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Agente funerária conta rotina com a Covid-19: "Mais medo dos vivos"

Agente funerária Larissa Britto conta que nasceu para cuidar dos mortos - Arquivo pessoal
Agente funerária Larissa Britto conta que nasceu para cuidar dos mortos Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

16/04/2020 04h00

Por causa da pandemia do novo coronavírus, a Justiça de Porto Alegre fez algumas determinações em relação a cerimônias funerárias no início de abril. Agora elas devem estar limitadas a no máximo dez pessoas, independentemente da causa da morte, e ser feitas apenas no período diurno (das 9h às 17h) e com urna fechada, com ou sem visor. Vítimas ou suspeitos da Covid-19 devem ser sepultados imediatamente, como já vem acontecendo pelo país.

"A maioria das pessoas quer ver, precisa tocar no corpo para se despedir. Uma cerimônia assim é muito mais triste", diz a agente funerária Larissa Britto, de 22 anos, que trabalha na capital do Rio Grande do Sul. Em sua avaliação, cada caso deveria ser estudado, mas ela pondera que todo cuidado é necessário.

"Se não for uma morte proveniente de algo do sistema respiratório, como algum câncer, não teria por que ser fechado. Mas entendo que seja uma precaução. Tem que ter um cuidado bem grande com os familiares, porque são pessoas que estavam em contato direto com a vítima, indo ao hospital. Precisamos enxergar o familiar como potencial transmissor de qualquer coisa. O maior medo é lidar com eles", ela afirma a Universa.

O pedido para que esses cuidados fossem estabelecidos partiu do Sindicato dos Estabelecimentos de Prestação de Serviços Funerários do estado, por meio de ação civil pública. No documento, a instituição justifica que, embora as empresas que atuam no ramo tomem todas as precauções sanitárias, o ambiente é de grande risco de transmissão da doença. Por e-mail, a assessoria de imprensa do TJRS informou que a decisão, liminar, vale enquanto durar a pandemia ou até que sobrevenha fato novo que motive a alteração.

Rotina de atendimento alterada

Larissa conta que, hoje, todo familiar que procurar a agência onde ela atua recebe máscaras na entrada, além de ter álcool em gel disponível. E, se antes iam até cinco parentes ao local, seja para fazer orçamento ou já para contratar o serviço, agora pode entrar somente uma pessoa.

Há dois anos ajudando na remoção e preparação de corpos para enterros, além da organização do velório — ou fazendo "o serviço do fim da vida", como ela define —, Larissa diz que ainda não atendeu a nenhum óbito por Covid-19, mas recentemente presenciou, a distância, o enterro de uma vítima da doença.

"Os agentes estavam paramentados — com roupas de proteção —, mas não havia nenhum parente. Na última semana, fiz um velório em que o caixão estava fechado, já cumprindo essa medida da Justiça, e tinha sete familiares na capela. Nunca fiz algo com pouca gente assim", descreve.

A estudante de enfermagem, porém, já realizou o enterro de uma vítima de tuberculose, cujo caixão também deve ser lacrado. E frisa que nunca sentiu medo do contato com corpos dos quais as vítimas contraíram doença infectocontagiosa.

"Me assustei uma única vez, quando removi um corpo de uma pessoa que tinha o HIV. Às vezes tem abcesso, nossa luva pode rasgar. Aí penso na família. Moro com minha mãe e padrasto. Hoje, a preocupação é sair em meio à quarentena, porque meu serviço é considerado essencial, então estou me expondo e expondo quem mora comigo."

Chimarrão em meio a túmulos

A estudante de enfermagem conta que sempre quis trabalhar com medicina legal, até se encantar com o curso de tanatopraxia, que é a técnica de conservação de cadáveres. Como já tinha por hobby visitar cemitérios nas horas vagas, decidiu que lidar com corpos seria a sua carreira.

"Em dia de folga, costumo pegar o chimarrão e ir ao cemitério. Não sei explicar esse gosto, porque minha família tem pavor. E, depois que fiz esse curso, sabia que a minha meta de vida era lidar com mortos", afirma.

Para estudar, Larissa teve contato com vários tipos de corpos, inclusive de crianças. "Já fiz alguns sepultamentos de natimorto, e às vezes é o primeiro filho do casal. Lidar com essa dor é bem complicado."