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Homem coloca vestido para defender namorada de assédio e levanta debate

Amanda Serra

Da Universa

20/05/2018 04h00

O carioca Gabriel de Paula Manhães, 18 anos, não gostou de ver a namorada, Ane Jones, 17, ser assediada ao publicar algumas roupas para vender em um site. Resolveu, então, assumir o lugar dela como manequim da loja virtual por um dia. A foto do jovem viralizou - e alguns debates foram levantados: a culpa é da roupa que a mulher usa ou a foto que ela publica? O mesmo acontece quando um homem é o modelo?

“Por mais que a gente saiba que existe o machismo, o assédio, a gente só sente na pele quando vive a situação. Me coloquei no lugar de cada mulher e pensei: ‘cara, imagina você anunciar algo para vender ou fazer um post em busca de uma oportunidade de emprego e ser assediada.’  Isso não é legal, é desconfortável, me senti ofendido também”, afirma o estudante de educação física à Universa.

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Gabriel posou para 12 fotos – frente, lateral e costas – e, ao contrário da namorada, que recebeu convites para ser atriz pornô ou mensagens a chamando de “cavala”, além de comentários como “aprovadíssima” – ele teve sua orientação questionada. “A ideia de ser o modelo era justamente criticar o assédio, o preconceito e mostrar como esse tipo de situação, que milhares de mulheres passam diariamente, é ridícula. Não é um vestido que afeta minha masculinidade ou minha orientação sexual. Alguns ainda falaram que fiz isso por ciúmes, o que não é verdade.”

Veja as mensagens recebidas pela jovem

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Para o estudante, a desconstrução patriarcal é um exercício diário que todos deveriam fazer para garantir uma sociedade mais igualitária. “Não é porque você é homem e vive numa sociedade machista, que precisa reproduzir comportamentos e aceitar tudo que a sociedade impõe. As pessoas precisam ter personalidade e consciência do que é certo ou errado. É preciso mudar e acabar com essa barbaridade”, diz.

“O assediador deveria parar para pensar que ele nasceu do ventre de uma mulher, que existem diversas mulheres na família dele, no ciclo de amizade. Será que a mãe dele gostaria de ler ou ouvir as coisas que ele fala? É preciso se colocar no lugar”, defende o jovem.

A culpa nunca é da vítima

Ane reitera que o casal tinha como intenção mostrar o quão ridículo é quando o papel dos personagens é invertido, mas a situação é a mesma. Ou seja, ao invés de uma mulher de vestido, um homem. “O assédio não é o mesmo. E o problema não é a roupa como alguns homens costumam dizer, mas o pensamento.”

A estudante ainda levanta uma outra questão que costuma surgir sobre os posts que ela faz para anunciar suas roupas e também de sua mãe na loja online: culpabilização da vítima. “Algumas pessoas justificaram as mensagens dos assediadores dizendo que eu não deveria ter posado com as roupas, ou seja, que a culpa era minha por ter sido fotografada com as peças. Você vestir uma roupa curta não dá direito de ninguém te assediar. Preferem culpar a vítima do que dar razão a ela. O que está sendo anunciando é a roupa e não o corpo!

“Todo mundo que comercializa produtos na internet sabe que vestir as peças aumenta a chance de venda, seu cliente quer ver como fica no corpo”, afirma Ane, que achou a postura do namorado corajosa e respeitosa.

Mulheres compartilham relatos de abusos. Confira:

"Ofereci serviços de babá e diarista e até agora todos que entraram em contato não queriam serviço nenhum. Alguns ofereceram dinheiro para massagem ou mandaram fotos, um enviou cerca de 15 imagens íntimas que não baixei e deletei. E olha que nem fotos tem no anúncio, não fazem a menor ideia de quem eu sou. Me senti violada. Existe uma cultura muito forte que faz com que os homens se sintam no direito de falar e fazer o que quiserem. Não acho que eles veem como algo errado isso, agir dessa forma", lamenta a pedagoga Monique Maciel, 29, moradora do Rio de Janeiro.

"Uma vez pedi para minha prima posar com alguns vestidos que não me serviam mais e publicamos em um site de vendas. No dia seguinte recebi trilhões de mensagens perguntando meu nome, me chamando de gata, delícia. Fiquei horrorizada! O pior foi um cara que ligou chamando para sair com ele e dizendo absurdos. E olha que o vestido era longo, de festa. Enfim, tive que tirar o anúncio e publicar a foto do vestido sozinho. A ideia era conseguir dinheiro e acabei ficando frustrada. Era um aplicativo de venda e troca de itens, não um aplicativo de relacionamento. Os caras estão tão abusados que 'caçam' as mulheres em qualquer canto, não temos paz. Agora, só posto foto com a roupa no cabide", conta a assistente administrativa Aryelle Fernandes, de Taubaté, interior de São Paulo.

"Fiz o anúncio de uma bota e mesmo assim recebi a mensagem de um cara dizendo: 'bonita a bota e a dona também'. Fiquei surpresa porque não imaginava que alguém daria em cima de mim por conta de um anúncio de venda. Não tinha nem foto minha no perfil", diz a designer gráfica Kell Tenório, 24, de Recife (PE).

"Estava em busca de emprego e anunciei meu currículo com uma foto do meu rosto. Choveram mensagens, desde as mais absurdas até as mais sutis, mas nenhuma oportunidade de trabalho [formal]. Um dos caras chegou a me perguntar se eu aceitaria mandar vídeos para ele fazendo cocô. Sei que isso acontece, mas fiquei horrorizada. Embora não tenha mostrado meu corpo no anúncio, preferi tirar minha foto de perfil e ver se realmente oportunidades de emprego iriam surgir. Mas não, os assédios continuaram e logo depois eu excluí o anúncio", afirma a carioca Flavia Cordeiro, 34, formada em necrópsia.