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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Saul Klein: ele estaria solto se vítimas não fossem pobres?

Colunista de Universa

29/03/2022 04h00

"Eu só tinha 17 anos" . "Ele me machucou". "Eu pedia para ele parar e ele não parava". "Ele fez sexo comigo depois de eu ter tentado suicídio, ainda com os pontos no pulso". As frases acima são as "mais leves" ditas por vítimas de Saul Klein no documentário "Saul Klein e o Império do Abuso", lançado nesta terça-feira (29) por Universa/UOL.

Na série, vítimas, amigos e testemunhas relatam o esquema de de abuso mantido pelo milionário. O escândalo veio à tona em 2020, em uma série de reportagens publicadas por Universa depois que vítimas procuraram grupo de apoio a mulheres para denunciá-lo.

Graças a denúncias de vítimas, soubemos que o empresário recebia meninas de todo o país em troca de dinheiro e presentes. Algumas delas foram estupradas.

As vítimas seguiam alguns padrões. Um dos mais marcantes: elas eram meninas pobres, sem acesso a luxos. Saul e seus cúmplices (ele contava com ajuda de uma imensa equipe para organizar os "eventos") usavam a pobreza para explorá-las sexualmente.

Por exemplo, elas nunca tinham pego um avião, a equipe de Saul providenciava essa "cortesia". Elas eram aceitas em mansões e e spas. Em troca, viviam o horror.

"Ele era rico, eu sou filha de empregada doméstica", diz uma das testemunhas.

Essa frase diz muito.

Saul é milionário. E por isso mesmo continua impune. Ou alguém acha que se um homem pobre fosse acusado de tantas coisas terríveis por tanta gente ele estaria solto? A classe social das vítimas também deve fazer diferença. Dá para imaginar que um abusador de meninas filhas das classes mais abastadas e influentes ficaria solto?

Sim, é chocante. Mas o empresário está livre. E também não perdeu sua fortuna ou teve seus bens bloqueados.

No momento, ele é investigado em liberdade. E, segundo seu advogado fala no documentário, anda "chateado" de ver o que tantas meninas que ele "ajudou" falam sobre ele.

Chocante? Sim, muito.

Mas é até possível que no delírio do poder e do dinheiro, ele nem tenha noção dos crimes que fez contra essas mulheres.

Afinal, ele cresceu vendo isso. Seu pai, Samuel Klein, morto em 2014, também é acusado de ter mantido uma rede de pedofilia por anos e passou impune. O esquema era o mesmo, explorar meninas pobres em troca de dinheiro e presentes.

Se não aconteceu nada com o pai, que continuou sendo um homem influente, por que aconteceria com o filho?

Eles são brancos, milionários e sabem muito bem o quanto a justiça no Brasil é generosa com eles, que podem tudo.

E quem disse que eles veem essas meninas como pessoas? Provavelmente não, já que eles são pais, avôs, e é de se imaginar que não conceberam suas filhas e netas sendo vítimas do mesmo crime.

Outro motivo que deixa claro que Saul deve mesmo viver em um delírio de poder: ninguém o denunciou até 2020. Nenhuma funcionária, colaborador, ninguém. Tudo foi visto com normalidade. "A gente sabia que ele era um cara namorador", diz um amigo de Saul do documentário.

Sim, quando são milionários, pedófilos e abusadores de mulheres são vistos como "excêntricos".

As meninas eram recrutadas por "funcionárias" do empresário. Ou seja, esse esquema aconteceu sob o olhar de centenas de pessoas que não fizeram nada. O poder também interfere nesses casos. As pessoas, mesmo quando veem que há algo errado, já pensam: "ah, ele é rico, não vai dar em nada".

Mas tem que dar. Espero que o excelente trabalho de jornalismo que documentário ajude a justiça a avançar, pelo menos um pouco.