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'Mães sociais' ajudam a reduzir pela metade mortalidade de bebês em Sobral

Getty Images
Imagem: Getty Images

De Universa

13/05/2020 11h38

Uma ação para salvar recém-nascidos em Sobral (230 km de Fortaleza), no interior do Ceará, virou notícia internacional. As "mães sociais" na cidade são tema de reportagem publicada hoje pelo site britânico The Guardian. Elas dão apoio a mulheres que não têm condições básicas de criar seus bebês e ajudaram a reduzir pela metade o número de mortes de crianças no município.

Rita de Cássia, 46, é uma dessas "mães sociais". Ela conta que ajudou uma mãe usuária de drogas a cuidar do filho mais novo. No primeiro contato com a criança — o pai também usa drogas —, ela viu que o apartamento onde a família morava não tinha pia no banheiro nem vaso sanitário porque os objetos tinham sido vendidos por conta da dependência química. Outras crianças da família pediam dinheiro nas ruas e não tinham o que comer.

"Comprei comida e dei para eles. A mãe [mais tarde] me disse que vendeu um iogurte que eu tinha dado a ela por drogas. Eu também sou pobre e foi difícil para mim dar comida. É o caso que mais me lembro", diz à reportagem.

Para fazer o trabalho de "mãe social", Rita de Cássia recebe um salário mínimo do serviço público local de saúde. Ela e outras mulheres são treinadas para atender grávidas ou mães que não têm apoio de suas famílias, além de bebês e outras crianças que estão em risco clínico ou que vivem em condições difíceis. A atividade pode incluir várias outras tarefas: ajudar a amamentar, cuidar de outras crianças da família, ajudar em casa e muito mais.

Desde 2017, 95 gestantes, 461 recém-nascidos e 132 crianças têm sido apoiadas por uma mãe social.

"Não sei o que faria sem isso"

Antonia Lucélia Torres é uma das mulheres socorridas por Rita de Cássia após uma complicação na recuperação da cesariana. Mãe de quatro filhos, ela cria as crianças sozinha.

"O apoio tem sido muito, muito útil", diz ela. "Eu não sei o que eu faria sem isso. Eu gostaria de mais".

De acordo com Rochelly Rodrigues, enfermeira do centro de saúde local, "a situação [de Torres] é muito complicada, financeiramente falando. Temo pelo futuro", ela lamenta.

Rodrigues trabalha com outra mãe solteira, que tem uma criança de seis anos de idade e um bebê. A mulher já deu um filho para adoção e está grávida de seis meses — o bebê também será colocado para adoção. "É uma situação muito triste", afirma Rodrigues. "Qual será o futuro dessas crianças?"

Segundo a reportagem do Guardian, apesar da perspectiva sombria para algumas famílias, a ajuda prestada pelos serviços de saúde em Sobral tem conseguido diminuir drasticamente a taxa de mortalidade infantil. Desde 2012, o número de mortes de bebês na cidade caiu mais do que a metade, de 46 para 21.

Atualmente, o município de Sobral tem a menor taxa de mortalidade infantil nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste do Brasil.

Em 2001, quando foi lançada a estratégia para reduzir a mortalidade materna e infantil, havia 56 mortes infantis a cada 1.000 nascimentos. Esforços foram feitos para oferecer educação sexual em escolas e centros comunitários. Cada morte infantil foi investigada e as usuárias de drogas grávidas foram monitoradas de perto.

Desde 2017, 492 usuárias de drogas grávidas e 335 novas mães são apoiadas pelo projeto.

Outro foco de ação foi colocado sobre bebês prematuros, muitos dos quais estavam morrendo por causa de infecções hospitalares. Em uma atitude ousada, o serviço de saúde começou a enviar os recém-nascidos prematuros para casa o mais rápido possível. A partir disso, um profissional de saúde visita a família todos os dias e uma enfermeira pediátrica vê a criança uma vez por semana.

Rodrigues explica que a mãe recebe orientações de como cuidar de um bebê prematuro e fica com os números de contato da equipe de saúde. "Com esse acompanhamento após a saída do hospital, o risco de morte é mínimo. Isso teve um impacto positivo", ela diz.

Apesar dos resultados alcançados com a iniciativa, o trabalho ainda é bem difícil, já que a equipe médica atua em áreas consideradas desafiadoras. Muitas comunidades são controladas por traficantes e há muita violência e uso de drogas.

Rodrigues acrescenta: "Que privilégio é ajudar, mas a situação vai além do que podemos fazer. Existem muitos casos de crianças que chegam [ao centro de saúde] sem nada para comer. Nós não podemos fazer tudo. Queremos, mas não podemos".