Topo

Infidelidade crônica: compulsão por trair existe?

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

04/08/2019 04h00

Embora o senso comum siga um conceito básico do que é traição - se relacionar com outra pessoa mesmo sendo comprometido com alguém -, a infidelidade depende muito do que é acordado entre um casal. Há homens e mulheres que consideram o acesso à pornografia online sinônimo de trair, enquanto outros, adeptos de relações abertas, não se incomodam com as aventuras sexuais do par -- no entanto, jamais aceitariam que a pessoa mantivesse um envolvimento íntimo que extrapolasse os limites da cama.

"São vários os padrões de infidelidade. Um deles é o padrão de ser infiel na maioria das relações amorosas. Isso também depende de múltiplos fatores como idade, ideologias, aspectos religiosos, particularidades da libido, desejos sexuais, fases do ciclo de vida das relações amorosas, crenças e valores sobre traição, entre tantos outros", pontua Ana Maria Fonseca Zampieri, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autora do livro "Erotismo, Sexualidade, Casamento e Infidelidade" (ed. Ágora). Segundo Ana Maria, diferentes conceitos podem permear uma mesma cultura. "Por exemplo: alguns entendem que a infidelidade sexual tem menos importância que a afetiva ou a de compromisso financeiro, entre outras", explica.

Algumas pessoas, independentemente do status de compromisso ou do acordo feito com o par, não conseguem ser fiéis de jeito nenhum. Padecem de uma espécie de infidelidade crônica que as leva a colecionar casos um atrás do outro, sem jamais se apegarem. Há diversas justificativas por trás desse comportamento. Uma delas, segundo Joselene L. Alvim, psicóloga clínica de Presidente Prudente (SP) e especialista em neuropsicologia pelo setor de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, é a busca por autoafirmação. "Essas pessoas procuram no outro o reconhecimento de que são desejáveis. À medida que conseguem isso, pulam para o próximo parceiro. Carregam em si uma necessidade constante de sentirem que têm o poder da sedução", afirma. São pessoas de personalidade narcísica, egocêntrica, de sexualidade aflorada.

Para a psicóloga e sexóloga Ivete Soares, de São Paulo (SP), a forma como nos vemos pode interferir diretamente nessa conduta. "Quem tem baixa autoestima pode trair de maneira crônica, também com o objetivo de autoafirmação. Com a chegada da internet e o crescimento das redes sociais, esse comportamento se acentuou", afirma.
Já Sandra Samaritano, psicóloga e terapeuta de casais, avisa que a infidelidade crônica também pode ser encarada como uma compulsão. "A razão para viver é a obsessão pelo sexo, pela infidelidade. É uma busca do prazer pelo prazer sem limites", observa. Nessas circunstâncias, a pessoa pode não ter clareza de que é doente. "E, assim, faz de conta que vive feliz como uma 'desculpa verdadeira' para não entrar em contato com seu comportamento, se cuidar e tratar", completa Sandra. A compulsão ou vício em sexo é um TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) que requer ajuda profissional e tratamento com um psicoterapeuta para se conhecer melhor e identificar os mecanismos inconscientes que levam à mania de trair. Nos casos mais extremos, medicamentos são prescritos para amenizar a ansiedade.

Por amor, algumas pessoas tentam controlar os parceiros infiéis ou fazê-los mudar, mas ninguém muda se não quiser. "Cada um só muda a si mesmo. O controle externo pode dificultar, mas não transformará o outro", avisa Ana Maria. "É possível, sim, dar uma chance ao outro e refazer a relação. Porém, quando o comportamento infiel é constante, perdoar sempre sugere uma dependência emocional da pessoa traída, indicando uma relação tóxica", diz Joselene.

Mesmo sabendo que trair não é correto, pelo menos sob o ponto de vista moral, e que essa atitude machuca o outro, quem comete uma infidelidade atrás da outra nem sempre costuma sentir culpa, principalmente as que apresentam um comportamento sedutor compulsivo. No caso da traição masculina, Joselene recorda que ela é "amparada" pelo resquício da cultura machista, que afirma que isso faz parte da "natureza" do homem. Para quebrar esse padrão, é necessário reconhecer que o comportamento prejudica o outro e, consequentemente, a relação, mas apenas dará certo se houver reconhecimento da necessidade de mudança. Se a necessidade ocorrer apenas por causa de um pedido do traído, não adianta.