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Ana Canosa

"Mas já?" O medo do homem de que a parceira reconheça a ejaculação precoce

Thomas Barwick/Getty Images
Imagem: Thomas Barwick/Getty Images

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

14/07/2020 04h00

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Não fosse o fato de ele ter ido procurar ajuda, a esposa não teria sabido. Pode parecer surpreendente uma mulher não se dar conta de que o marido ejacula rápido, mas percepção é algo totalmente subjetivo: referenciais pessoais são construídos a partir de vivências, crenças, conhecimento, sensações e emoções diante das situações da vida.

Júlio é um sujeito que apoia o apreço sobre si mesmo no campo profissional.

Ele trabalha muito e é ótimo, embora seja constantemente assombrado com a insegurança, principalmente quando tem que enfrentar mudanças. Está há mil anos na mesma empresa e já deixou passar algumas oportunidades porque prefere garantir o que está na mão, o conhecido, o time que está ganhando. Atualmente, é gestor de uma área inteira e controla cada processo, o que lhe rende alguma tensão e alimenta a sua ansiedade.

No campo pessoal, sua vida é estável, com ritmo constante e ele se sente satisfeito com uma companheira ativa, que também curte trabalhar e que tem hábitos e valores assemelhados aos seus. Mas claro, a vida nunca é um mar de rosas e sempre tem alguma coisa para nos lembrar que somos imperfeitos, não é mesmo? De modo muito envergonhado, ele chegou até mim.

Julio reclama que ejacula rápido demais. O quão rápido você pensa e sente que é? Segundo a literatura, um critério pode ser o tempo: gozar em menos de 1 minuto de estimulação, na grande parte das relações sexuais. Em outras épocas já foram o número de movimentos (até 10).

Mas esse não é o único critério: o prejuízo físico ou emocional para o sujeito ou para quem se relaciona com ele é a avaliação mais importante. E Júlio tinha certeza sobre isso, ao menos no que se refere a ele, mas sobre a esposa, ele tinha quase. Já se iam mais de 7 anos de casamento e ele nunca tinha conversado com ela sobre o tema. Por isso, quando aventei a ideia de trazê-la para uma parte do processo, ele negou veementemente.

Trabalhamos sua autoestima diante do que ele entendia como performance sexual. Exercícios para controle de ansiedade e exercícios masturbatórios para controle da ejaculação. Ampliamos o papo para a família (que ele também se sentia responsável por cuidar e controlar), trabalho e afins. Ele melhorou o controle na masturbação, mas ainda ia para a relação sexual com o medo de que um dia a mulher olhasse para ele e dissesse: "Mas já?".

Depois de convencê-lo que, sem falar sobre isso com a esposa, o fantasma não desapareceria tão facilmente, a conversa aconteceu. E ela veio, meio sem entender bem sobre o que seria (ele não conseguiu dizer exatamente que tipo de terapia ele fazia). Vieram juntos, e eu a convidei para entrar sozinha primeiro (e ele quase teve uma crise esperando).

Nos 5 primeiros minutos, eu já tinha percebido que ela não fazia ideia da angústia do marido: ejaculação rápida???!!! Tinha na expressão um misto de interrogação e alívio tão grande, que ela precisou de mais 10 minutos para focar no tema. Percebemos que o script sexual que eles costumavam seguir garantia a ela uma ótima excitação. Ele investia muito nos beijos, fazia questão de lhe oferecer um sexo oral primoroso e quando ela estava quase gozando, ele a penetrava, o que a fazia ter um orgasmo combinado (clitóris + penetração).

Como ficava meio fora de órbita, gostando da sensação do pós-orgasmo quietinha, o fato de ele gozar logo em seguida, não era uma questão. Quando exploramos o tema ela foi se dando conta que sim, nem tanto tempo de penetração e, sim, que o marido resistia em mudar o script, inibindo inclusive maior atividade dela. Foi ligando os pontos. Mas ela considerava a relação sexual satisfatória. Melhoraria com mais controle da parte dele? Sim, pode ser, mas ela estava mais incomodada por ter se deparado com a vulnerabilidade dele.

Quando eu o chamei para se juntar a nós, ele entrou na sala cabisbaixo e se sentou ao seu lado. Não precisei começar: ela segurou cuidadosamente o seu rosto, olhou nos olhos dele, beijou a sua boca e lhe abraçou tão profundamente, que eu decidi deixá-los assim, um par de minutos, enquanto ia enxugar as lágrimas no banheiro. Embora eu tenha preparado o terreno, eu não a conhecia, e a situação poderia ter sido catastrófica, com críticas e julgamentos da parte dela, o que aumentaria ainda mais a dificuldade dele.

Foi um dos dias em que a gente sai do consultório com a certeza que é a verdadeira empatia a solução de (quase) todos os conflitos entre as pessoas.