Como a "estratégia de quilombo" pode salvar negócios e garantir empregos
Com reportagem de Juliana Martins, especial para o blog MULHERIAS
Três meses depois de inaugurar uma loja colaborativa num shopping, eles tiveram que se reinventar. "A pandemia chegou e nós, oito pequenas marcas de empreendedores negros, nos vimos diante de um desafio imenso: nos sustentar, pagar investimentos e funcionários e ainda evitar o corte dos cerca de 50 colaboradores indiretos que estão conosco", conta Jaciana Melquiades, de 36 anos, da marca de brinquedos afrocentrados Era uma vez o mundo, que produz bonecas negras. "Apenas 7% desse mercado dá conta da nossa ascendência africana", completa a empresária, ciente de sua missão.
Visibilidade negra e afroempreendedorismo, sim, são mais que negócio na loja colaborativa Pop Afro ,que fica no Madureira Shopping, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Além das lindas bonecas, há também roupas que reconfiguram as tradicionais capulanas africanas, acessórios de moda que remetem aos orixás, objetos de decoração e cadernos escolares que reafirmam a beleza do cabelo black e até produtos relacionados a uma festa de público afro da cidade. Tudo feito por pessoas pretas com intenção de valorizar as raízes negras do Brasil.
Assim como os quilombos se constituíram como territórios de resistência e economia solidária, a PopAfro é um guarda-chuva de iniciativas sem competição, com partilha de redes de contatos, saberes e trabalho coletivo. A ideia de quilombo urbano foi colocada à prova nesta pandemia e os empreendedores decidiram que as marcas mais lucrativas iriam amparar as menos rentáveis.
"Foi um esforço coletivo montar o nosso espaço. E o que nos une é, justamente, é a importância de falar da nossa identidade e a troca de saberes em rede que, sabemos, já é algo ancestral por si só", pontua Drayson Menezes, de 29 anos, estilista e proprietário da grife @Galo Solto, que inova o mercado da moda com suas saias masculinas e roupas sem gênero. A ancestralidade e a modernidade, de fato, fazem parte da filosofia dos negócios do grupo.
Em conjunto, todos negociaram os aluguéis e pensaram em saídas alternativas. Entre elas, estava a necessidade de contemplar a especificidade das donas da marca Axante Presentes, que são portadoras de Lupus, doença autoimune que as coloca no grupo de risco da Covid-19. Criadoras de estampas com personagens que exaltam as raízes e a beleza empoderada das mulheres negras em diferentes objetos, elas passaram a cuidar do atendimento virtual dos clientes e divulgação da loja coletiva.
Ao longo dos meses de confinamento, a loja PopAfro criou a campanha "Estamos juntos à distância" para conscientizar seus cerca de 50 colaboradores. Houve remanejamento de funções, acordos salariais e orientação para a criação de MEI para pagamento por nota fiscal em alguns casos.
Ligia Parreira, de 38 anos, criadora e criativa da grife de roupas Devassas.com, conta que não demitiu ninguém, mas renegociou pro-labores. "A melhor estratégia foi reduzir a carga horária de prestadores de serviços e começar a colocar mais a mão na massa em processos que eu terceirizava". O processo de digital da empresa, que vinha sendo protelado, foi acelerado, assim como o serviço delivery.
Na estratégia coletiva, algumas marcas participaram de editais de financiamento voltados para afroempreendedores e conseguiram aportes para os custos fixos. Outras esticaram as reservas para garantir pagamentos e criar a venda on-line enquanto a loja física seguia fechada a partir de março.
Marlon Diniz, de 33 anos, da marca de roupas e acessórios Yolo Love & Co conta que manteve todos os seus funcionários. "Alguns remanejamos funções ou atribuições. Os vendedores, por exemplo, vendedores passaram a trabalhar home office em vendas online".
Já a estilista e modelista Andrea Villas Boas, de 44 anos, dona da marca VB Atelier, conta que aprendeu a empreender a partir da escassez. "Como nossos ancestrais, passei a criar metas possíveis e recomeçar com o material que eu tinha em casa". Ela usou seus tecidos africanos para criar máscaras com para uma campanha que movimentou pessoas de todo o Brasil em prol da manutenção e cuidado do povo negro.
A venda de máscaras com tecidos coloridos na loja colaborativa da PopAfro do Instagram fortaleceu outra empreendedora da loja, Maria Adelaide, de 42 anos, o Atelier Maclade. "Uma cliente que me fez pensar muito sobre os tecidos quando disse que se sentia invadida usando máscara porque se lembrava dos escravos, da Anastácia", lembra. "Mas ficava mais confortável ao usar as coloridas porque tiravam um pouco desse peso, né?, dessa lembrança da escravidão", conta Adelaide, feliz por dar conforto e alívio à cliente.
Abaixo, Adelaide mostra a colaborativa que está sendo reaberta com todos os cuidados. Os donas das marcas estão se revezando com os vendedores no atendimento presencial:
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