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"Nosso bebê me motiva a seguir", diz pai que perdeu esposa para a covid-19

Cairo Avelino e Luana Gurgel montaram juntos todo o enxoval do filho, Bento - Arquivo pessoal
Cairo Avelino e Luana Gurgel montaram juntos todo o enxoval do filho, Bento Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Gonzalez e Nathália Geraldo

De Universa, em São Paulo

20/03/2021 04h00

Como todo pai de primeira viagem, Cairo Yuri Avelino, de 24 anos, se divide entre fraldas, mamadeiras e cuidados com o pequeno Bento, de menos de um mês — a diferença, neste caso, é que as funções de pai ajudam a "ocupar sua mente" e afastar a tristeza pela ausência da esposa, Luana Gurgel, que morreu em decorrência da covid-19 logo depois de dar à luz.

"É o Bento que está ocupando minha mente, meu tempo, para que eu não fique ainda mais triste. Sempre fico lembrando da Luana, principalmente de madrugada, quando ele está dormindo, mas quando estou com ele acabo me alegrando", conta, para Universa. "Ele me mantém motivado. Se eu não estiver bem física e psicologicamente para cuidar dele, quem vai?".

No último dia 26, no hospital materno infantil de Imperatriz (MA). O bebê precisou ser retirado da barriga da mãe com 33 semanas de gestação, quando o estado de saúde de Luana se agravou e ela precisou ser intubada. A jovem estava com 50% dos pulmões comprometidos e morreu após uma parada cardiorrespiratória.

O bebê, que nasceu prematuro e não foi infectado pela covid-19, teve alta há duas semanas. Pai e filho moram na casa da família de Luana, onde o quarto de Bento e o enxoval foram montados pelos pais durante a gestação.

Cairo, que é estudante de jornalismo e trabalhava na padaria da família de Luana, trancou o curso (que pretende retomar no próximo semestre) e está se dedicando 24 horas aos cuidados com Bento, que está bem de saúde, mas ainda precisa ganhar peso.

"Acho que estou me saindo muito bem como pai", diz. "Mas é uma experiência completamente diferente do que eu imaginava, era para eu estar compartilhando esse momento com a Luana, mas não deixa de ser um amor muito grande. Quando estou perto do Bento, tento não transmitir a ele minha tristeza.

"Imagino ela do meu lado, segurando nosso filho no colo"

Cairo e Luana estavam juntos há um ano e três meses, e faziam planos para a família que começava a se formar.

"A gente acompanhava influenciadoras, canais no YouTube, via vídeos de parto — ela queria muito ter um parto normal. Pesquisávamos tudo sobre gestação, pós-parto, cuidados com o bebê, e sempre falávamos de dividir todas as tarefas, revezar as madrugadas com ele", lembra. "A gente via outras famílias e se imaginava sentindo a mesma felicidade".

"A hora de dar leite para ele é sempre emocionante. Fico olhando o rostinho dele e sempre alguma expressão me lembra a Luana. Fico imaginando como se ela estivesse do meu lado, com ele no colo, amamentando, e me emociono bastante".

Cairo faz questão que Bento cresça com a memória de Luana, e pretende dividir com o menino histórias que viveu com a companheira. Além disso, ele espera ter com o filho uma relação de amizade e de apoio.

Cairo dando leite para o filho Bento. A mãe do bebê morreu de covid logo após ao parto - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Cairo diz que sempre se emociona na hora de dar leite. " Sempre tem alguma expressão dele que me lembra a Luana".
Imagem: arquivo pessoal

"Bento é o resultado de uma história de amor — a gente sempre dizia isso durante a gestação, e é importante que ele saiba", lembra. "Quero contar a ele histórias que eu e Luana vivemos juntos, mostrar fotos, cartas, e que ele saiba que teve uma mãe que o amou muito, ainda dentro da barriga".

"A minha mãe é a pessoa que eu mais amo na vida, imagina um filho crescer sem a mãe? Não deve ser nada fácil, e quero que o Bento encontre em mim todo o apoio necessário. Meu pai não foi presente, então quero ser para ele o que eu não tive na infância".

"Falei com Deus e o mundo para conseguir uma vaga na UTI"

Em entrevista concedida ao UOL ainda em fevereiro, Cairo Avelino contou que Luana apresentou mal-estar e dor de cabeça, sintomas de covid-19, no dia 15 daquele mês. Com o passar dos dias, teve febre, tosse e falta de ar. Voltou ao hospital, mas o teste rápido para detectar o vírus deu negativo e ela foi mandada para casa. A família decidiu pagar um teste de laboratório e o resultado foi positivo.

Uma semana depois dos primeiros sintomas, o quadro piorou e Luana voltou ao hospital. Desta vez, ela foi internada em um leito clínico em uma enfermaria para pacientes com covid-19. O estado de saúde se agravou e ela precisou ser intubada, mas antes foi necessário realizar uma cesárea de emergência para retirar o bebê.

Cairo contou que Luana chegou a perguntar, por meio de gestos, como estava o filho.

"Falei com Deus e o mundo para conseguir uma vaga em um leito de UTI para Luana em São Luís, pois todos os hospitais estão lotados, mas a ajuda chegou tarde demais", disse ele.

Com o surgimento da vaga na UTI do próprio hospital em Imperatriz, o parto foi realizado às 6h do dia 26 de fevereiro. "Na madrugada do sábado (27), às 4h, recebi uma ligação para ir ao hospital. Cheguei às 4h45 e me deram a notícia que ela veio a óbito. Acredito que se ela tivesse sido transferida em estado menos grave poderia ter resistido".

Três semanas depois da morte da esposa, Cairo pede que as pessoas não banalizem a pandemia e a gravidade da doença:

"Não quero que as pessoas levem a covid-19 a sério só depois de perder alguém que ama. Essa pandemia vai ficar para sempre marcada na minha vida, na vida do Bento e das quase 300 mil famílias que perderam alguém nesse momento cruel".