Casei à força aos 11, fui mãe aos 12 e levei décadas para curar as feridas
Valdineide Senna, 50, de Itabuna, BA, teve uma vida sofrida: casou-se aos 11, teve filha aos 12 e ficou viúva aos 13. A infância interrompida deixou marcas que afetaram toda sua vida, e desencadearam uma depressão. Com muito esforço, ela conseguiu se reerguer. Ela conta sua história de vida ao UOL.
"Aos 11 anos, fizeram meu casamento. Não sei dizer por que, mas não foi escolha minha. Era um homem com o dobro da minha idade, do ambiente de trabalho da minha família. Em poucos meses, engravidei. Eu nem sabia o que era ter um filho, mas, aos 12, tive minha primeira menina, uma boneca que pedia muitos cuidados.
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Não tive esse privilégio de ser criança e isso me deixou marcas. De repente, eu troquei as bonecas por uma filha e convivia com um homem alcoolista, de quem eu estava à mercê em todos os sentidos.
Aos 13 anos, me tornei viúva
Foram dois anos muito difíceis, mas aos meus 13 anos, ele sofreu um acidente, e eu me tornei viúva. Não fico feliz pela morte de ninguém, mas já cheguei a dizer que isso foi providência, porque não sei qual teria sido meu destino se tivesse continuado ali.
Vivi, então, dois anos na casa da minha mãe, mas nossa relação era muito difícil. Por isso, aos 15, fui viver com um novo companheiro e comecei a trabalhar. Voltei também a estudar, algo que sempre gostei de fazer, mas que era muito difícil, principalmente porque eu era mãe. Entre idas e vindas, conclui o ginásio.
Passei sete anos nesse novo relacionamento e tive mais duas filhas, uma aos 16 e outra aos 20. Mas a relação não me fazia bem, e eu decidi me separar.
Comecei a reconstruir minha vida
Foi aí que enfiei a cara no trabalho e nos estudos e no enfrentamento diário da arte de ser mãe. Tive momentos muito difíceis, com as três meninas para criar, sem apoio nem pensão.
Consegui seguir mesmo assim e, em 1991, passei em um concurso público, para trabalhar no atendimento dos Correios, e minha vida teve uma oportunidade de recomeço.
Eu estava empregada, em uma empresa onde me destacava pela sede de aprender. Por cinco anos, tive o posto de coordenadora.
Além disso, conheci ali um novo amor. Minhas filhas estavam crescendo e, finalmente, parecia que tudo ia bem na minha vida.
Uma tragédia me levou ao fundo do poço
A verdade é que as coisas não estavam tão bem assim. Eu não percebia na época, mas, hoje, compreendo que eu fazia muitas coisas reproduzindo comportamentos que tiveram comigo. Uma das meninas, por exemplo, eu forcei a se casar, também.
Ela tinha 17 e eu não aceitava o comportamento que ela tinha na época. Então, a forcei, como punição, reproduzindo o que tinham feito comigo. E quando dei por mim, quando percebi, minhas filhas estavam infelizes. Eu não sabia ser mãe de adolescentes.
Em 1997 fui avó pela primeira vez, aos 30 anos. Mas o caos começou, mesmo, em 2002, quando houve uma troca de gestão no trabalho. O novo chefe demitiu muita gente e eu passei a ser perseguida, e vivia uma situação muito difícil de assédio.
Comecei também a ter problemas de saúde e a conviver com muita rebeldia das meninas em casa.
Mas, como tragédia nunca vem sozinha, minha filha do meio tentou se matar aos 19 anos. Depois de uma briga nossa, ela ingeriu alguns remédios e começou a vomitar na minha frente. Vi que algo estava errado e consegui levá-la ao hospital a tempo. Foi a pior noite da minha vida. Ela saiu de lá bem, mas eu passei a carregar um fardo enorme de culpa.
A depressão me tirou a vontade de viver
Cheguei ao fundo do poço. Meus dias ficaram cinzas, a busca por respostas me levou à culpa, a culpa me levou à tristeza, que me levou ao medo, ao pânico e à fobia social. O conjunto me levou ao isolamento e à necessidade de tomar remédios. Depois disso, meu companheiro não aguentou o peso e nos separamos.
Passei a viver depressiva, e isso me levou à doença física: dores insuportáveis na coluna, que me fizeram passar por cirurgias e viver 24 horas por dia com dores.
Tirei licença do trabalho e, por anos, passei a viver em enorme solidão. Nessa hora, o abandono do início da minha vida voltou com tudo. Não tive pai, minha mãe nunca foi presente ou fez questão de mim, e, agora minhas filhas tinham saído de casa e eu estava sem meu amor. Viver não tinha mais sentido.
Sempre tive vontade de seguir alguma religião e nesse período fui convidada a assistir um culto evangélico. Ali me senti acolhida e, por três anos, frequentei aquela igreja. Basicamente saía de casa para ir para lá ou aos médicos.
Chegou a hora de sair da hibernação
Foi uma fase de busca espiritual muito boa, porém ainda faltava algo que me libertasse daquele vazio, daquela culpa. Começou a nascer em mim uma necessidade de buscar a cura.
Engraçado que, bem nessa época, passei na frente de uma agência de turismo, vi o anúncio de uma viagem para Fortaleza e, assim, meio que por acaso, embarquei na viagem que me deu o clique para recomeçar minha vida.
A excursão para Fortaleza foi muito especial, pois fomos em um ônibus com muitas pessoas de todos os tipos de religião. Eles faziam dinâmicas e todos tiveram de se apresentar. Quando fui falar de mim, a única coisa que consegui dizer foi que estava saindo de um período de hibernação.
E era exatamente assim que me sentia. Conheci muita gente, fui bem acolhida e isso me fez muito bem. Vi que todas as pessoas são normais e têm problemas. Depois de oito dias com eles, voltei renovada e decidida a buscar uma mudança de vida.
Busquei tratamento e ajuda para me recuperar
Pedi para voltar ao trabalho. Também comecei a tentar mudar minha vida, desde a alimentação, até a decoração da casa. Doei tudo que tinha, que me prendia ao passado, pois precisava me libertar. Eram pequenos detalhes que me ajudavam a seguir.
Também comecei tratamento com uma psicóloga, que me ajudou com exercícios e atividades de projeção para o futuro. Até decidi prestar vestibular e entrei na faculdade de Serviço Social. Eu não acreditava, depois de tantos sem estudar!
Fiz faculdade, pós-graduação e hoje estou fortalecida
Claro que ainda enfrentei dificuldades. Um assalto no trabalho me fez voltar ao pânico. E minha coluna também piorou, me levando à quarta cirurgia da artrose. Mas segui forte na minha busca.
Em 2010, tomei meu último remédio controlado. Em 2014, me formei em Serviço Social, como uma das melhores da turma. Hoje estou finalizando uma pós-graduação em saúde e faço trabalho voluntário com famílias vulneráveis.
Tenho oito netos lindos e minha relação com minhas filhas ainda oscila, mas, aos poucos, está melhorando.
Hoje estou forte e sei que, por causa das dificuldades que passei na infância, sempre busquei fora, nos outros, o que precisava para mim. Uma aceitação, que entendi que está dentro de mim. A cura da depressão veio de um conjunto de ações e isso só aconteceu porque decidi dar o primeiro passo".
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