam: 'Nossa, eu não aguento, não topo'".

Ágatha tem experiências pessoais que vão ao encontro do relato de Rayssa.

Já senti que alguns homens ficam desconfortáveis no set comigo. Dizem: 'Eu até que gosto de mulher do seu tamanho', mas dá pra perceber o incomodo. Eles falam que é porque não tem ângulo, fica difícil de fazer algumas posições por conta do peso. Arranjam desculpas

Turbinada conta que também foi vítima de preconceito por parte de um colega, que chegou a tentar extorqui-la. "Ele era do Rio de Janeiro e veio gravar cenas comigo em São Paulo. Eu paguei tudo para ele, comida, diária do motel, etc. Gravamos as imagens. No pornô existe uma coisa chamada 'troca de cena', que é quando cada ator fica com uma parte da gravação. Nesse sistema, ninguém paga nada pra ninguém, mas mesmo assim dei R$ 1.000 para ele, porque o vídeo foi um sucesso", recorda. "Depois, ele começou a pedir mais dinheiro e eu recusei. Foi quando ele começou a me xingar, me chamou de gorda, falou que meu corpo era horrível, disse que minha bunda era feia, me humilhou. Chorei tanto..."

A atriz preferiu não revelar a identidade do autor das ofensas, mas a história foi confirmada pela própria Rayssa, responsável por produzir o primeiro filme do pornô tradicional da carreira de Turbinada, no ano passado. Hoje, ela afirma que outras atrizes gordas têm medo de trabalhar.

Elas sentem medo de como o ator com quem vão contracenar vai receber a oferta. Os caras podem pensar: 'Ai que saco gravar com essa menina. Que nojo'. Acham que somos sujas por sermos gordas, não querem aparecer do nosso lado, só com menina padrão, peitudas e bundudas

Como quebrar o ciclo

Para as três entrevistadas, não existe apenas uma explicação para a gordofobia no pornô. Porém, a principal responsável por mudar esse cenário é a própria indústria. Na opinião de Ludovino, "se as produtoras passarem a criar conteúdos legais, o público vai se acostumar. Você tem que educar o público. Tudo é um começo. A indústria precisa tratar isso como algo comum, ter diversidade é importante".

Enquanto a diversidade não chega, mulheres gordas precisam lutar diariamente contra ofensas e ataques à aparência, além de ameaças pessoais. Ágatha diz que, na época em que tornou público a ofensa que recebeu do diretor Fábio Silva, ele teria contratado pessoas para denunciarem o perfil da atriz no Instagram, que saiu do ar por alguns dias.

Mesmo com tantos desafios, Ágatha não se arrepende da escolha profissional. Ela diz: "Acho que todo mundo que me conhece sabe o quanto eu luto para a indústria mudar. Precisamos quebrar os padrões, existe até um padrão para a 'gorda bonita', que é a mulher trabalhada na lipo, com braço reto, sem dobrinha, nada esparramado. Não dá". Turbinada, por outro lado, não é tão otimista com relação ao futuro. "A gordofobia existe e a gente luta contra ela. Não vou desistir, se for incomodo, vou incomodar mesmo. Mas não acho que o corpo gordo vai ser naturalizado tão cedo. Ainda vamos sofrer por um bom tempo com isso".

O que diz o outro lado

Contatado por Universa, Clayton Nunes, diretor da Brasileirinhas, negou ter conhecimento dos comentários feitos a Agatha. "Não nos envolvemos em briga de atrizes. Essa atriz nunca foi parte da Brasileirinhas, é apenas uma a mais entre mais de mil garotas."

Ao ser questionado sobre a falta de diversidade nas produções nacionais, Clayton disse ter "todos os tipos de meninas no casting da Brasileirinhas... gordas bonitas, magras bonitas, coroas bonitas, ninfetas bonitas" e completou: "Só não temos barraqueiras bonitas".

O diretor da Hard Brazil, Fábio Silva, também negou ter feito comentários gordofóbicos a Ágatha e afirma "repugnar esse tipo de atitude".