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Há 50 anos, feministas pararam final do Miss Mundo com nuvem de farinha

Protesto começou quando o apresentador comparou as misses a "bezerras" e chamou concurso de "mercado de gado" - iStock
Protesto começou quando o apresentador comparou as misses a "bezerras" e chamou concurso de "mercado de gado" Imagem: iStock

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

24/11/2020 20h26

Os concursos de miss têm se tornado mais inclusivos nos últimos anos — coroando mulheres negras e mulheres trans, por exemplo — mas ainda são questionados por movimentos de igualdade de gênero, afinal, premiam mulheres com base apenas na aparência física.

Esse é um debate antigo. E prova disso é que, há 50 anos, em novembro de 1970, um grupo de feministas parou a final do Miss Mundo, no Riyal Albert Hall, em Londres, com um protesto histórico, envolvendo bombas caseiras de farinha. Agora, seis integrantes do grupo decidiram contar sua própria história, no livro "Misbehaving: Stories of the Protest Against the Miss World Contest and the Beauty Industry", ainda não disponível em português. Saiba mais sobre o protesto abaixo:

Tudo começou quando o apresentador Bob Hope chamou o concurso de "mercado de gado", se referiu às concorrentes como "bezerras" e, por fim, literalmente mugiu no microfone. Naquele momento, Hope foi atingido por um objeto branco, depois outro, e outro, que voaram diretamente do palco e formaram uma nuvem de fumaça branca de farinha sobre o palco.

Não somos feias! Não somos lindas! Estamos com raiva!", começou a entoar o grupo de cerca de 60 mulheres, que se infiltraram no evento para protestar.

Jenny Fortune, uma das manifestantes, hoje com 71 anos, contou ao jornal britânico The Independent que não imaginava que o protesto terminaria com o grupo, o Movimento de Libertação das Mulheres da Grã-Bretanha, sendo escoltado pela polícia. Mas ela e as colegas passaram a noite de 20 de novembro de 1970 em uma cela.

Infiltradas

Segundo o veículo britânico, as 60 mulheres compraram ingressos para o evento e entraram pela porta da frente, como os outros espectadores, mas usando roupas emprestadas de amigas ou garimpadas em brechós.

"Era um evento muito glamoroso, foi ridículo termos conseguido entrar com as roupas que usávamos. Eu estava usando um casaco afegão velho e surrado e me espremi em um vestido de veludo roxo emprestado, que era vários tamanhos menor", lembra Jenny.

Uma das manifestantes, Sarah Wilson, entrou no Royal Albert Hall carregando, além das bombas caseiras, um chocalho, que foi usado para avisar às companheiras espalhadas pela plateia sobre o início do ato.

O momento exato do bombardeio não foi previamente combinado; a ideia era que Sarah encontrasse a brecha ao longo do evento — e não teve dúvidas em balançar o chocalho quando o apresentador mugiu e chamou as misses de bezerras.

Depois que a fumaça de farinha baixou e as manifestantes foram retiradas do local por policiais, o evento seguiu e Bob Hope retomou a apresentação, dizendo: "Qualquer pessoa que queira interromper algo tão bonito deve estar usando algum tipo de droga".

Apesar de não ter interrompido definitivamente a apresentação, o protesto foi manchete em jornais e rendeu uma segunda manifestação, no dia seguinte, do lado de fora do Royal Albert Hall.

Naquele ano, uma mulher negra foi eleita Miss Mundo pela primeira vez: Jennifer Hosten, de 23, representando Grenada. E, 14 anos após os protestos, a BBC parou de transmitir o concurso ao vivo.

Jennifer Hosten - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Jennifer Hosten foi a vencedora do Miss Mundo em 1970, representando Granada
Imagem: Reprodução/Instagram

Jennifer Hosten - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Jennifer Hosten hoje, aos 71
Imagem: Reprodução/Instagram

"Misbehavior", filme estrelado por Kiera Knightly, foi lançado no início de 2020 recria as cenas do protesto de 1970.

Agora, Jenny e outras cinco integrantes do grupo que jogou bombas sobre Bob Hope decidiram contar sua própria história, na coleção de ensaios "Misbehaving: Stories of the Protest Against the Miss World Contest and the Beauty Industry", ainda não disponível em português.

"Muito foi feito sobre isso, mas nós nunca ficamos felizes. Então pensamos que deveríamos escrever essa história como realmente aconteceu. A menos que você estivesse lá, não entende como foi. Queríamos esclarecer as coisas", afirma.