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"Não queremos só dor, também falamos de amor", dizem Tia Má e Cris Guterres

Tia Má e Cris Guterres, novas colunistas do UOL - UOL
Tia Má e Cris Guterres, novas colunistas do UOL Imagem: UOL

Cris Guterres

Colunista de Universa

07/07/2020 04h00

Bastaram alguns minutos de conversa para que eu e Maíra Azevedo, a Tia Má, nos descobríssemos mulheres com histórias de vida parecidas e vivendo momentos semelhantes. Ambas negras e comunicadoras rompendo a máscara do silêncio, expressão muito bem cunhada por Conceição Evaristo para exemplificar a possibilidade que nós, mulheres negras, temos de buscar nossa humanidade através de nossa fala.

A convite de Universa, que passa a nos acolher como colunistas, queremos, por meio dessa conversa, mostrar quem somos.

Falei para Maíra dos exercícios que vinha me propondo para me definir além do que eu faço profissionalmente. Antes mesmo que eu terminasse, ela completou minha fala com suas reflexões. Me falou do quanto se sentia agredida por ter que trazer suas credenciais para provar que era importante, por ter que exemplificar suas falas demonstrando que tinha lido este ou aquele escritor para ter reconhecida sua intelectualidade.

"Eu sempre digo que sou uma junção das pessoas que vieram antes de mim. Eu sou Maíra Azevedo, Maroca, filha de Miralva e Evangivaldo, Neta de Bia, irmã de Érica, mãe de Alade e mãe de Ayana que agora está no meu ventre. O que eu faço é consequência da trajetória de meus ancestrais. Se eu sou uma jornalista é porque eu tive muitas pessoas que lutaram pra que eu estivesse aqui", me disse ela ao se apresentar.

Seguindo o mesmo ritual de saudação de minha ancestralidade eu digo que sou Cristiane, filha de Eleni e Manoel. Aliás, esta conversa inicial com Maíra me fez lembrar da intelectual Lélia Gonzalez e da importância de se apresentar com nome e sobrenome, pra que o racismo não nos coloque qualquer nome. Eu sempre digo que sou Cristiane Guterres, ou melhor Cris Guterres.

Me sinto mais à vontade sendo chamada de Cris. Na verdade, pouquíssimas pessoas me chamam de Cristiane, uma delas foi meu pai. Um homem todo amoroso, mas que, na hora da bronca, me causava frio na espinha com um grito seco e direto, Cristianeeeeeee.

Quando Maíra me falou de suas expectativas para a coluna eu logo me senti acolhida em sua fala. Parecia que ela havia descoberto alguns dos meus anseios. "Quando a gente é uma mulher preta e ocupa um espaço privilegiado, porque a comunicação é um espaço de privilégio e de poder, a gente representa até quem não quer ser representado por nós. A minha expectativa com esta coluna é que outras mulheres, que tenham a cara igual a minha me olhem e se reconheçam. Eu quero que muitas mulheres negras olhem pra mim e saibam que eu estou falando por um coletivo fazendo uma fala que represente um pouco mais do que as mulheres negras são. Porque nós, mulheres negras, somos diversas."

Eu também desejo que outras mulheres leiam e sintam-se contempladas com minhas palavras. Quero produzir algo que sempre quis ler quando fui uma jovem consumidora de revistas e programas de TV que nunca me enxergaram, nunca escreveram ou criaram um projeto pensando numa mulher como eu.

Maíra e eu, então, nos encontramos na maternidade. Maíra está no sexto mês de gravidez de Ayana e eu no puerpério de um processo lindo de adoção que a cada dia me torna ainda mais intensa. Conversamos sobre o desejo que temos para os nossos filhos e os medos que vivemos quando pensamos nos desafios que eles enfrentarão.

Maíra me confessou que seu primeiro texto em Universa é uma carta para sua filha que nascerá em setembro e que pretende escrever muito sobre maternidade. Aliás, em suas redes sociais, tem tentado ao máximo humanizar a maternidade em suas redes. Mostra o quanto fica ansiosa, o quanto tem tido vontade de comprar para a filha tudo o que vê pela frente.

Por fim, Maíra me disse que a sua grande intenção é quebrar esta narrativa construída pelos meios de comunicação que insiste em abrir pequenos espaço para mulheres negras somente falarem de suas dores.

"Eu quero mostrar que as mulheres negras também falam de amor." E eu me lembrei de Bell Hooks, que me ensinou que o amor cura. Segundo Bell, a força transformadora do amor nos permite enxergar o passado com outros olhos, transformar o presente e sonhar o futuro. É isto que desejamos em nossas colunas, falar de amor, transbordar amor por entre as palavras, porque o amor é uma ação capaz de permitir o nosso crescimento e modificar as estruturas sociais vigentes.