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Vitão diz que ficaria com homens e mulheres criticam. Isso é machismo?

Vitão (Foto: Reprodução/ Instagram) - Reprodução / Internet
Vitão (Foto: Reprodução/ Instagram) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

28/09/2020 04h00

Semana passada o cantor Vitão causou alvoroço em um vídeo respondendo perguntas de fãs. Um deles questionou se o cantor já teve curiosidade de ficar com homens. Com muita naturalidade ele respondeu no vídeo abaixo:

Vocês pegariam o Vitão?

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Pronto, foi o que a internet precisava para cair matando em cima do menino. Mas o que me impressionou foi o número de comentários pejorativos e críticas nada educadas feitas por mulheres. Frases como "Homem de vdd não tem essas curiosidade não"; "Essa coca é fanta!" ou "Pelo som do berimbau esse c* vai levar pau" foram algumas das pérolas proferidas pela mulherada, que se mostrou muito mais ácida e cruel do que os homens. Isso me gerou um incômodo gigante e reforçou uma hipótese que já vinha observando ao entrevistar homens fora do perfil do macho alfa para o nosso canal Soltos s.a: O machismo e uma certa homofobia rolam soltas no olhar, nas escolhas e nas colocações de muitas mulheres.

Queridas amigas pseudo-desconstruídas, de que vale a gente reclamar dos machos babacas se reproduzimos o mesmo machismo ao avaliar os homens com quem nos relacionamos? Estamos reproduzindo a lógica do opressor no piloto automático? Quem ganha com isso?

Bissexualidade masculina ainda é tabu

Nós, mulheres, batalhamos pelo empoderamento e pela liberdade na vida sexual em nossas próprias vidas mas julgamos os coleguinhas que se aventuram na experimentação. No começo do ano o reality show Casamento às cegas do Netflix retratou exatamente esse preconceito: Carlton e Diamond viviam o puro romance até o moço contar pra ela que já tinha tido uma relação com outro homem. Não só Diamond não segurou a onda como se sentiu profundamente ofendida e no direito de esculhambar seu ex-futuro marido com ofensas pra lá de pesadas, assim como as recebidas por Vitão. O que ganham essas mulheres ao menosprezar o desejo do outro? Diminuir ou questionar a masculinidade do coleguinha as torna mais poderosas?

Parece que o fato do cara apenas cogitar que pode um dia ter desejo por outro homem é uma ferida na honra dessa mulher, uma traição do protocolo?

"As pessoas tendem a pensar que nós [bissexuais] não nos decidimos ainda, não somos capazes de estar em relacionamento monogâmicos bem-sucedidos, e que somos sexualmente promíscuos" desabafou Carlton.

Já está na hora de desapegar do clichê que mulher bi é mulher livre e homem bi é um gay que não teve coragem de sair do armário. Freud já dizia que todo ser humano tem uma bissexualidade psíquica, ou seja pode construir relações afetivas com pessoas de ambos os sexos, e isso não deveria ser considerado um problema. "Temos a ideia de que as mulheres transitam mais na bissexualidade do que os homens mas já em 1948 o biólogo e sexólogo americano Alfred Kinsey criou a escala Kinsey, que propunha uma graduação de 0 a 6 em que em 0 o sujeito era exclusivamente heterossexual e em 6 exclusivamente homossexual. No estudo 12% dos homens poderiam ser encaixados no nível 3 (bissexual) vs. 7% das mulheres" comenta o psicanalista Raphael Andrade.

"Não quero o cafajeste mas duvido dos sensíveis". Pode isso, produção?

E como se não bastasse questionar a masculinidade dos homens bissexuais, também tem muita mulher trucando a masculinidade de homens héteros com posturas mais sensíveis ou vaidosas.

Ao mesmo tempo em que aparentemente os homens chucros e machistas estão caindo em desuso (já não era sem tempo), a verdade é que a mesma masculinidade tóxica que a gente critica ainda é usada como balizador de virilidade por muitas mulheres. Provavelmente as suas rodas de amigas são como a minha: cheia de mulheres clamando por caras sensíveis, desconstruídos, cabeça aberta. Mas na hora do vamos ver, qualquer atitude que saia da caixinha das "coisas e posturas de homem" ainda são lidas com desconfiança e traduzidas com o famoso "certeza que ele é gay!" ou "deve ficar com homem escondido".

A gente reclama da postura misógina dos homens e problematiza as conversas sexistas dos grupos de whatsapp masculinos, mas me incomoda perceber que muitas de nós mulheres acabamos por reproduzir o mesmo comportamento do macho babaca no churras de futebol

Entrevistamos um cara incrível pro canal que relatou se orgulhava por ser desconstruído desde criança: "sempre fui um cara mais sensível, tenho um olhar ligado à estética: gosto de camisas estampadas, de ter uma decoração legal em casa, comprimento meus amigos homens com beijinho. Cresci com mulheres fortes ao meu lado e respeito muito o feminino." relatou Luis. Em teoria o match perfeito, certo? Mas o mesmo respeito muitas vezes não encontrava eco nas mulheres que o rodeavam. Em brigas de final de namoro Luis já teve que ouvir: "pode me falar logo que você é gay, todas as minhas amigas me alertaram disso, sai do armário logo, querido!". Achei bonito como ele comentou a colocação da ex sem noção: "Ela fala como se "gay" fosse um xingamento, algo pejorativo. Eu tenho vários amigos gays e amo eles. Se tivesse vontade de ficar com homens ficaria sem problemas. Mas gosto de mulheres."

Se desejamos tanto um cara sensível, porque julgamos todos os homens que fogem do padrão "macho alfa" como homens com uma heterosexualidade questionável? O que a gente ganha com esse tipo de conduta? Sou super trabalhada na sororidade mas nessas horas meu sangue sobe e me dá vontade de torcer pra que essas mulheres se envolvam com os tais machões alfas babacas e me digam se o problema é ter um parceiro que beija os amigos no rosto ou um que te trata como objeto sexual.

Você pode substituir o julgamento por encontros mais soltos e interessantes

Sabe aquele discurso de que "mulher independente e bem-sucedida assusta homem"? Estou começando a achar que tem rolado um "homens sensíveis ou com a sexualidade fluida assustam as mulheres"...

E se em vez de de vivermos todos assustados a gente se permitir ter mais encontros com pessoas reais, que estão experimentando caminhos para serem felizes? Se a gente quer caras mais desconstruídos e encontros mais afetuosos não está na hora de se desconstruir também? Ou vamos seguir ecoando o discurso babaca da galerinha do futebol e depois reclamar com as amigas por que as coisas não mudam?

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