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Cristina Fibe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

1ª vítima pública de João de Deus: 'Fanáticos ainda acham que é inocente'

Colunista de Universa

13/07/2023 04h02

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"Este post (compartilhável) é para expor João Teixeira de Faria como uma fraude e um abusador sexual", era como começava o texto da primeira denúncia pública contra o autointitulado médium João de Deus, numa rede social, em maio de 2018.

Foi a partir desse relato, feito pela bailarina e coreógrafa holandesa Zahira Mous, que o reino do ex-líder espiritual começou a desmoronar.

Graças a ela, o jornal "O Globo" —em uma investigação coordenada por mim— e o programa "Conversa com Bial" puderam apurar e publicar as acusações, em dezembro de 2018. E, então, centenas de outras mulheres o denunciaram.

Nesta semana, Zahira finalmente teve o primeiro sopro de alívio desde a violência que sofreu em 2014. João Teixeira foi condenado a mais 100 anos de prisão na segunda-feira (10), em uma decisão envolvendo três processos — no que envolve o caso dela, a pena foi de 42 anos e dez meses.

O Ministério Público de Goiás fez, até agora, 15 denúncias por crimes sexuais cometidos contra 66 mulheres. Onze já foram julgadas, e ele foi condenado a mais de 370 anos de prisão. O processo com o caso de Zahira foi um dos que mereceram condenação mais severa. A defesa recorre dele das decisões.

Apesar de outras sobreviventes o terem denunciado às autoridades anos antes, ele seguiu atuando na Casa de Dom Inácio de Loyola, impune. Zahira se expôs e arriscou sua vida para salvar futuras vítimas e buscar sua cura, e isso começou a mudar. Por isso destaco aqui a importância da condenação de João Teixeira pela denúncia dela.

Conversei com ela sobre o que viveu desde então e como recebeu a notícia da sentença. Ela me disse que, antes de ir a público, estava remoendo o que passou, começando a perceber que "não era possível" que aquilo tivesse acontecido só com ela.

"Estava sentindo que algo precisava ser dito. Quando uma amiga disse que eu poderia compartilhar isso nas redes, comecei a escrever. Escrevi chorando até o fim."

Antes de publicar, mostrou o texto à então companheira. "Ela leu tudo e falou: 'É bem forte, você tem certeza? Tem a sua foto, é o seu perfil'. E decidi. Inventei até uma hashtag, 'exponha João de Deus'. Cliquei 'publicar'. E foi."

Zahira diz que estava pensando nas mulheres e no silêncio que precisava ser quebrado. Quando recebeu o primeiro telefonema de uma jornalista — Helena Borges, do jornal "O Globo" —, conta que pensou: "Algo maior pode acontecer agora". "Me senti vista. Foi necessário que as denúncias chegassem primeiro à mídia para a Justiça agir. O número de mulheres foi a prova."

Mas, a partir do momento em que as acusações foram publicadas, com o rosto e o nome de Zahira estampados, sua vida nunca mais foi a mesma. "A partir de 7 de dezembro de 2018, foram dois anos, 24h ao dia, de pessoas me contando os abusos que sofreram. Até mulheres que não foram abusadas por João Teixeira, mas pelo padrasto, vizinho, padre, pai, tio..."

"Minha vida parou", ela diz. Zahira deu suporte às que precisavam enquanto lidava com tentativas de desacreditá-la. E então transformou "o veneno em remédio", em uma peça inspirada no movimento Me Too. Agora, a condenação é mais um passo rumo à cura. Ela diz que nunca se sentiu tão leve.

"Foi um grande alívio. Esse processo ainda estava ocupando muito do meu espaço mental. Sempre pensava nisso, quase todos os dias, em quando ia acabar, e se ia acabar de fato. Eu tinha medo, será que o juiz seria correto? Hoje estou sentindo uma leveza. Estou mais livre."

O alívio só não é maior porque o acusado continua em sua mansão, em Anápolis, desde março de 2020, quando a Justiça o liberou para o regime domiciliar. "Esse caso se encerrou, mas a luta nunca acaba. A Casa de Dom Inácio segue aberta, e muitos fãs fanáticos ainda acham que ele é inocente. Isso é dolorido."