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Por que, neste domingo, vou votar em uma candidata trans

UOL Confere: Governo federal não criou cadastro online para voto pelo celular - Arte/UOL
UOL Confere: Governo federal não criou cadastro online para voto pelo celular Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

14/11/2020 04h00

Amanhã, com meu álcool gel, minha caneta e minha identidade, vou votar em uma candidata a vereadora. Uma pessoa transgênero. Gosto de pensar que meu voto vai ajudar esta candidata a assumir uma das 55 cadeiras giratórias, estofadas em couro, da Câmara Municipal da minha cidade, São Paulo. Seria a repetição do feito em 2018, quando foram eleitas as duas primeiras deputadas trans do Estado —uma delas, integrante de mandato coletivo.

Moro em uma cidade com tamanho absurdo, onde vivem estimados 12,3 milhões de moradores, segundo o IBGE. Se nossos 55 legisladores espelhassem a população, como seriam? Mais mulheres do que homens (hoje, elas são dez apenas). Mais negros (somente 18% hoje). Menos heterossexuais (temos apenas um vereador gay assumido). Não é triste que, podendo escolher representantes de nossas realidades, de nossos sonhos ou aflições, a gente prefira alguém totalmente de fora? "Ah, mas quando voto em um candidato, voto nas ideias dele. Não importa se é homem ou mulher, se é branco ou preto, se é pobre ou rico, homossexual ou hetero, casado ou solteiro." Neste caso, acreditamos que apenas homens, heteros e brancos têm boas ideias, certo? Ou que as ideias de mulheres, negros e gays sejam ruins? Nossa autoestima anda tão baixa que não conseguimos investir em nós mesmos?

Curioso é que, se votássemos em nós mesmos, no sentido figurado, estaríamos votando no outro. Quero dizer com isso que, ao escolher um candidato que se pareça com você, você também estará investindo em diversidade. Em baixa nas casas parlamentares, a diversidade é um elemento fundamental para o equilíbrio de um sistema vivo. Por causa dela, o grupo sobrevive e progride. A biologia ensinou, as empresas estão se esforçando para aprender e nós continuamos ignorando o valor da diversidade. Queremos todos iguais. Rejeitamos os diferentes.

Gosto ainda de pensar que este voto é um privilégio. Não só porque sou livre para exercer o direito de escolher meu representante parlamentar. Mas também porque tenho quem escolher. Se eu, como mãe e irmã de pessoas gays, quiser ser representada por um vereador/vereadora que vá batalhar por um ambiente menos hostil para homossexuais, por exemplo, tenho, hoje, a opção de cerca de três dezenas de candidatos que se comprometem com essa causa. pelo fato de existirem essas candidaturas já fico empolgada com as eleições. Votar em uma candidata trans é a minha exclusiva e intransferível aposta na capacidade de aprendermos com a convivência. Aprendermos a conviver "com o que não é espelho", nos aproximarmos para nos enriquecermos.

Pode ser uma visão muito romântica de uma casa legislativa, onde o cotidiano talvez se pareça mais com as arenas romanas do que com as ágoras gregas. Por isso, além de me sentir privilegiada, me sinto agradecida aos candidatos que têm a coragem de se jogar nesse espaço tradicionalmente avesso ao diverso. Me lembro das humilhações sofridas pelo ex-deputado Jean Wyllys, tão solitário no Congresso Nacional, e imagino que uma vereadora trans, em São Paulo, possa viver cenas parecidas. Por outro lado, se fosse agora, Jean Wyllys não estaria só. E torço para que minha vereadora, caso eleita, também não esteja sozinha.

Parlamentares que representam minorias são minorias numéricas. E a vida de minoria não é fácil. Imagine, então, a vida da minoria da minoria, uma mulher transgênero, uma pessoa cuja existência, há até pouco tempo, estava condenada à exclusão? Da família, do mercado de trabalho, de espaços de poder? Se essa mulher, ainda assim, está se propondo a me representar, eu topo. Darei meu voto a ela com alegria, esperança e gratidão.

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