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Por que alguns casais se recuperam de uma traição e outros, não?

Nem toda traição precisa ser levada a ferro e fogo, mas é preciso estar disposto a ser sincero para superá-la - Getty Images/iStockphoto
Nem toda traição precisa ser levada a ferro e fogo, mas é preciso estar disposto a ser sincero para superá-la Imagem: Getty Images/iStockphoto

Jacqueline Elise

Da Universa

05/03/2019 04h00

Falar em traição pode mexer com um dos medos mais profundos de alguns casais. Para aqueles que passaram por essa situação, o problema maior é o que vem depois: o relacionamento precisa acabar? Será que tem chances de ser reconstruído?

Há quem leve uma traição a ferro e fogo: se foi infiel, não há motivos para continuar junto. Mas alguns resolvem tentar novamente, inclusive frequentando sessões de terapia para casais --o que não significa que haverá sucesso. Afinal, por que há parceiros que conseguem deixar essa parte de sua história para trás, e até mesmo encaram a traição como uma maneira de fortalecer o casamento antes estremecido, enquanto outros preferem seguir caminhos diferentes?

O psicólogo e psicoterapeuta de casais Vitor Sampaio acredita que é preciso ver a traição com outros olhos antes de tudo. "Cada casal é único. Eles têm suas regras e seu jeito. Então, há casais que consideram até um olhar para o lado uma traição, e outros que acham que só a conjunção carnal é sinônimo de trair. O importante é tentar entender o que é traição para eles, o que levou um parceiro --ou os dois-- ao ato, e saber a disponibilidade de superar a traição", explica.

Para ele, o ato de trair é só uma "ferida", e pensar somente na traição simplifica demais a situação --por isso alguns casais não conseguem continuar juntos. "Precisamos parar de falar que quem trai é canalha. Qual é a minha disponibilidade para olhar para a pessoa como quem ela sempre foi: aquele que eu amo, que me faz bem, apesar da traição? Se o casal se debruçar sobre isso, crescer junto, incluir experiências boas de ser casal, o 'buraco' que a traição traz vai diminuindo", diz.

Traição só ocorre quando tem um problema?

Um dos grandes estereótipos envolvendo a infidelidade tem a ver com a culpa de "ter deixado a relação ruim". Nem toda pessoa que trai o faz porque o relacionamento vai mal, explica a psicóloga clínica e terapeuta de casais Marina Simas de Lima.

"Essa traição pode acontecer por vários motivos, inclusive porque o par acha que há uma monotonia sexual: o objeto de desejo, que é o parceiro fixo, nesse caso, já está totalmente conquistado. Uma pessoa nova traz mais estímulo", afirma. E há também uma hipótese bem comum: a pessoa, por mais que esteja comprometida, simplesmente sentiu desejo por outra --e isso pode não ter nada a ver com o relacionamento que ela mantém.

O que pode, de fato, ser um empecilho na busca pela reconciliação é a necessidade emocional de cada parceiro ou parceira: enquanto alguns estão satisfeitos com a segurança que o relacionamento estável traz, outros podem também ter um desejo de aventura mais forte, o que pode ser um conflito para casais monogâmicos.

"Vejo muito aquelas pessoas que querem desafios, que sentem falta da conquista, mas que também querem a segurança da relação. Fica muito difícil unir tudo isso na monogamia", pensa Marina.

Como superar e, talvez, reconstruir a relação

Regina Truffa, psicóloga do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e terapeuta de casais e de família, crê que uma traição nem sempre é um mal para o casal --ela pode, inclusive, ser uma força para recuperar a relação.

"O casal que se recupera é aquele que conseguiu trabalhar as questões essenciais do casamento: qual a minha parte aqui? Como eu contribuí para a relação? Como eu me coloco frente ao outro? São coisas assim que precisam ser tratadas", diz. "Não podemos desvalorizar a dor do outro. E é preciso ter muito autoconhecimento e reaprender a se divertir com o parceiro --não somente sobreviver no casamento".

Marina acrescenta que é preciso falar muito, principalmente na etapa de reconstrução da confiança. "E tem que falar a verdade, mesmo que ela possa machucar. As pessoas precisam lidar com a forma que o outro vê tudo que tem acontecido para que se abra um diálogo, assim a memória da traição fica pequena".

Vitor ressalta que um casal que chega à terapia já com objetivo de continuar junto pode se decepcionar. "A terapia é um cuidado do modo como esse casal está junto, e cuidar para saber se eles ainda podem ficar juntos. Nem sempre significa que recuperar a relação é a melhor solução. Precisamos refletir sobre as certezas que cresceram com a gente, para saber se vale a pena separar ou não", diz.