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França quer proibir influencers de promover procedimentos estéticos e criptomoedas

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Imagem: iStock

29/03/2023 12h28

A profissão de influenciador digital será submetida a novas regulamentações na França, o primeiro país europeu a legislar o setor. O Parlamento francês analisa a partir desta semana um projeto de lei que prevê mais fiscalização da atuação dos profissionais das redes sociais, incluindo sanções para os casos de publicidade enganosa.

O texto se baseia nos documentos já existentes sobre a atuação de modelos e inclui as restrições já aplicadas à publicidade. Promover bebidas alcoólicas e cigarro, mas também procedimentos estéticos e operações financeiras, em especial com criptomoedas, será proibido. O influenciador não poderá mais dar dicas e elogios subentendidos a produtos sem deixar claro, por escrito, que o post se trata de publicidade. Além disso, deverá informar se usou filtro ou outro tipo de retoque na imagem quando abordar temas relacionados a beleza.

O projeto consolida a profissão de influenciador no país: "uma pessoa física ou moral que usa a sua notoriedade para comunicar ao público, via meios eletrônicos, conteúdos visando a fazer a promoção, direta ou indiretamente, de bens, serviços ou uma causa, em contrapartida, de lucros econômicos ou vantagens de outra natureza". Assim, o texto visa impor a existência de um contrato formal entre o influenciador e o anunciante, no qual as obrigações e os direitos do "talento" e do contratante são especificados, assim como a remuneração pelo serviço.

Os menores de 16 anos deverão solicitar uma autorização do Estado para atuar nas plataformas digitais, e 90% da renda obtida ficará retida até a maioridade de crianças e adolescentes.

Excesso de regulação?

Para a economista Nathalie Janson, professora associada de Finanças do Neoma Business School de Rouen, Paris se apressa demais em regulamentar uma atividade ainda em desenvolvimento. "Nós já temos um enquadramento legal sobre a publicidade enganosa e acho que estamos infantilizando os usuários. Não nego que há abusos e pessoas são enganadas, sobretudo num setor novo como esse e que, como em qualquer novidade, há os mal-intencionados. Mas acho que seria preferível facilitar o acesso das vítimas à Justiça, com a base legal já existente, e o acesso a eventuais indenizações do que fazer todo uma nova regulamentação", avalia.

O governo estima que a nova legislação vai atingir cerca de 150 mil pessoas catalogadas como influenciadoras ativas que visam o público francês - incluindo as que residem em outros países. "Me parece um pouco surrealista em relação ao oceano de possibilidades de atividades a que essa lei se refere. Nós sabemos que estamos indo para um mundo muito aberto, em que as fronteiras não existem", observa Janson. "Com a web 3, estamos num mundo que ultrapassa completamente as concepções territoriais, e aplicamos velhas receitas."

A grande maioria dos influenciadores franceses, 80%, pratica essa atividade como um hobby, com o qual ganha até ? 4 mil por ano. Mas os demais, que contabilizam ao menos 1 milhão de seguidores, conseguem embolsar até ? 10 mil com um só vídeo de poucos segundos.

Já faz alguns anos que as marcas não podem mais ignorar o poder dos influenciadores e estão dispostas a pagar somas cada vez maiores por um post. Conforme a consultoria especializada em dados Statista, o mercado mundial do setor deve mais que dobrar em dois anos, chegando a 38 bilhões de euros em 2025.

Arcabouço europeu

A nova lei francesa se soma à regulação europeia dos serviços digitais, que entrou em vigor em novembro de 2022 e estipula que os influenciadores são obrigados a notificar os seguidores quando os posts incluem publicidade paga. Desde 2018, os produtores de conteúdo audiovisual em canais como YouTube já estavam sujeitos à diretiva europeia que enquadra as práticas comerciais desleais e impõe restrições a publicidades que abordem temas relacionados à saúde, medicamentos, cigarro, bebidas alcoólicas, jogos de azar e segurança, entre outros.

Na visão de Nathalie Janson, o que ela considera como um excesso de enquadramento poderá prejudicar o surgimento e a ascensão de novos influenciadores. "Essa é a parte desagradável dessas várias camadas de regulamentação. Acho que a França lança uma regulação rápido demais, reflexo de uma visão paternalista do país, que quer proteger os seus cidadãos, mas se importa menos em ensiná-los a se proteger", afirma.

O projeto de lei, proposto por um deputado aliado do presidente Emmanuel Macron e um da oposição de esquerda, passou com facilidade pela análise das comissões na Assembleia e deve ser aprovado sem maiores percalços. O texto prevê sanções que podem chegar a dois anos de prisão e 30 mil euros de multa.