Conhece um mentiroso? Calma, ele pode ter distúrbio e precisa de ajuda

Qualquer especialista em comportamento humano pode atestar, sem medo, que a mentira é um lubrificante social indispensável para que a gente não saia por aí magoando uns aos outros sem motivos para isso.

Mas o que fazer quando sentimos que alguém de quem gostamos muito está mentindo compulsivamente? O primeiro problema de quem sofre de mitomania é o estigma. A mentira é um comportamento errado para a sociedade e o mentiroso contumaz é considerado uma pessoa má, nunca alguém que precisa de ajuda.

Por isso, em um primeiro momento, precisamos lembrar que assim como a pessoa que tem depressão não escolhe estar triste, ou assim como a pessoa gripada não espirra de propósito, o mentiroso compulsivo também não quer, não gosta e não planeja mentir.

Como ajudar alguém com a compulsão?

O primeiro conselho que escutamos sobre mitomania é, via de regra, recomendar que o amigo passando pelo transtorno procure um especialista, seja ele um psicólogo ou psiquiatra. Esse passo é fundamental, mas no caso de quem mente —e insiste que está dizendo a verdade— reconhecer que precisa de ajuda é mais complicado.

Entender o funcionamento do distúrbio é essencial para achar formas de oferecer apoio. A crítica direta à pessoa que tem compulsão de mentir acaba sendo um prejuízo —tanto para a relação quanto para o processo terapêutico do paciente. Isso acontece porque uma das bases mais recorrentes da mitomania é a baixa autoestima de quem mente. Muitas vezes, essa pessoa tem pavor de magoar ou desapontar o outro; assim, algumas pessoas começam a mentir para parecer mais agradáveis e se sentirem aceitas em grupos ou comunidades.

Se não é saudável pressionar, como lidar com as mentiras?

O mitômano que sofre muita pressão para não mentir tem grandes chances de acabar intensificando a repetição de histórias falsas. A pessoa usa a mentira como recurso para agradar ao próximo. Quanto mais as pessoas se desapontam, mais ela usa o recurso para tentar desfazer o desapontamento de quem cobra.

Em resumo: é importante não encurralar uma pessoa que mente compulsivamente. Deixá-la à vontade para encarar o problema exige esforço, mas não é impossível.

Continua após a publicidade

Uma conversa acolhedora e amorosa funciona melhor do que uma bronca. O mentiroso compulsivo tem uma fixação pela imagem positiva —em geral, mentindo para evitar passar más impressões sobre si. Assim, as pessoas próximas que querem ajudar podem lembrar ao paciente os motivos pelos quais ele realmente é querido e admirado —de modo que ele não sinta tanta necessidade de ser algo diferente do que realmente é.

Decepção faz parte de qualquer relação

Em uma relação com alguém que mente por compulsão, a gente pode ficar tão bravo que esquece de um detalhe: as relações íntimas incluem dor e decepção de vez em quando.

Não desistir de pessoas queridas que enfrentam esse tipo de distúrbio passa por alguns cuidados, como saber que as mentiras partem de alguém que precisa reconstruir a própria autoestima.

O processo é realmente gradual, mas a mudança efetiva também pode chegar com um tratamento e acolhimento eficientes.

Quando as mentiras vêm à tona

Se você já conversou abertamente com uma pessoa querida sobre suas mentiras frequentes, pode ser frustrante ver o ciclo se repetir. Nesses casos, perguntar de que outras maneiras podemos ajudar também é uma atitude valiosa.

Continua após a publicidade

Algumas perguntas simples como "de que forma posso te ajudar?", "de que forma eu acabo te atrapalhando?" ou ainda "quais são as minhas atitudes que te deixam com vontade de mentir?" podem ser de grande ajuda para o paciente e para as pessoas do entorno sentirem menos impotência diante das circunstâncias.

Para quem passa pela experiência de mentir compulsivamente, a chave está em trabalhar na construção de um novo olhar interno, fortalecendo a autoestima e a compreensão de que somos todos imperfeitos e cometemos erros.

Continuar ao lado de quem lida com o distúrbio é batalhar junto para que a pessoa enxergue em si o que há de melhor, que é real e o que pode ser partilhado disso socialmente. Quando a autoestima do paciente melhora, a necessidade de mentir, aumentar contos ou enaltecer a si mesmo vai saindo de cena.

Fonte: Fabíola Luciano, psicóloga especialista em terapia cognitiva comportamental pela USP (Universidade de São Paulo)

*Com reportagem publicada em 31/05/2019

Deixe seu comentário

Só para assinantes