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"Para ser gay, tem de ser muito macho", diz fundadora do Grupo de Pais de Homossexuais

VLADIMIR MALUF

Da Redação

25/06/2011 07h00

  • Divulgação

    Edith Modesto, professora universitária que fundou uma ONG para pais de homossexuais

Edith Modesto já tinha bastante trabalho sendo mãe de sete filhos e professora universitária, com direito a título de doutora em semiótica. Mas ela resolveu assumir uma tarefa a mais: fundar, em 1997, o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), cujo objetivo principal é aproximar os pais de seus filhos gays.

Depois de descobrir a homossexualidade de um dos filhos, Edith sentiu a necessidade de compartilhar seus sentimentos com outros pais, que viviam a mesma fase. Com essa atitude, ela conseguiu muito mais do que a sua intenção inicial, que era compreender melhor o filho.

Catorze anos após o início do GPH, Edith ajudou milhares de jovens homossexuais e seus pais a lidarem com a homossexualidade. Publicou quatro livros sobre diversidade sexual, entre os 13 que escreveu ao longo da vida, como "Mãe Sempre Sabe?" (Ed. Record) e "Entre Mulheres - Depoimentos Homoafetivos" (Ed. Summus).

Em 2011, por causa do seu trabalho, Edith Modesto foi escolhida para ser homenageada pela Parada LGBT de São Paulo e para receber o Prêmio da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Leia a entrevista que ela concedeu ao UOL Comportamento.

UOL Comportamento - como foi que você soube que o seu filho é homossexual?
Edith Modesto -
Eu fiquei incomodada porque ele não tinha namorada. Como eu tenho mais cinco filhos homens, comecei a estranhar. Perguntei, então, se ele não gostava de mulher, certa de que ele diria "que bobagem, mãe". Mas ele me disse que era isso mesmo. Foi fácil assim... Minha reação foi de espanto. Eu fiquei pasmada. Falei: "Imagine, filho. Não é nada disso". Mas a ficha caiu logo. E foi uma paulada. Foi bem complicado. Nunca tinha pensando que eu poderia ter um filho gay.

UOL Comportamento - O que te motivou a fundar o GPH?
Edith - 
Foi o mesmo motivo pelo qual eu escrevi um livro em que entrevistei 89 homossexuais: tentar conhecer mais os gays, já que meu filho era um deles, e trocar ideias com outras mães... Tudo foi feito para que eu conseguisse aceitar o meu filho. Não foi feito pelos outros. Foi feito por mim.

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    Edith Modesto e o filho Marcello. Para compreendê-lo melhor, Edith fundou o GPH


UOL Comportamento - E foi bom?
Edith -
Foi maravilhoso conversar com outras mães e com os jovens homossexuais. Eu percebi que são pessoas como as outras. Percebi que era uma condição natural e espontânea do ser humano. Mas foi difícil. Não foi fácil, não. Demorou bastante para eu entender...

UOL Comportamento - Qual era o seu pensamento em relação aos gays até descobrir a sexualidade do seu filho?
Edith -
Eu sabia que existiam gays. Mas eu não pensava nisso. Eu achava que eles existiam em bairros bem distantes da minha casa. Eu era professora universitária, mas não passava pela minha cabeça que eu tinha alunos gays, e é claro que eu tinha. Era uma coisa que existia, mas muito longe de mim.

UOL Comportamento - Como os pais chegam ao GPH?
Edith -
Chegam revoltados, desesperados, infelizes, bravos... Depende muito da pessoa. Falam um monte de ofensas, mas é tudo da boca para fora. A pessoa desesperada diz barbaridades, para se sentir melhor. Os pais que não falam podem somatizar e ficarem doentes. Então, eu até prefiro quando xingam. O problema é que falam as barbaridades para os próprios filhos e filhas. Por isso que o GPH é bom, porque eles vêm falar barbaridades aqui. Eu e meu marido fazemos as reuniões na nossa casa, porque é um acolhimento de amigos. É um trabalho de identificação e ajuda mútua. Cada pai e cada mãe se identifica com o outro, troca ideias e experiências. É um trabalho terapêutico disfarçado. É como se fosse um grupo de amigos.
 

