"Perifericu" é o filme mais transgressor que você vai assistir em 2020
Por Well Amorim, jornalista, bixa preta periférica, diretor de fotografia e produtor executivo do Perifericu, especial para o blog MULHERIAS
No início do ano, na 23a. Mostra de Cinema de Tiradentes (MG), a equipe do filme Perifericu fez um pancadão de rua para comemorar o Prêmio de Curtas que havia acabado de ganhar. Era necessário possibilitar a nossa existência em um ambiente tão hegemônico como o dos tradicionais festivais de cinema.
Éramos umas 15 pessoas, todas da quebrada, entre atores, produtores, técnicos, além das quatro diretores do curta-metragem que fala sobre ser mulher, negrx e LGBT+ no contexto periférico de São Paulo. Duas delas são DJs e um carro com farol ligado foi a iluminação da nossa pista na praça do festival. Fomos expulsos da rua pela polícia por reunir tanta gente "perigosa em conjunto".
Mas quem somos nós? Para começar, corpos pretos periféricos como as personagens Denise e Luz, que são amigas e vivem no Grajaú, no extremo Sul de São Paulo. Moram especificamente na Ilha do Bororé, onde muitos nem imaginam que exista uma balsa para atravessar a represa e só assim se chegar em casa.
Denise e Luz (interpretadas respectivamente por por Stheffany Fernanda e Vita Pereira e que também dirigem o filme) são potências colocadas à margem mas que se impõem no mundo. Fazem isso, porém, com muito afeto. Descolonizam sua existência com ancestralidade e uma boa dose de deboche. Elas existem e estão aqui, todos os dias, no gerúndio, amando, dançando, sonhando, sendo o que são. Ou melhor, o que somos.
Nossa equipe diversa, assim como os personagens e figurantes do filme, existem entre as poesias dos saraus periféricos e as músicas evangélicas de louvor. O que somos existe entre a dança vogue e o busão, o trem ou a balsa. Entre o desemprego, o corre pra fazer dinheiro com bicos e os nossos sonhos e paixões. Somos seres poéticos e políticos. Reais, de verdade, não apenas os retratos sem voz do noticiário policial ou dos estereótipos que outros nos dão por ai.
A Mostra Tiradentes, conhecida por sua curadoria atenta, não foi a única que nos premiou. Ganhamos em todos os festivais em que nos inscrevemos até agora. Entre eles, fomos eleitos pelo júri popular como melhor melhor curta-metragem nacional e levamos o prêmio Suzy Capó de obra mais transgressora do Festival Mix Brasil 2019, voltado para o público LGBTQ+. E isso aconteceu logo no dia 20 de novembro do ano passado, Dia da Consciência Negra. Tão simbólico, tão importante.
"Perifericu" está rodando pelas mostras de cinema nacional e já partiu para o mundo. Até domingo (11/10) é possível assistir o filme no festival Mov.Cidade, evento que trata da relação das pessoas com os centros urbanos a partir da arte. É só clicar aqui. Depois, vamos para o 3° Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbu, que vai ocorrer entre os dias 21a 30 de outubro, e muitos outros estão em agendamento.
Gosto de dizer que a gente faz cinema para contar a nossa versão das nossas histórias. A gente faz cinema para possibilitar imaginários para os nossos. E o nosso cinema é outro, é comunitário, independente, pretx, LGBT, periférico... Então, ao escrever sobre o filme não falo só por mim. Falo de todo o nosso direito de existir.
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