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Cristina Fibe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fake news requentadas sobre Maria da Penha protegem agressores de mulheres

Colunista de Universa

07/08/2023 12h16

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Não raro, homens denunciados por violentar mulheres tentam desqualificar suas vítimas e denunciá-las por falsa acusação. Numa sociedade machista, esse discurso serve à manutenção da impunidade e de estereótipos de gênero —ela é louca, vingativa, inventou tudo porque ficou com ciúmes, e por aí vai.

Essa estratégia atinge um extremo quase caricato quando é usada em casos já resolvidos, em que houve julgamento e em todas as instâncias o réu foi condenado. Pior ainda quando se trata de um crime reconhecido nacional e internacionalmente, e que deu nome à mais forte lei contra a violência doméstica no Brasil.

Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica cearense nascida em 1945, precisou lutar tanto e comprovar de tantas maneiras as violências que sofreu nas mãos do ex-marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, que mereceu uma reparação federal. Mais de 20 anos depois da tentativa de feminicídio que a deixou paraplégica, a Lei Maria da Penha foi sancionada, em 2006.

Com o êxito da lei e a sua crescente importância para a proteção de centenas de milhares de mulheres, um pequeno grupo de homens passou a disseminar informações falsas sobre o crime.

Segundo eles, Heredia nunca foi violento, o tiro que sua então companheira tomou foi resultado de uma tentativa de assalto, e ela inventou tudo ao descobrir que ele tinha uma amante. Esse discurso, mentiroso, vai contra todas as informações já comprovadas pela Justiça. Vamos ao que de fato ocorreu:

- Em maio de 1983, Marco Antonio Heredia deu um tiro nas costas de Maria da Penha, sua esposa e mãe de suas três filhas, enquanto ela dormia. Como resultado, Penha perdeu para sempre o movimento nas pernas;

- Na época, o agressor declarou à polícia que sua casa foi invadida por assaltantes. Essa versão foi desmentida durante a investigação;

- Heredia admite que possuía um revólver e um rifle dentro da casa onde vivia com esposa e filhas, mas nega que tenha usado uma arma sua no crime, fato comprovado pela Justiça;

- Quando Maria da Penha voltou do hospital para casa, quatro meses e duas cirurgias depois, Heredia a manteve em cárcere privado, restringindo as visitas de amigas e familiares. Nesse período, tentou eletrocutá-la durante o banho;

- Após a segunda tentativa de feminicídio, Maria da Penha conseguiu sair de casa com as filhas e levou o caso à polícia. Como não havia legislação específica para violência doméstica ou feminicídio, começaria ali um périplo que duraria quase 20 anos;


- A falta de respostas do Estado levou Maria da Penha, com apoio de organizações feministas, a denunciar o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos);

- Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Entre as recomendações ao país, o órgão pedia uma resposta eficaz ao caso Maria da Penha e uma reparação simbólica e material a ela;

- A seis meses da prescrição do crime, Heredia foi preso, condenado por tentar matar a ex-companheira. Maria da Penha foi indenizada pelo estado do Ceará, e o governo federal batizou com o nome dela a lei que prevê os crimes de violência moral, psicológica, patrimonial, sexual e física.