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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O dia em que eu desmaiei na sala da Danuza Leão e ela achou isso chique

Colunista de Universa

23/06/2022 10h59

"Ah, não. A Danuza morreu". Não é fácil acordar com essa notícia. Afinal, além de minha ídola, Danuza Leão foi uma pessoa que tive a honra de conhecer. Ela era avó dos meus amigos e protagonista uma das minhas histórias de carreira que nunca vou esquecer.

"A Nina é muito chique. Há muito tempo não encontrava uma mulher que desmaia". Foi assim que, há mais de 15 anos, Danuza Leão, passou a me definir para seus familiares (também meus amigos). A parte de ser chique é generosidade dela, mas está conectada com um fato real. Danuza, de fato, me viu desmaiar. Mais que isso, eu desmaiei em sua casa durante uma entrevista. O maior mico jornalístico da minha vida. E Danuza, genial, rápida e com um humor incrível, logo definiu esse momento humilhante como "algo muito chique".

Explico. Em uma tarde quente carioca, fomos entrevistar Danuza para a revista "Tpm", onde eu trabalhava. A equipe era do barulho: além de mim, estava meu amigo Xico Sá (também amigo da família de Danuza e dela própria) e seu neto, nosso amigo João Wainer.

Foi uma tarde muito louca. Basicamente passamos a tarde fumando (Danuza e eu), tomando uísque (Danuza e Xico). Juro que eu tentava fazer a entrevista. Mas Xico e Danuza se empolgaram e começaram a ouvir canções antigas do Roberto Carlos.

Até que ... eu desmaiei no sofá. Sério. Tive um teto preto e comecei a pedir ajuda. "Ernestina! Ernestina, traz um sal", gritava Danuza, pedindo socorro para sua empregada. Aos poucos voltei a mim. Mas a entrevista não ficou nada boa.

Danuza morava na época em um prédio do aterro do Flamengo chamado "Seabra", um monumento com arquitetura gótica que é famoso na cidade. Nesse dia, ao nos deixar lá, o taxista disse: "essa mulher que vocês vão entrevistar deve ser uma bruxa". João respondeu: "a bruxa é a minha avó".

Todos os contatos que tive com Danuza foram intensos e marcados pelo humor. Ela era uma pessoa generosíssima, que acolhia os amigos dos netos como se fossem seus também. Cheguei a ela por meio da artista Rita Wainer, sua neta. Era o suficiente para Danuza virar minha íntima.

Lembro de um dia em que a encontrei em um evento organizado pela Rita para novos estilistas. Danuza tinha acabado de lançar sua biografia, o ótimo best seller "Quase Tudo". Assim que a vi, disse: "Danuza, amei o livro!". E ela me respondeu: "e o meu cabelo? O que você achou do meu cabelo? Eu lá quero saber o que você achou do meu livro?!"

Danuza, pela primeira vez, tinha cortado o cabelo curto. Estava mais interessada nisso e em se divertir com a gente, uma turma maluca de estilistas e jornalistas reunidos pela Rita. Danuza logo ficou amiga de todo mundo. O estilista Dudu Bertholini, por exemplo, a partir dali virou seu confidente.

Danuza era assim: curiosa, engraçada e sem nenhum ar de madame.

A mulher mais descolada do Brasil

Conhecê-la, para mim, não foi uma coisa qualquer, claro. Desde pequena acompanhava sua trajetória e lia suas colunas do Jornal do Brasil. Depois, virei sua leitora na Folha de S Paulo. Foi quando a conheci. E ela amava escrever para jornal. Dizia que enchia os editores de perguntas, não se sentia segura com as crônicas. Ou seja, ela era normal, igual a gente.

Antes de virar escritora e jornalista, o que para ela foi uma surpresa, Danuza foi promoter de boate, talvez a primeira mulher famosa a ganhar dinheiro sendo clubber. Ela era "directrice", como se falava na época do regime militar e da Hippopotamus, uma das discotecas mais badaladas do Rio de Janeiro. Antes foi modelo internacional, esposa (nada comportada) dos gênios Samuel Wainer e Antônio Maria.

Lia sobre ela nos jornais, ouvia minha mãe comentar. Todos falavam dela. Danuza era a mulher mais descolada do Brasil quando eu era criança.

Depois que a conheci, entendi o porquê. Ela era curiosa, gostava de gente e de fazer amigos.

Nos últimos tempos, Danuza andou escrevendo umas bobagens. Falou que "viajar para Paris tinha perdido a graça porque agora até o seu porteiro ia" (era época do governo Dilma). Nesse caso, ela disse que usou um exemplo infeliz. Se desculpou. Quem não erra?

Alguns anos depois, ela pegou mais pesado ainda. Disse que "ser assediada fazia bem para as mulheres" e foi contra movimentos como o "Me Too".

Nada disso diminuiu a minha admiração por ela. Encarei como uma de suas muitas fases. Um surto. Além de, claro, choque de gerações. Ela já tinha mais de 80 anos quando escreveu isso! Ela foi educada nos anos 50. As coisas mudam.

Espero, sinceramente, que Danuza não seja lembrada por esses vacilos que cometeu já nos seus 80, mas por sua liberdade, pela sua vida intensa e sua generosidade.

Obrigada, Danuza Leão. Vou me lembrar de você sempre que eu desmaiar (não que isso aconteça sempre, claro).