Não se isole: relacionamento abusivo pode acabar em morte
No começo desta semana, estreamos um quadro em Universa chamado "Metendo a Colher". O objetivo é tirar dúvidas sobre temas relacionados a violência contra a mulher, em vídeos curtos nas redes sociais.
No primeiro, uma leitora conta que o namorado fica incomodado quando ela sai só com as amigas, sem ele. Ela pergunta como colocar um limite entre cuidado e controle.
Eu respondo: controle nunca é cuidado. Controlar aonde a companheira vai ou deixa de ir é um dos traços do relacionamento abusivo, e a tendência do abuso é se agravar, não melhorar com o tempo.
Volto ao tema para responder à chuva de comentários de homens radicais e antifeministas que apareceram por lá. Falas como "quer sair sozinha, fique solteira" e "tudo hoje em dia é considerado abusivo e tóxico" me fazem pensar que preciso me estender no tema.
Por que é preciso ficar atenta aos sinais de abuso? Porque nenhum relacionamento começa abusivo. No início, aliás, o mais provável é que as demonstrações de afeto, às vezes até exageradas, a façam sentir especial e amada.
Ele gosta tanto de você, que quer ficar o tempo todo a seu lado. Morre de medo de te perder. Por isso prefere que não saia sem ele: afinal, a mulher, quando está na rua sem o seu macho do lado, está à disposição para uso de outros machos -- é isso que os homens abusivos pensam. Eles acham que a mulher não tem -- e nem merece ter -- autonomia sobre o seu corpo.
Ele te explica: é proteção. Não gostar que você saia com as suas amigas não é abuso, é amor.
E então:
- A mulher topa essa condição e para de encontrar as amigas, a não ser que seja acompanhada do namorado ou marido.
- Ele ainda se oferece de bom grado para ser o provedor da casa. Ela pode ficar ali dentro, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos. Não tem necessidade de trabalhar fora.
- Por "segurança", ele coloca um rastreador no celular dela. Assim, caso ela saia, ele saberá a sua localização exata.
- Isolada, ela começa a se sentir vulnerável. Não tem com quem conversar e fica com vergonha de dizer às amigas que o marido a mantém sob regras cada vez mais rígidas. Parece culpa dela, afinal, "aceitou" as condições.
- Ele passa a dar desculpas para mantê-la dentro de casa. Fica cada dia mais nervoso com a ideia de ela sair sem ele, mesmo para atividades corriqueiras.
- Um dia, com medo de ser desobedecido, o marido murcha o pneu da esposa. Assim é mais garantido que ela fique em casa.
- Ele também acha que, por ser "sua mulher", ela é obrigada a fazer o que ele quiser na cama. Mantém com ela relações sexuais não consentidas. O estupro marital passa a fazer parte da rotina do casamento de mais de 20 anos.
- Os filhos crescem e saem de casa, e o comportamento abusivo piora. A violência psicológica já se transformou em violências física e sexual.
- Sozinha, mantida em cárcere privado "de forma sutil", ela decide registrar um boletim de ocorrência. Tem medo do que pode acontecer.
- Horas depois, o marido arromba o portão da casa com a sua picape e quebra a porta do quarto onde a mulher se trancou, enquanto ela grita por socorro. Ele a mata a facadas. Os vizinhos chamam a polícia, mas a ajuda chega tarde demais.
O relato acima é real.
No dia 26 de fevereiro de 2024, em Tupã, interior de São Paulo, por volta das 13h, Marcelo Nistarda Antoniasse, 49, esfaqueou e matou a dona de casa Milena Dantas Bereta Nistarda, 53, com quem era casado há 29 anos. Ela deixa dois filhos.
O homem, preso em flagrante, dilacerou o corpo da mulher e arrancou o seu coração. Segundo a polícia, ele confessou o crime.
Marcelo Antoniasse não matou Milena por amor. O feminicídio é uma demonstração de poder, de posse. O homem mata por acreditar que o corpo da mulher lhe pertence, e com ele pode fazer qualquer coisa. Até tirar a sua liberdade — e o seu coração.
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