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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cassação de Arthur do Val seria o melhor presente neste Dia da Mulher

Deputado de São Paulo Arthur do Val                              - Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Deputado de São Paulo Arthur do Val Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Colunista de Universa

08/03/2022 04h00

Nos grupos de apoio a refugiadas que chegam da Ucrânia em Berlim (cidade onde moro) há um aviso constante: "tomem cuidado com homens sozinhos que querem levar mulheres refugiadas para casa. Se sentir que eles têm má intenção, chame a polícia imediatamente".

O aviso faz sentido. No momento em que milhares de pessoas na cidade, cheias de solidariedade, oferecem suas casas para os refugiados que chegam (cerca de 30 mil em apenas 3 dias), pode haver estupradores e homens envolvidos em esquemas de tráfico de mulheres.

Por isso, se um voluntário vê um homem, por exemplo, comentando que "as mulheres são bonitas" e tentando levá-las para casa, ele vai chamar a polícia. Imagina se o homem em questão falasse o que Arthur do Val, o Mamãe Falei, deputado pelo estado de São Paulo, que falou em um áudio enviado para um amigo quando estava na Ucrânia: "as mulheres aqui são lindas e são fáceis porque são pobres".

Esse homem, claro, seria detido imediatamente e investigado. Afinal, seria de se suspeitar que quem pensa assim durante uma guerra pode ser um estuprador ou alguém envolvido em uma quadrilha de tráfico de mulheres.

No caso de Arthur do Val, ele provavelmente não vai ser preso. Mas o mínimo que nós, mulheres, podemos pedir neste Dia das Mulheres tão estranho é que ele perca seu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Esse seria o melhor presente que poderíamos ganhar na data de hoje. Não é possível que um homem que olhe com olhos de turismo sexual uma zona de guerra continue sendo deputado, pago com o dinheiro da população e ocupando um lugar de autoridade.

Olhar para mulheres em zona de guerra com tara e não com piedade é uma prática comum, mas por parte de estupradores, não de deputados. O estupro, como bem lembrou o colega Jamil Chade, é uma prática terrível, mas comum, em tempos de guerra.

Semana passada, o Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, acusou soldados russos de estuprarem mulheres em cidades ucranianas ocupadas. Isso, infelizmente, não surpreende. Historicamente, é comum que mulheres sejam estupradas pelos invasores. Elas, sozinhas e cuidando da família, viram uma espécie de prêmio para esses invasores. São tratadas como coisas.

Na Alemanha, por exemplo, houve uma onda de estupro em massa durante a Segunda Guerra. Os aliados, ao chegar, estupravam as mulheres que tentavam sobreviver à guerra. Os soldados nazistas, claro, fizeram o mesmo nas cidades que conquistaram. Calcula-se que 2 milhões de mulheres tenham sido estupradas na Alemanha. Só em Berlim, teriam sido 100 mil.

O horror é descrito no livro "Uma mulher em Berlim", o diário real de uma jornalista que ficou sozinha em Berlim na Segunda Guerra. Ali, a mulher conta, anonimamente, que foi vítima de estupro coletivo que algumas vezes, desesperada, se deixou estuprar em troca de comida. O filme, e o livro baseado na obra, causaram escândalo quando lançados.

Tem desespero maior do que uma mulher se deixar estuprar em troca de comida? É terrível, triste e desesperador.

Por respeito a todas essas mulheres, e há aquelas que sobrevivem e fogem agora da Ucrânia, Arthur do Val, realmente, não pode continuar a ser deputado.