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Professora diagnosticada com autismo tardiamente: "Médicos me ignoravam"

Luciana Viegas - Arquivo pessoal
Luciana Viegas Imagem: Arquivo pessoal

Simone Machado

Colaboração para Universa

08/10/2020 04h00

Por mais de uma década, a professora Luciana Viegas, de 27 anos, foi diagnosticada com bipolaridade, ansiedade e depressão. O diagnóstico preciso só viria após seu filho, hoje com três anos, ser identificado como autista, em 2018. Foi quando ela descobriu que, assim como o filho, também era autista.

Luciana relata que, durante a infância e a adolescência, sofreu por não ter tido o diagnóstico correto. E conta que as dificuldades para assimilar alguns conteúdos da escola, o comportamento às vezes agressivo e, principalmente, os problemas de interação com outras pessoas a fizeram tentar o suicídio cinco vezes.

"Eu sempre fui muito quieta e não conseguia interagir. Na escola, lembro que eu elegia uma pessoa para ser meu amigo e só falava com ela. Eu achava que o meu jeito era errado e, por isso, tentava imitar as outras pessoas, para ser igual a elas. Mas isso me causava incomodo. Eu achava que não era uma pessoa boa e por isso tentava tirar a minha vida", diz.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve características como dificuldade de comunicação e de socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo. Apesar de não ter cura, especialistas apontam que quanto antes for diagnosticado, melhor.

Ao procurar ajuda de psicólogos e médicos, a pedagoga relata que recebeu diversos diagnósticos e foi medicada com antidepressivos. Sem resultado.

"Nenhum tratamento tinha efeito para mim. Acredito que, por eu ser mulher e negra, muitos médicos sequer prestavam atenção nos meus sintomas e no que eu falava. Tive um médico que chegou a falar que eu não tinha nada e estava inventando os sintomas", diz a professora.

Barulhos e exaustão

Por não ter tido um diagnóstico precoce, a professora relata que enfrentou muitas dificuldades, principalmente nos estudos. Com restrições para entender os textos e conteúdo das provas, ela prestou vestibular por dois anos e foi reprovada. Apenas ao tentar ingressar em uma universidade particular, conseguiu a aprovação.

"Eu sempre tive o sonho de fazer uma faculdade pública e, por isso, estudava muito. Mas eu não tinha a noção de que todo esse esforço na verdade me fazia mal. Eu já estava desistindo de fazer uma faculdade, quando minha mãe fez a minha inscrição no Sisu sem eu saber", conta Luciana.

Após a aprovação, os desafios continuaram. Morando em Várzea Paulista e estudando na cidade de São Paulo, Luciana enfrentava duas horas de trem todos os dias para chegar até a faculdade. Os barulhos e os estímulos do ambiente a deixavam exausta, mas ela não entendia o motivo.

"O barulho descompassado e a grande movimentação de pessoas faziam com que eu fosse estimulada o tempo todo. Então, quando eu chegava na faculdade, já estava em total sobrecarga. Por isso, eu dormia nas aulas e não conseguia render o que eu esperava."

Com todo o esforço necessário para se concentrar e prestar atenção nas explicações dos professores, Luciana conseguiu se formar em pedagogia. Mas, ao ingressar no mercado de trabalho, mais uma vez enfrentou diversas dificuldades.

Trabalhando oito horas por dia, a professora sentia que não conseguia ter o mesmo desempenho dos colegas de trabalho.

"Como eu não tinha um diagnóstico correto, eu não entendia o que acontecia comigo nem os meus limites. Nas primeiras horas do trabalho, eu rendia. Mas precisava dormir no horário de almoço, para tirar um pouco a sobrecarga, porque eu ficava muito exausta", relata.

Em busca de um diagnóstico

Quando o filho de Luciana tinha um ano e cinco meses, a família e as professoras perceberam que o menino tinha dificuldade para se enturmar com outras crianças, além de problemas na fala. Ele foi encaminhado para uma equipe multiprofissional com psicólogos e psicoterapeutas e recebeu o diagnóstico de autismo.

Após o diagnóstico do filho, o neurologista que acompanhava a mãe começou a desconfiar que ela também tivesse a condição, já que alguns sintomas, como a dificuldade de concentração, eram os mesmos. A mãe então consultou diversos profissionais, como neurologista e psicólogo, até chegar ao mesmo resultado.

Luciana, hoje, conta que, após o diagnóstico de autismo, passou a entender seus limites e a encarar suas limitações com leveza.

"Eu me julgava por não dar conta de tudo ao mesmo tempo como outras mulheres. Mas, hoje, eu sei até onde posso ir, entendo que eu tenho o meu tempo, preciso do meu descanso e que o silêncio me faz bem. Então, vou fazendo uma atividade por vez e respeitando os meus limites."

Pandemia redobrou os trabalhos da professora

Luciana conta que a sobrecarga sensorial que sente, devido ao autismo, aumentou durante a pandemia do novo coronavírus. Ministrando aulas online, ela diz que também passou a oferecer cursos de libras (em que também tem formação) e de práticas inclusivas em sala de aula para outros professores para complementar a renda familiar —já que seu marido atua como motorista de aplicativo e também teve o trabalho afetado pela pandemia.

Além disso, trabalhando de casa, as atividades do lar e o cuidado com os filhos também passaram a exigir mais da professora.

"Eu não dou conta de cuidar de tudo. Mas tenho meu marido que me ajuda com as crianças e com os afazeres. Ele entende o meu tempo e me apoia em tudo", diz.

Luciana é casada há quatro anos e tem dois filhos: um menino de três anos, que também é autista, e uma menina de dois anos.

Vidas Negras com Deficiência

Por ser mulher, negra e autista, Luciana diz que já sofreu muito preconceito.

"As pessoas me tratam como se eu não tivesse autonomia para tomar decisões e como se eu não fosse capaz de algo por causa da minha condição", afirma.

Para mudar a situação, a pedagoga passou a fazer parte de projetos de luta contra o preconceito que a ajudaram no processo de autoaceitação e entendimento de seu transtorno.

Além disso, ela também trabalha no projeto Vidas Negras com Deficiência Importam, inspirado no movimento Black Lives Matter, e usa as redes sociais para inspirar outras pessoas.

Em lives e bate-papos, Luciana conversa com mulheres e relata suas experiências, mostrando que é possível superar as dificuldades e também que é necessário as pessoas olharem com mais atenção para as pessoas com deficiência.

"Meu objetivo é dar voz a outras pessoas e mostrar que todos somos capazes. Não somos nós, deficientes, negros, que não nos encaixamos na sociedade. É a sociedade que não quer que a gente se encaixe nela. E isso precisa mudar."