Topo

Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Até troca fralda": precisamos parar de idolatrar homens que fazem o mínimo

Cuidado doméstico e da família é responsabilidade de todos que dividem uma casa - Getty Images
Cuidado doméstico e da família é responsabilidade de todos que dividem uma casa Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

22/06/2021 04h00

E aí, você curte lavar louça? Eu curtia... Achava terapêutico. Tinha uma espécie de ritual quando lavava a louça. Esse momento até já me rendeu boas ideias.

Colocava uma musiquinha gostosa e, muitas vezes, tinha um vinho ou uma cervejinha me fazendo companhia nessa "animada" tarefa.

Primeiro, jogava os restos de comida no lixo para manter alguma estética e evitar que aquilo se parecesse com a cena de um crime. Depois, com a buchinha batizada por detergente, acariciava cada prato e cada talher com esmero, delicadeza. Que divertida a espuma! E como pode ser prazeroso o seu contato com as mãos...

Para copos e xícaras, reservava uma outra esponja. Afinal, quem vai querer beber em um copo que possa guardar lembranças de porco?

E o enxágue? Ah, o enxágue. Dosar a saída d'água para encontrar a batida perfeita. Fluída. Sem espalhar água demais, mas que a permitisse deitar e correr gloriosa sobre o prato. Um verdadeiro balé. E o movimento do depósito da louça sobre o escorredor?

Separava todo mundo por grupos — copos, pratos, talheres. Só depois, seus amigos pesadões, formas e panelas. Que satisfação dispor copos e pratos em uma progressão de tamanhos. Quanta paz aquela imagem podia trazer?

Assim como muitas outras relações, no último ano, essa relação ficou muito abalada. Os sons que se ouvem na cozinha são secos, exasperados. Já não há mais magia, nem cuidado.

Sinto ódio da frigideira dos ovos mexidos! O que é aquilo que ela faz com a esponja? Será que tem um vídeo no YouTube que mostre frigideiras à prova de ovos mexidos ou ensine essa limpeza de uma maneira que me poupe os nervos?

O escorredor se tornou dodecafônico. Não deixa de ter sua beleza, mas me perturba, me provoca. Outro dia, até encontrei um garfo mal lavado, com memórias da janta.

Que brisa, hein, garota? É, brisa forte. Nada como uma imersão na relação para ser atravessada pelos seus gradientes...

Se a relação com a louça suja virou essa hecatombe na minha vida, imagina só como é para quem precisa lavar a louça, a roupa, limpar o chão, tirar o lixo, tirar o pó, varrer, estender os lençóis da cama, limpar os vidros. Tudo isso, o tempo todo.

Calma aí, que pode ter mais: levar e buscar filhos na escola, agendar médico, dentista, participar de reunião com a professora, comprar roupas, marcar a festinha de aniversário. Fora isso, ainda precisa resolver tretas no grupo de WhatsApp das mães, que, naturalmente, é só de mães.

Senta aí, que tem mais. Você não vai botar fé, mas essa pessoa também tem uma "outra vida": o trabalho fora de casa. Acho desnecessário detalhar, mas esse envolve no mínimo oito horas diárias da nossa "heroína".

Ah, é uma mina? Ué, me conta aqui quantos homens você conhece que façam todas essas coisas. Conheço, sim, ele arrasa. É sensacional, até troca as fraldas. Entendi. Ele é celebrado como um cara fodão, né? Um espécime sem igual? Ora, ora.

Tarefas domésticas e cuidados com os filhos, todos eles, devem ser compartilhados pela família inteira. E não se trata de ajuda, não. É trabalho colaborativo dos membros daquele núcleo, sem exceção

Um pedido para os que educam e cuidam de crianças: ensinem os pequenos humanos ao seu redor a serem grandes humanos.

E, se você for vítima de um babaca que pensa haver coisas que são "assunto de mulher", tirando seu lindo botão da reta, experimente dar uma de louca e deixar de fazer essas coisas por um tempo. Se ainda assim a criatura não se ligar, vaza! Vaza enquanto há tempo.