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Morte de Liliane não é caso isolado; lipo está matando mulheres

A influenciadora Liliane Amorim. - Reprodução/Instagram
A influenciadora Liliane Amorim. Imagem: Reprodução/Instagram
Carla Lemos

Colaboração para Universa

24/01/2021 15h31

Fazia poucas horas que eu tinha terminado uma sequência de stories sobre a obsessão pela perfeição dos corpos femininos. Foi quando recebi um post de perfil de fofocas nas minhas DMs anunciando a trágica morte da influenciadora Liliane Amorim em decorrência de complicações de uma lipoaspiração.

Como a Liliane, que era magra, tinha barriga reta, cintura fina, e mesmo assim, foi levada a acreditar que não era suficiente e precisava tirar mais gordura, precisava ficar mais definida? Talvez assim ela esperasse que seu número de seguidores disparasse com mais mulheres se inspirando nela como referência de corpo perfeito. Talvez ela assim esperasse se sentir mais confortável no seu próprio corpo.

Erika Cristina Santos Pereira, morreu aos 41 anos, após realizar um procedimento estético para lipoaspiração e intervenção nos seios, em dezembro de 2020. - Reprodução/TV Record - Reprodução/TV Record
Erika Cristina Santos Pereira, morreu aos 41, após realizar uma lipoaspiração e intervenção nos seios, em dezembro de 2020.
Imagem: Reprodução/TV Record

É isso que a dismorfia corporal faz: induz as mulheres a acreditarem que só depois de alcançar o corpo perfeito, impecável é que a vida delas vai acontecer. Mas infelizmente, o caso da Liliane, Erika, Edicléia e Fernanda juntamente com as estatísticas provam o contrário.

A obsessão pelo corpo não mata só as mulheres que se submetem a procedimentos cirúrgicos. 77% das jovens tem propensão a distúrbios alimentares. A cada dois dias uma mulher é internada no SUS em consequência da bulimia e anorexia só no estado de SP. A anorexia é o transtorno alimentar que mais mata do mundo e apresenta alto risco de suicídio, sendo este a segunda principal causa de morte de jovens mulheres no Brasil.

Pacientes com anorexia têm taxa de sobrevida inferior às de câncer de mama já que a taxa de mortalidade entre pacientes diagnosticadas é de 20%. É muito grave!

Se antes anorexia era coisa de adolescentes, de grandes centros urbanos, jovens modelos ou bailarinas, agora, com a popularização das redes sociais o "público-alvo" também se diversificou. Agora cada vez mais mulheres acima dos 40 anos e abaixo dos 8 anos de idade sofrem com transtornos alimentares.

Nas minhas DMs no Instagram, onde tenho cerca de 202 mil seguidores, recebi relatos como a de uma mulher que foi diagnosticada aos 5 anos com anorexia infantil. Outra me contou que sua sobrinha de 5 anos pediu um pedaço bem fininho de torta 'porque estou gorda'. A obsessão pela pela magreza agora é classificação livre.

Eu já falei em texto aqui para Universa sobre como corpos de mulheres são vistos pela sociedade como partes, como uma coisa, um objeto que pode ser moldado e manipulado ao bel-prazer das tendências do momento. Viver com seu corpo do jeito que ele é não é opção e isso faz com que garotas perfeitamente saudáveis sejam levadas a arriscar sua vida para conquistar.

A cantora Fernanda Fé, que morreu em consequência de complicações após uma lipo, em 2019. - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
A cantora Fernanda Fé, que morreu em consequência de complicações após uma lipo, em 2019.
Imagem: Reprodução/Facebook

A morte da Liliane não é um caso isolado. Não podemos continuar agindo como se fosse apenas um acaso infortuito. Basta uma pesquisa simples no Google por "mulher morre lipoaspiração" para encontrar uma mulher diferente para cada matéria linkada. Sem contar as que morrem e não conseguem nem ter suas histórias contadas para servirem de alerta.

Mas, o temor da morte só não basta no 5º país que mais mata mulheres no mundo. Sim, é essa a posição do Brasil no ranking mundial de feminicídios segundo a ONU. A gente precisa mudar nossos valores culturais.

Mulheres precisam aprender a dar valor a suas próprias vidas. Se ver como humana e não como barro moldável. É preciso tratar a obsessão pela perfeição dos corpos femininos como o problema de saúde pública que ele é.

*Carla Lemos é feminista, carioca e produtora de conteúdo há mais de 15 anos. Observadora atenta das mudanças de comportamento das mulheres na sociedade, Carla comanda o podcast PRIMAS e é autora do livro "Use a Moda A Seu Favor". Em 2021, lançará seu novo livro, "As Mentiras que te Contaram Sobre Ser Mulher"