Cópia ou inspiração: qual o limite da criatividade na moda?
A moda é uma indústria multibilionária, que, apesar de todas as crises, continua crescendo. Num mundo em que roupas são consumidas e descartadas cada vez mais rápido, muitas marcas apelam para a reprodução de produtos de terceiros para manter a roda girando. A cópia, nesse segmento, não é um tema necessariamente novo. Muitos artigos, pesquisas acadêmicas e até projetos de lei prevendo a aplicação de leis de direitos autorais já foram produzidos e debatidos à exaustão.
De acordo com o professor de história de moda da FAAP, Fernando Hage, é impossível falar nesse mercado sem falar de cópia. "Quando a moda surge enquanto sistema, vem ligada à ideia da influência de classes. Pessoas importantes da sociedade ditavam padrões que eram seguidos pelas outras. Ou seja, esses padrões eram copiados. Então, até hoje, para que uma coisa vire moda, ela precisa ser replicada, difundida e, portanto, copiada."
Várias mudanças recentes nas engrenagens desse tal "sistema" parecem trazer de volta a pergunta: existe algo realmente novo? Para se ter uma ideia, Levi Strauss inventou a calça de denim em 1873. E há quem diga que a última coisa realmente nova que aconteceu no segmento foi nos anos 60, quando Mary Quant inventou a minissaia. Hoje ambas podem ser encontradas em qualquer loja de roupas.
Em tempos pós-modernos, parece que a ideia de cópia estar sempre relacionada a algo imoral ou abominável tem um sentido cada vez mais elástico. Para refletir sobre isso, vamos voltar mais ou menos uns quinze anos. Ali, perto dos anos 2000-2005, vivíamos o auge do fast fashion no mundo, quando gigantes como H&M e Zara começaram a difundir a ideia de "democratização".
Sem entrar no mérito de todos os milhares de problemas do fast fashion, o que essas marcas faziam era pegar uma informação bastante elitizada e restrita às passarelas de marcas de luxo e interpretar isso num produto muito barato, feito em larga escala e produzido de maneira global.
Nessa época, houve um boom nas discussões sobre copyright. Será que uma fast fashion podia usar as listras vermelhas e verdes que eram marca registrada de uma marca como a Gucci? E, pior, podia copiar um estilista menos conhecido que ninguém ia saber? Quais os limites da inspiração? Conversas sobre isso pipocavam nos blogs e redes sociais e até reportagens falando sobre cópia na moda brasileira não paravam de aparecer.
Olhando para trás, dá pra dizer que o que as fast fashion fizeram foi pressionar as marcas de luxo, que de repente não conseguiam acompanhar mais o tempo das vendas. Só que, na moda, tempo é desejo e o resultado foram várias marcas grandes correndo atrás do próprio rabo, num calendário ultrarrápido, com trocentos lançamentos por ano.
Hoje a gente vive um novo momento de pressão. Agora, quem sai na frente é o mercado de "ultrafast fashion", com marcas como Fashion Nova e Asos, criadas online, feitas para o universo on-line e que se renovam no ritmo dos stories e do Tik Tok. E isso, com certeza, tem uma ligação muito direta com a questão da inspiração e da cópia, porque agora o novo está na internet, sendo transmitido para quem quiser ver (e reproduzir).
Segundo a pesquisadora de tendências de consumo Rebeca de Moraes, o desejo é gerado por marcas e estilistas copiados. Mas agora eles são outros. "Nos tempos em que vivemos, faz muito menos sentido copiar grifes de luxo porque já não são mais elas que motivam o consumo e sim os influenciadores. As grandes marcas de moda, as que prezam por qualidade e por narrativa, hoje têm (ou pelo menos deveriam ter) a preocupação de resgatar seu poder artístico e histórico e, por meio da beleza e do desejo, dizer alguma coisa sobre o seu tempo.
É justamente o que quem passou a se preocupar apenas com o tempo da venda não conseguiu fazer. E, sendo bem clichê: dizem por aí que a criatividade é um músculo: precisa ser exercitada ou vai se perdendo. Nessa lógica das cópias, disparada pelo gatilho do capitalismo ultra rápido de hoje, só se pode esperar que não seja tarde demais.
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