UOL Comportamento - Seu marido também participa, então?
Edith -
Participa e ele é muito bom. Tem mãe que fica dando volta no quarteirão durante meia hora e não entra. O que passa pela cabeça dessa mãe é: "Se eu entrar, eu estarei aceitando a possibilidade do meu filho ser gay". E meu marido fica na porta para receber os pais e as mães.

UOL Comportamento - Os gays também procuram o grupo?
Edith -
Você não imagina o quanto... Atualmente, temos mais procura de jovens do que de pais. Os jovens têm pouco apoio. São discriminados em casa, na escola, pelos amigos e na sociedade em geral. Aí, procuram informações na internet e escrevem [para o GPH]. Procuram porque querem contar para a mãe e não sabem como serão aceitos. A gente pensa mais no jovem, no sentido de que os pais têm o dever de dar apoio. Mas os pais também sofrem muito. Então, se forma um paradoxo terrível. Aquele que deveria dar amor, maltrata. Mas esses pais não estão fazendo isso por maldade. A maioria acha que está educando. Então, temos de falar com esses pais com muita delicadeza.

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    "Falam que eu não sou velha, sou uma mocinha sênior", conta Edith Modesto


UOL Comportamento - Você se sente como uma segunda mãe para os seus meninos e meninas?
Edith -
Sim. São todos meus filhos de coração. Eu adoro ser mãe. Eu tenho essa coisa desde menina. Tive sete filhos e teria mais se não fosse professora. Eu tenho centenas de filhos do coração e fico muito feliz quando eles estão felizes. Eu sou muito abençoada... Sou feliz, porque eu sou muito querida. Eles falam que eu não sou velha, sou uma mocinha sênior.

UOL Comportamento - Você já sofreu recriminação por causa do seu trabalho?
Edith -
Eu me acostumei a sofrer preconceito. A família [dos homossexuais] acaba sofrendo também. Mas a gente acaba tirando isso de letra. Hoje em dia, se as pessoas gostam do que eu faço e de mim, eu fico feliz. Se não gostam, eu pouco me importo. Eu tenho que dar satisfação para a minha família e para a minha família estendida, que são os pais e jovens do grupo.

UOL Comportamento - O que você diria aos pais que descobriram que têm um filho gay?
Edith -
Que é difícil, mas que o amor vai vencer. O amor sempre vence. Eu reconheço que é difícil, mas eu também passei por isso e tento fazer com que os pais se identifiquem comigo. Digo que vai ficar tudo bem... E fica mesmo. Das pessoas que entraram no GPH, nós não temos casos de rejeição. Pode demorar muito tempo, mas acaba dando certo.

UOL Comportamento - E aos filhos que acabaram de se descobrir?
Edith -
Alguns, mais novinhos, pedem para eu ensiná-los a serem iguais ao pai. E isso é muito triste. Eu digo a eles que são como todo mundo, que eles têm possibilidade de serem felizes como todo mundo, mas que precisam fazer um esforço maior do que as outras pessoas, porque, para ser gay, tem de ser muito macho. O segredo é o respeito pela dificuldade do outro. É uma injustiça, uma inversão, pedir para um adolescente ajudar o pai e a mãe. Mas, infelizmente, a gente tem de pedir.

UOL Comportamento - Todo mundo é preconceituoso?
Edith -
Eu acredito piamente que não existe gente sem preconceito. Quem afirma que não tem, vai morrer preconceituoso. Se você parte do principio de que você tem preconceito, sim, você está se dando uma chance de ficar com menos preconceito e tornar-se uma pessoa melhor. Se você diz que não tem, acabou. Você não sai mais do lugar. Não existe uma pessoa que não tem preconceito nenhum. É terrível dizer isso, mas é da natureza humana.