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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você é como Gwyneth e se frustra por ter falhado na "familinha feliz"?

Dificuldade de lidar com a frustração da separação, fez a atriz Gwyneth Paltrow prolongar o casamento que não era feliz. - Reprodução/Instagram
Dificuldade de lidar com a frustração da separação, fez a atriz Gwyneth Paltrow prolongar o casamento que não era feliz. Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

29/03/2021 04h00

Essa semana a atriz Gwyneth Paltrow abriu o coração no podcast Unqualified sobre sua dificuldade de lidar com o fim do casamento com o cantor Chris Martin : "Eu nunca quis me divorciar. Nunca quis ser não casada com o pai dos meu filhos" confessou a atriz. E a dificuldade de lidar com a frustração dessa projeção do "felizes para sempre" e da família feliz a fez prolongar uma relação já desencontrada por anos. Fiquei pensando o quanto esse desgosto ainda assombra muitas de nós mulheres e quais as consequências dele.

Racionalmente, sabemos que os divórcios cresceram 160% nos últimos 10 anos; que para os filhos é melhor ter pais separados e felizes do que pais casados em pé de guerra; que solteirice não é fracasso social e que não somos menos mulheres se não tivermos filhos. Mas parece que o coração ainda está um pouco entorpecido por toda lavagem cerebral das comédias românticas de Hollywood e dos contos de fada da Disney.

Como disse a psicóloga Valeska Zanello em uma entrevista para o Soltos s.a., "nosso valor de identidade ainda está muito conectado ao amor". Ou seja, encarar o fim de uma relação ou a incapacidade de engatar um romancinho, ressoa na gente como uma falha na nossa mulheridade. E aí, começa o perigo.

Um beijo pra autoestima e um oi para a humilhação nossa de cada dia

Valeska afirma que é muito comum que as mulheres se sintam culpadas e inseguras após o término de uma relação. "Onde foi que eu errei?" é a pergunta que gira em looping na cabeça de muitas de nós e, por pavor de encarar o fim, muitas vezes nos desdobramos em mil para tentar agradar o cara e reacender a chama da paixão.

Quantas vezes você já não fez demonstrações de amor estrambólicas ou engoliu grosserias a seco como se fosse uma espécie de mártir do amor romântico? Repassando mentalmente aqui algumas das minhas relações (bem abusivas, hoje percebo) do passado, fica claro o quanto estar tomada pela culpa e pelo medo do fim me fez passar por cima de meu amor-próprio e colocar em risco minha sanidade mental.

Já viajei de madrugada até Campos do Jordão atrás de um ex-recente; já me endividei criando cenários de filme para tentar representar fora o amor que já não tínhamos dentro; já disse que não me importava e que perdoava traições recorrentes para que pudéssemos recomeçar nosso amor. Por que mesmo? Por que estava com medo.

Infelizmente eu e Gwyneth não somos exceção nesse comportamento apaixonado e negacionista. Diariamente recebemos relatos de mulheres no inbox do Soltos s.a. sobre suas angústias para se reaproximar do quase namorado ou reconquistar o marido distante. Percebo em todas nós um comportamento quase histérico: o tal medo de lidar com o vazio, a frustração e a sensação de derrota são tão grandes, que esquecemos de nos perguntar: Por que mesmo eu quero ficar com essa pessoa?

Conversar é preciso, mas de igual para igual.

Acho muito válido batalharmos pela reconstrução das histórias. Em épocas onde tudo é descartável, acho louvável termos a maturidade de sentar para conversar e tentar ajustar expectativas e resolver pontos de conflito. Infelizmente, conversar está cada vez mais difícil e, quanto mais machucados estamos, mais ficamos propensas a interpretar todas as ações do outro como uma falta de amor e de respeito, o que nos deixa mais frustrados, raivosos e distantes.

A própria Gwyneth assume na entrevista que nunca soube conversar sobre as relações. "Eu era dessas que brigava e se fechava. Só aprendi a conversar sobre o que incomoda com meu segundo marido. Ele diz 'não, você não vai se fechar. vamos sentar e resolver isso'.

Entrevistamos o psicólogo e terapeuta de casais Alexandre Coimbra Amaral e ele afirma: "aprender a se relacionar dá muito trabalho. Muitas pessoas ainda veem o relacionamento como um espaço hedonista, de busca absoluta pelo prazer. Se quisermos crescer num relacionamento precisamos assumir que ele será um lugar de aprendizagem, escuta e vulnerabilidade".

Às vezes resolver a dois é difícil. Pedir ajuda não é falhar ou "apelar para os universitários". Cada vez mais jovens casais têm buscado terapia de casal e esse pode ser um recurso utilizado até em namoros. Ter um mediador ajuda a gente a perceber a lógica e as limitações do outro e a sairmos de um pensamento simplista onde há um culpado e uma vítima.

É maravilhoso exercitarmos a escuta e a empatia e estarmos de coração aberto para ouvir as razões do boy sobre esse esfriamento e desencontro da relação. Mas a sacada é sair da reação automática motivada pelo desespero e desamparo que nos faz dizer "me desculpa por tudo, faço o que você quiser, você tem toda razão".

Com ou sem ajuda de terceiros, acho importante termos a coragem de nos colocarmos nesse diálogo da relação de igual pra igual. Por mais que nosso coração esteja doendo, por mais que a gente ame muito a pessoa, por mais que estejamos apegados aos planos e sonhos que construímos juntos? nada disso pode ser maior do que nosso amor próprio. Querer reparar é lindo. Mas aprender a colocar suas dores e suas condições para a construção dessa nova relação, é mais bonito ainda. Quando a gente entende que tem o direito de se colocar e o faz de forma amorosa e construtiva, as chances de reconstruirmos uma relação mais saudável são maiores.

Que sigamos acreditando no amor. Mas sem ser reféns do felizes para sempre. Que batalhamos por felicidades possíveis, permeadas de conversas e ajustes de rota. Mas, caso cada um siga seu rumo, que a gente possa viver o luto sem duvidar de nossa essência e sem deixar que o ex-parceiro a coloque em cheque também. O roteiro da vida tem mais nuances que os de Hollywood e, com um exercício diário de amor próprio, podemos viver as histórias que estão por vir através de outros papéis. Se a Gwyneth conseguiu, por que não conseguiremos?

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