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Sem autorização, usuários de app de paquera usam lives para expôr matches

Na Twitch, plataforma para streaming, usuários fazem transmissões de matchs no Tinder sem o consentimento da outra pessoa - Reprodução
Na Twitch, plataforma para streaming, usuários fazem transmissões de matchs no Tinder sem o consentimento da outra pessoa Imagem: Reprodução

Nathália Geraldo

De Universa

17/05/2021 04h00

Em uma noite de abril, a estudante de cursinho Juliana Sayuri, 20 anos, deu match no Tinder com um jovem de 23 anos. A prática tão comum, no entanto, expôs Juliana a uma situação que ela sequer sabia que estava acontecendo: o "match" foi compartilhado ao vivo e a conversa entre os dois no canal na homem, que é gamer, na Twitch - plataforma conhecida pela transmissão de jogos, shows e de entretenimento, em formato de vídeo.

Juliana procurou Universa depois de ter descoberto a exposição de seu perfil, com fotos, primeiro nome, idade e descrição no Tinder, na Twitch. Ela não assistia à live, mas recebeu a informação, no dia seguinte a transmissão, de um ex-namorado que acompanhava o conteúdo. A estudante foi falar direto com o usuário que compartilhou seus dados e mensagens privadas com os seguidores na plataforma. Ele ironizou: "O interesse é real. Além de você ter feito um sucessaso (sic)".

O caso de Juliana não é isolado. Universa buscou pela palavra "Tinder" dentro da Twitch, e encontrou vídeos de homens e mulheres, principalmente fora do Brasil, interagindo com os pretendentes para que o público assista. A conduta, polêmica, desperta um alerta: é difícil que as vítimas desse tipo de divulgação sem consentimento consigam flagrar a ação, por sequer saberem que estão sendo divulgadas na plataforma de streaming.

Entenda o que pode ser feito nesses casos.

Streaming de aplicativo de relacionamento na Twitch

print - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Print da transmissão do app de paquera na Twitch; tela foi enviada para estudante como prova de que ela estava sendo exposta pelo usuário da plataforma
Imagem: Arquivo pessoal

"Quem viu foi meu ex. Imagina se fosse algum familiar? E o que acho curioso é que tinha gente assistindo e ninguém denunciando", comenta a estudante. "Vejo que foi uma forma de machismo, ao usar a questão da minha sexualidade e de outras mulheres para fazer uma chacota para esse tipo de comunidade. Querer fazer 'sucesso' com as mulheres para esse tipo de cara é um sinal disso. Ficar no lugar do 'pegador', nos objetificando".

Apesar de ser trabalhoso identificar quando uma pessoa está divulgando a conversa do Tinder em uma transmissão, inclusive porque os vídeos podem não ficar salvos, alguns usuários no Twitter já escreveram sobre o comportamento sendo aplicado por homens.

Segundo Juliana, foram poucas mensagens trocadas com o streamer. O papo começou com ela enviando um vídeo de bichinhos para ele, já que na descrição do perfil dele no app de relacionamento ele dizia que "buscava serotonina". O flerte seguiu de forma engraçada, conta Juliana. Para outra usuária, exposta como nutricionista pelo streamer, ele perguntou: "Pode me responder se você está na minha dieta?".

Plataformas não se posicionam

Juliana denunciou o canal à Twitch. Universa pediu um posicionamento para a plataforma sobre o caso, se há levantamento de outros episódios e quais são as diretrizes de privacidade para os usuários, mas a empresa disse que não se pronunciaria sobre o tema. Oficialmente, na área de Diretrizes da Comunidade, a empresa diz que "é proibido compartilhar, sem autorização, conteúdos que possam revelar informações pessoais sobre indivíduos ou sobre suas propriedades privadas."

Depois que Juliana abordou o contato do Tinder para falar sobre a sessão de streaming, ela o bloqueou do Tinder e pediu para que amigas ajudassem a denunciar a conta dele no aplicativo. Segundo ela, o perfil foi suspenso.

A reportagem entrou no perfil do usuário na Twitch na tarde de sexta-feira (14) e ele permanecia no ar, com 11 mil seguidores no canal. Entramos em contato com ele por e-mail na quinta-feira, dando espaço para posicionamento sobre o caso, mas o jovem não respondeu à mensagem. O Tinder também não se manifestou em relação ao pedido de posicionamento para esta matéria. Juliana contou que não fez boletim de ocorrência do caso com medo de ser rechaçada na delegacia.

Mulheres podem procurar registrar exposição

A advogada especialista em direitos das mulheres Andressa Cardoso explica que é recomendado que a vítima de exposição denuncie o conteúdo, quando identificado (e com prints da tela ou com URL do site), para as próprias plataformas e busque orientação na Safernet, que atua na defesa dos direitos humanos na internet. "Ela pode pedir que esse conteúdo seja retirado do ar. E isso a própria plataforma pode fazer".

Se houver registros de que a exposição aconteceu, também é possível ir à delegacia, na companhia de um advogado, para registrar queixa-crime. O autor da divulgação das imagens e dos dados sem consentimento poderá responder por difamação por ter exposto a vítima na internet perante outras pessoas, sem consentimento.

Para Andressa, a prática na Twitch não é meramente uma brincadeira e, infelizmente, não é a única que objetifica mulheres para entretenimento alheio na internet. "É mais um conteúdo que demonstra que o homem acha que tem propriedade sobre nossos corpos."