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Buscar "mulher negra dando aula" no Google leva à pornografia: por quê?

Nathália Geraldo

De Universa

27/10/2019 14h46Atualizada em 29/10/2019 09h10

Pelo menos desde 1º de outubro, a busca pela frase "mulher negra dando aula" no campo de Imagens, no Google, leva a conteúdo pornográfico — ainda que a pesquisa seja feita em aba de navegador anônima e com filtros de segurança para esse tipo de material (comumente usado para bloqueá-lo em dispositivos institucionais ou para evitar acesso de menores de idade a essas fotos).

A identificação da relação entre os termos e as imagens de sexo explícito foi denunciada pela relações-públicas Cáren Cruz, de Salvador (BA), enquanto ela fazia pesquisa para produzir uma apresentação corporativa em uma empresa.

"Eu desenvolvo consultoria de RP para empresas e estava preparando uma apresentação. Uso um programa de criação para isso mas, no banco de imagens deles, quando digitava 'mulher dando aula', só apareciam brancas. E eu queria, na verdade, me representar ali, queria uma imagem mais realista", explicou a profissional para Universa. "Foi quando, com pressa, joguei no Google e vi essas imagens".

Até 12h50 deste domingo (27), os resultados continuavam os mesmos, conforme apuração de Universa. O resultado que mostramos foi editado para evitar a exposição do conteúdo. Não há nenhuma imagem na página inicial que se associe ao ambiente escolar.

Mulher negra dando aula resultado do Google - Reprodução/Google - Reprodução/Google
Na página de resultados da pesquisa, só há conteúdo pornográfico
Imagem: Reprodução/Google

"Mulher dando aula"

Mulher dando aula resultado do Google - Reprodução/Google - Reprodução/Google
Eliminando palavra "negra", resultados mudam para conteúdo relacionado à escola
Imagem: Reprodução/Google

Para testar o filtro do Google, Cáren mudou a busca para "mulher dando aula". O retorno é diferente: as fotos são de professoras em sala de aula, brancas em maioria, interagindo com alunos ou escrevendo na lousa.

Cáren conta que, antes de ver os novos resultados, tinha pensado que a pornografia estava ligada ao verbo "dando". "Mas, apagando a palavra 'negra', as imagens eram realmente relacionadas a dar aula", contesta a RP. Ela afirma ainda que fez a pesquisa em um computador de uma instituição em que a tecnologia bloqueia esse tipo de resultado explícito.

Fetichização e racismo

"Sou mulher negra, convivo o tempo todo com racismo e fetichismo", desabafa Cáren. "O que eu fiz, então, foi pedir para que outras pessoas, em grupos, nas redes sociais, fizessem a busca. A ideia [ao expor a situação] é resolver esse problema, porque ele atinge mesmo quem bloqueou esse tipo de conteúdo para criança", pondera a profissional, que também é blogueira e consultora de imagem pessoal.

Para a também relações-públicas, Mestre em Ciências Humanas e Sociais e professora universitária Taís Oliveira, os resultados pornográficos denunciam como a mulher negra é vista na sociedade, passando pela hiperssexualização de seu corpo e a ideia de que ela está no mundo "para servir".

"Desde o início da escravização no Brasil, a mulher negra é tida apenas como um objeto para servir. Servir ao trabalho, servir às famílias brancas, servir aos desejos sexuais dos senhores. Isso se perpetua no decorrer dos períodos", analisa.

"Exemplos são a mulata do carnaval e das propagandas que fetichizam sua existência, como aquele clássico exemplo da cerveja que expõe o corpo de uma mulher negra com a chamada 'uma escura se reconhece pelo corpo'".

Associar os resultados do Google a racismo, para a pesquisadora, não é exagero. "É fato. É reflexo de uma sociedade estruturada à base de estereótipos racistas, e isso se reflete nas dinâmicas que alimentam e treinam os algoritmos de busca. As máquinas recebem essas informações de pessoas e essas pessoas têm as próprias convicções, princípios e visões de mundo".

Ruivas e loiras têm o mesmo resultado

Em resposta a comentários de leitores, Universa também fez o teste de busca com "mulheres ruivas dando aula" e com "mulheres loiras dando aula". O resultado remete a conteúdo pornográfico, o que corrobora a objetificação de mulheres e a sexualização delas em suas profissões.

Fato é que "mulheres brancas dando aula" — apesar de não mostrar mulheres em sala de aula — não se associa a sexo explícito. E "mulher dando aula", por sua vez, mostra apenas mulheres brancas.

"A gente precisa sempre se perguntar a razão de somente pessoas brancas serem as representações 'boas' e pessoas fora do grupo hegemônico serem representados em atividades de pouco prestígio", explica Taís.

Resposta da empresa

Em nota, o Google afirmou que não tem a intenção de mostrar resultados explícitos para os usuários, a não ser que estejam buscando isso. "Claramente, o conjunto de resultados para o termo mencionado não está à altura desse princípio e pedimos desculpas àqueles que se sentiram impactados ou ofendidos", diz.

O Google afirma que está investigando o problema, mas não deu prazo de quando será resolvido. Disse ainda que vai "buscar uma solução para aprimorar os resultados não somente para este termo, como também para outras pesquisas que possam apresentar desafios semelhantes".

Resultados do Google denunciados por usuários

Esta não é a primeira vez que o Google apresenta aos usuários respostas com filtros que direcionam a conteúdos diferentes do procurado. Recentemente, a busca pela palavra "professora" resultava em "prostituta" dentro de um card Dicionário do buscador.

Usuários nas redes sociais também encontraram a palavra "solteira" associada à "meretriz".

Como bloquear conteúdo inapropriado

O Google sugere que o bloqueio de conteúdo explícito, especialmente para menores de idade, pode ser feito usando o SafeSearch, uma ferramenta da empresa que "ajudar a filtrar conteúdo sexualmente explícito dos seus resultados".