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Você é direta ou grossa? Cuidado com o jeito de emitir uma opinião por aí

Sua sinceridade está gerando brigas? Pode ser hora de rever seu comportamento - iStock
Sua sinceridade está gerando brigas? Pode ser hora de rever seu comportamento Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

27/09/2019 04h00

Muitas pessoas se orgulham de "falarem na cara" dos outros aquilo que pensam, de serem diretas e de se apoiarem sempre na honestidade em suas palavras. Muita calma nessa hora! Tanta objetividade e franqueza, na verdade, nada mais são do que reflexo da mais pura grosseria e falta de educação.

"Para ser sincero ninguém precisa ser indelicado ou estúpido. Na maior parte das vezes quem se gaba de 'falar na cara' é ofensivo, pois não considera os sentimentos do outro e nem sempre leva em conta o ambiente no qual se encontram, causando uma exposição alheia desnecessária", pontua a administradora e coach Valerya Carvalho, fundadora da Escola Sentido - Cursos de Desenvolvimento Humano, em São Paulo (SP).

A psicóloga Mara Lúcia Madureira, especializada em terapia cognitivo-comportamental, define como sinceridade é a capacidade de expressar opiniões de modo franco e respeitoso, com o objetivo de defender um ponto de vista, sem a intenção de ofender, humilhar ou agredir outra pessoa. "Já a grosseria é a manifestação de raiva ou ódio dirigida a alguém com o propósito de se impor ou impor a própria vontade por meio de coerção e intimidação", explica.

Para ela, é possível ser direto e ao mesmo tempo educado. "Falar coisas esdrúxulas e palavras de baixo calão é demonstrar irracionalidade, descontrole emocional, incapacidade de dialogar. Pessoas inseguras percebem situações de confrontos ou contrariedade como ameaças. Tomadas pelo medo, não pensam, reagem instintivamente. A agressão é o mais primitivo mecanismo de defesa. Um exemplo é o que vemos todos os dias no convívio ou nas redes sociais: pessoas educadas deixando de lado os bons costumes para dar vazão à intolerância e insensatez", descreve.

A empatia é um diferencial importante. A sinceridade, em geral, tem o intuito de agregar, como um conselho construtivo, dado no local certo e na hora certa, e que irá ajudar a pessoa a enxergar algo. "É um toque legal. Sempre digo que podemos falar o que quisermos, mas devemos nos colocar no lugar de quem irá receber o comentário e pensar se vale mesmo a pena, além de avaliar como o outro receberá a opinião, sempre com bom senso, respeito e educação", afirma a psicóloga e psicanalista Priscila Gasparini Fernandes, de São Paulo (SP).

Para Pollyana Esteves, especialista em psicologia positiva e constelações familiares, também da capital paulista, quem é sincero expressa a opinião sem ofender a outra pessoa. "Você pode até não falar o que ela quer ouvir, e sim o que ela precisa, mas vai agregar, ajudá-la".

Já quem acha que tem o direito de falar o que quer, ofender ou magoar a outra pessoa, sem acrescentar nada de bom, só demonstra mesmo grosseria"

O importante, ao emitir uma opinião, é não subestimar o poder do conteúdo e da forma. A especialista em desenvolvimento humano Susanne Anjos Andrade, autora do livro "O Poder da Simplicidade no Mundo Ágil" (Ed. Gente), dá um exemplo: vamos supor que você tenha uma amiga que está sempre usando o celular enquanto se comunica com você. "Uma reação grosseira seria dizer que ela não respeita as pessoas e que, desse jeito, não dá mais para saírem juntas e até mesmo manter a amizade. É possível demonstrar o mesmo descontentamento de uma maneira mais educada e gentil, explicando que adoraria que se ela parasse de usar o celular enquanto conversam o encontro seria muito mais prazeroso", diz.

O fato de o discurso ser unilateral — a pessoa diz o que quer, mas nem sempre está disposta a ouvir o outro - é outro ponto que revela grosseria. "A pessoa que é sincera de fato aceita receber a sinceridade de volta, porque acredita que é uma qualidade. Já quem diz o que quer de forma agressiva tem a tendência de ser o 'dono da verdade' e, possivelmente, age assim para ter o privilégio de ganhar 'no grito' tudo o que quer", observa Valerya. "O discurso unilateral é algo injusto, já que a pessoa só está pronta para falar e nunca para ouvir. Não está aberta para críticas e comentários do outros e se blinda para não se magoar, pois sabe que sua atitude pode ser alvo de crítica e, por isso, evita escutar", avalia Priscila.

