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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tenho depressão: por que foi difícil assumir isso para mim e para os outros

É importante esclarecer: depressão não tem cara. - arquivo pessoal
É importante esclarecer: depressão não tem cara. Imagem: arquivo pessoal
Mariana Toledo

Colaboração para Universa

07/02/2021 04h00

Nesta semana, completo meu primeiro mês de tratamento para depressão e ansiedade. E por tratamento eu quero dizer uso de remédios, já que a terapia com a psicóloga e as tentativas de entender o que estava acontecendo comigo começaram há muito mais tempo.

Em meio a essa jornada em busca de melhorar - ainda acho impossível falar em cura - minha saúde mental, esbarrei em uma questão recorrente para quem sofre de problemas semelhantes: os estigmas que acompanham os transtornos mentais. Falo aqui tanto dos estigmas internos, por parte de quem tem um transtorno, quanto dos sociais, isto é, vindos dos outros, que julgam e tiram conclusões precipitadas a respeito das pessoas que vivem com essas condições. Eu mesma tive frio na barriga ao escrever esse texto e pensei "agora todo mundo vai ficar sabendo". E daí, né?

Para começar, acho importante esclarecer que depressão não tem cara. Muita gente acha que a pessoa depressiva vive pra baixo, chora o tempo todo e é incapaz de trabalhar ou socializar - o que não é verdade. Muitas vezes, ela também não tem um grande motivo.

Às vezes, até é possível elencar razões que levaram a pessoa a chegar a esse quadro - mas pode acontecer que o que parece motivo suficiente para quem está depressivo ou ansioso não faça sentido para o outro, soe até como bobagem.

No meu caso, os transtornos surgiram alguns meses após a chegada da pandemia. Mesmo nesse contexto, sei que sou privilegiada: não perdi nenhum parente ou amigo para a Covid, continuo empregada, consigo pagar as contas em dia, minha saúde física está OK e não falta comida na minha geladeira. Mas, ainda assim, esse cenário de incerteza, desesperança, tensão política, nostalgia das nossas rotinas e saudade das pessoas queridas e da vida como a gente conhecia levou meus pensamentos para um lugar muito obscuro. Ou seja, ao mesmo tempo que eu não tenho um motivo "padrão" que justifique os transtornos, eu também tenho todos os motivos do mundo. Faz sentido?

Noites de insônia alternadas com 15 horas seguidas de sono, perda total de apetite, uma dificuldade enorme de executar tarefas simples do dia a dia, como tomar banho ou trocar de roupa, coração disparando com frequência, tremores, preocupações em excesso? Os sintomas foram muitos e eu já imaginava qual seria o diagnóstico. Mas relutei bastante até procurar um psiquiatra.

Antes, conversei com a psicóloga, fui ao endócrino, à ginecologista, fiz um check-up dos exames de sangue? Taí outro estigma: se a gente vai a tantos médicos de diferentes especialidades sem cerimônia, por que é tão difícil tomar a iniciativa de marcar uma consulta com um psiquiatra? Infelizmente, é comum a gente ouvir que psiquiatra é "médico de gente louca", ou achar exagerado procurar um.

Tanto é que, ao compartilhar meu problema com amigos e familiares, ouvi das mais variadas soluções possíveis para os meus transtornos: criar uma rotina, começar a fazer exercícios físicos, sair para dar caminhadas ao ar livre, adotar um pet, encontrar um novo hobby, escrever sobre os meus sentimentos. Olha, são todas boas possibilidades, sim. Com certeza poderiam ajudar - mas somente quando combinadas a um tratamento adequado. A questão é que ninguém nem cogitou me recomendar ajuda psiquiátrica - com exceção da minha psicóloga. No mais, todo mundo achou que a opção médica parecia "drástica demais".

Esse receio todo também aparece porque a gente sabe que psiquiatras normalmente receitam remédios - como antidepressivos e ansiolíticos - e neles moram mais um estigma associado aos transtornos mentais. Quando temos uma infecção causada por bactéria, tomamos antibiótico. Quando temos dor de cabeça, dor muscular ou qualquer outro desconforto semelhante, tomamos analgésico. Mas tomar remédio pra um transtorno mental? Ah, não. Aí todo mundo torce o nariz. Porque vicia, porque engorda, porque tem muitos efeitos colaterais, porque tira a libido, porque é caro? As justificativas são muitas.

Mas do ponto de vista de quem toma dois comprimidos para os transtornos todos os dias antes de dormir já há um mês, eu garanto: nenhum desses motivos é maior do que a possibilidade de viver em paz dentro de si mesmo. Do alívio que é acordar e não sentir medo ou um desânimo profundo diante do dia que vem pela frente. Da capacidade de viver o presente, e não ficar com a mente o tempo todo remoendo o passado e temendo o futuro.

Meu objetivo aqui não é fazer apologia à medicação ou qualquer tipo de propaganda, e sim defender que quem tem um problema real busque ajuda médica e, se for a recomendação, não tenha medo de tomar remédios. Saúde mental é saúde e ponto. Tem que cuidar.

Quem é pai ou mãe de um jovem com transtorno mental não deve sentir culpa ou achar que falhou em algum momento da criação. Quem tem um parceiro ou parceira com depressão não tem que se sentir incapaz de fazer a pessoa feliz - muitas vezes o casamento está ótimo e não tem nada a ver com esse quadro. Quem tem um amigo com depressão e ansiedade consegue ajudá-lo não julgando quando ele simplesmente desaparece e não responde as mensagens - muitas vezes, não sobrou energia o suficiente para isso, por mais que ele goste muito de você. Quem é líder de uma equipe de funcionários precisa estar aberto para lidar com esse tipo de situação - ainda mais em um contexto de pandemia & home office -, entender que por trás das telas existem pessoas reais que, muitas vezes, só precisam se sentir à vontade e acolhidas o suficiente para compartilhar o que está acontecendo.

Porque olha, é bem difícil ser produtivo num dia de crise de ansiedade. Trabalhar com gripe ou dor de barriga é, de longe, muito mais fácil. Acredito que seja por aí - normalizando a depressão e ansiedade e não as enxergando como bichos de sete-cabeças - que começamos a quebrar essa série de estigmas.

Por isso, fica um apelo por mais empatia na sociedade - dentro de casa, nas rodas de amigos, no trabalho. Quem tem transtorno mental não é louco, nem fraco, nem incapaz. Não é falta de vontade, de iniciativa ou preguiça. O melhor antídoto a tantos estigmas que rondam o assunto é falar a respeito, popularizar as informações e deixar de tratar o tema como tabu. Tem muita gente doente que nem sabe - ou até sabe, mas tem vergonha de assumir por medo do julgamento.

Hoje, sei que já estamos muito mais avançados nesse sentido do que há alguns anos. O tema já aparece em filmes, seriados, perfis no Instagram e programas de TV - a última edição de "A Fazenda" e a edição atual do "BBB" são pratos cheios para o debate acerca da saúde mental. Mas eu ainda vejo tudo tratado com muito distanciamento.

A gente avalia o comportamento do participante do reality show, defende sua condição e fica chocado com quem está perto dele e parece não se sensibilizar para dar apoio. Mas será que nós mesmos fazemos isso na vida real, com nossos amigos, colegas de trabalho e familiares? Em todo o mundo, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofram de depressão. Isso sem falar na ansiedade, no transtorno bipolar, no Borderline. Então a chance de você conhecer e conviver com alguém que tenha alguma dessas doenças é bem alta. Vamos juntos normalizar o transtorno mental?