Relações prejudicadas

A comunicação grosseira produz vários prejuízos nos relacionamentos. A arrogância e a brutalidade conseguem afastar, de imediato, o medo do confronto, embora confira ao agressor a sensação de triunfar sobre as vítimas. "Só que, em médio e longo prazo, levam a pessoa a perder o respeito, colecionar desprezos e adversários que sabotarão suas ações futuras", fala Mara.

É comum, ainda, confundir agressividade com assertividade. "Ser assertivo é ser direto, objetivo, claro e transparente, falando tudo o que precisa com respeito. É se expressar com gentileza e ter cuidado tanto no conteúdo quanto na forma de dizer o que é necessário", comenta Susanne.

Alguém que recebe um comentário grosseiro sobre alguma característica ou algo que fez pode se magoar sem necessidade, ver baixar sua autoestima e se sentir exposto, principalmente se for em público ou em redes sociais, o que não ajudará em nada. Pode gerar isolamento e, muitas vezes, depressão. "É fundamental dar limites para quem agride com comentários grosseiros, sempre pontuando com cordialidade. A educação é uma característica que desmonta o agressor, pois ele não está acostumado com isso", conta Priscila.

Portanto, é bom que perceba o quanto antes esse comportamento para então modificá-lo, pois essa atitude tende a provocar isolamento social. "Os demais se afastam e o indivíduo entra num círculo vicioso perigoso, pois recebe pouco feedback do que suas ações causam nos outros. Já que não se preocupa em perceber, vê cada vez menos as más consequências e, portanto, vai ficando cada vez mais fechado em suas opiniões e visões de mundo", argumenta o psicólogo Jorge Neto, de São Paulo (SP), que complementa:

Quem vive com alguém assim precisa aprender a se impor, caso contrário vai acabar sem voz, sem posicionamento, se apequenando perante o outro."

Pessoas que costumam errar a mão ao dar opinião geralmente são pessoas mal resolvidas, egocêntricas, inconsequentes e frustradas com a vida. A agressão verbal é uma maneira de compensar algo que não está bom para elas e jogar para cima dos outros as próprias amarguras. "Para mim, o melhor a fazer é simplesmente ignorar o que dizem. Para existir uma luta, é preciso duas pessoas. Ou seja, se você se retira e nem liga paro que o outro fala, ele para. O que alimenta o ofensor é o ofendido", ressalta.

Outro ponto que vale a pena acrescentar é sobre a forma que a pessoa se comunica definir a forma como ela se relaciona com os outros. Alguém que é muito agressivo acaba construindo esse padrão de relacionamento, então os outros se afastam. Se você almeja manter bons relacionamentos interpessoais, é necessário ter o cuidado na forma de se comunicar.

Uma dica de Pollyana Esteves é não abrir a boca se o que você planeja dizer não vá agregar nada à pessoa ou se trata de algo que ela não tem como mudar no momento. Por exemplo: você vai encontrar com uma prima e achou o look dela feio. Existe a possibilidade de ela trocar de roupa? Se a resposta for não, fique quieta; caso contrário só vai magoá-la sem necessidade. "Outra atitude muito comum de quem se considera franca, mas na verdade é grossa e até mesmo invasiva, é alegar que está somente expressando uma opinião ou fazendo uma crítica construtiva, quando, na verdade, se põe a julgar e a ofender", comenta Pollyana. Um "comentário" que serve para exemplificar isso é "Você trabalha tanto, cuidado para não traumatizar seu filho". É melhor manter a boca fechada em vez de provocar consequências desnecessárias, como brigas.

Não adianta falar algo polêmico durante uma refeição, por exemplo, e acabar com o almoço de alguém. Citar episódios muito antigos também é outro comportamento que não vale a pena"

Já Mara reforça que todo ser humano tem o direito de ter opiniões e poder expressá-las, desde que não fira os direitos dos outros. "O que deve ser guardado para si são os preconceitos que, apesar de impregnados em nós por força da transmissão transgeracional, não devem ser manifestados, mas trabalhados e dissipados pelo conhecimento e constante afirmação do respeito entre as pessoas", diz. "Ninguém precisa saber o que você pensa. Para exigir algo do outro, é preciso ser impecável e ninguém o é. Portanto, não faça com os outros o que não gostaria que fosse feito com você. Concentre energias cuidando da própria vida", endossa Pollyana.