Conexão Brasil-Suécia

Quem é o brasileiro da Ericsson que ajuda a desenvolver as aplicações do 5G no mundo

Bruna Souza Cruz De Tilt, em São Paulo

Aos 17 anos, Edvaldo Santos fazia as malas para deixar a Vila Medeiros, bairro periférico na zona norte de São Paulo, rumo a uma faculdade no interior do estado. Ele tinha dois objetivos: trabalhar como engenheiro eletricista e dedicar o diploma aos pais.

Na época, seu Osvaldo era motorista, e Maria de Lourdes havia deixado o trabalho em uma fábrica de chocolates para cuidar da família. Estudaram até a quarta série, mas fizeram da educação dos filhos uma prioridade. Edvaldo conta que este foi o maior legado que recebeu.

"Era comum colegas falarem com orgulho que haviam abandonado os estudos. Fui na linha oposta. Tentava estar entre os melhores da sala de aula", lembra.

Edvaldo virou engenheiro e foi além. Hoje, aos 55 anos, está prestes a completar dez anos como diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Ericsson para a América Latina. Há 33 anos na multinacional sueca das telecomunicações, o executivo lidera algumas das inovações que a empresa espalha pelo mundo todo em áreas como o 5G, medicina conectada e carros que dirigem sozinhos.

Arquivo pessoal

O trabalho na Ericsson

Com uma carreira voltada a desenvolver soluções, Edvaldo sempre esteve envolvido com grandes mudanças tecnológicas. Em 1987, entrou na Ericsson —empresa sueca com mais de 95 anos de presença no Brasil —para participar de uma dessas guinadas. Na época, as telecomunicações por aqui estavam no meio de uma revolução, com a troca de centrais telefônicas analógicas para o digital.

Para dar conta do trabalho, a Ericsson recrutou profissionais que sabiam programar. Edvaldo foi um deles e ganhou a missão era incorporar software às redes de telecomunicações. Hoje, redirecionar ligações de casa ou do trabalho para o seu celular é banal, mas, na época, isso era complicado e a digitalização simplificou o processo.

A sua equipe fez parte de projetos técnicos que permitiram que isso virasse realidade. "A rede [de telecomunicação] antes só fazia chamadas de voz. Isso foi evoluindo e hoje, com a tecnologia IP, você assiste a filmes, faz teleconferências etc. Eu tive o privilégio de fazer parte desse caminho de transformação que começou com a programação de software", ressalta.

Edvaldo participou ainda da formulação dos detalhes técnicos que permitiram a melhora da velocidade de transmissão de dados pelas redes de telefonia fixa. Isso é basicamente o "avô" do que conhecemos como banda larga.

Atualmente, seu trabalho no centro de pesquisa foca em serviços que serão melhorados pela velocidade e eficiência da conexão 5G. A lista inclui cirurgias a distância, com médicos dando comandos a robôs a quilômetros de distância; e veículos autônomos, que precisarão da conexão para rodarem de forma mais precisa e segura.

Ainda que contem com a habilidade e conhecimento de profissionais brasileiros, essas iniciativas são preparadas de olho nos mercados mais avançados do mundo. "Algumas destas sementes começam a repercutir no exterior", afirma o executivo.

Parcerias com a Ericsson

O Brasil abriga um dos 13 centros globais de pesquisa e inovação da empresa, espalhados por Alemanha, Canadá, China, Croácia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Hungria, Índia, Irlanda, Itália e Suécia.

Aqui, o trabalho é feito em conjunto com universidades brasileiras, e o executivo vê com bons olhos o posicionamento do país no mapa tecnológico mundial.

  • Cidades seguras

    Em parceria com a Universidade de São Paulo, a empresa desenvolve softwares para transformar ambientes urbanos em lugares mais seguros. Isso inclui estudos para que os veículos autônomos circulem de modo eficiente

  • Mentes artificiais

    Com a Universidade de Campinas, o trabalho é criar arquiteturas cognitivas para a Indústria 4.0. Seria como dar "mentes artificiais" às máquinas. Isso engloba inteligência artificial, internet das coisas e big data (análise de grandes volumes de dados) para os setores produtivos

  • Conexão em todo canto

    Aliada à Universidade Federal do Ceará, pesquisa tecnologias como MIMO Massivo (que aumenta a taxa de dados em uma rede de telecomunicação para acomodar mais usuários sem perder qualidade), comunicação V2X (protocolos de transmissão de dados que permitem veículos autônomos se conectarem com outros carros, semáforos inteligentes etc.) e 5G

  • Robôs na indústria

    Junto à Universidade Federal de Pernambuco, a empresa pesquisa robótica voltada à manufatura avançada, como sensores e equipamentos conectados para melhorar a produção em ambientes industriais

  • Drones vigias

    Com a Universidade Federal do Pará, cria novas aplicações ligadas ao 5G, como as de visão computacional e o uso de drones para monitorar a manutenção de antenas, além de inspecionar áreas de mineração e campos de exploração de óleo e gás

  • Mais 5G

    Em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande, pensa em meios de usar inteligência artificial e computação em nuvem em aplicações do 5G, da telemedicina à indústria

    Imagem: Getty Images/iStockphoto
Arquivo pessoal

Quem é Edvaldo

O caminho até virar líder de vários projetos de inovação foi longo e cheio de desafios. Focado, Edvaldo é daquelas pessoas que, quando coloca uma coisa na cabeça, já pensa na estratégia para alcançá-la, mas diz que a família e o apoio financeiro foram os diferenciais.

Ainda adolescente, após oito anos de estudo em uma escola pública, ele convenceu os pais de que era o momento de ir a um curso técnico particular durante o ensino médio para obter um conhecimento profissionalizante. Os pais [na foto ao lado com o filho em 1998, durante viagem na Suécia] toparam o malabarismo financeiro.

O então aspirante a economista optou por permanecer na eletrônica após três anos de imersão na área. Foi aprovado no vestibular da Escola de Engenharia de Lins, cidade no interior de São Paulo, a 430 km da capital. A família organizou as contas para custear moradia e mensalidade até o final da graduação, segurou a saudade, e Edvaldo foi embora estudar.

"Essas coisas vão formando o nosso caráter. Você observa o sacrifício que a família faz. Para outros [estudantes], que tinham uma condição melhor, talvez o estudo não fosse um diferencial. Para mim foi", ressalta.

Arquivo pessoal

A mãozinha do irmão

Ao se formar, em novembro de 1986, Edvaldo cumpriu a segunda das metas traçadas ao sair de casa. Faltava a primeira. Ela foi riscada da lista quando ele virou funcionário da Ericsson em fevereiro do ano seguinte. Sua admissão na companhia foi resultado de um misto de habilidades técnicas, oportunidade e uma mãozinha do irmão.

Já empregado na área financeira da Ericsson, o irmão mais velho soube da vaga para engenheiro e avisou o caçula. Só não contou que dominar o inglês era um requisito básico. Durante o processo de entrevista, Edvaldo foi chamado para conversar com a professora de inglês, que iria testar seus conhecimentos do idioma —ou a falta dele, neste caso. "Talvez tenha sido o maior constrangimento da minha vida. Me senti aliviado quando ela disse que o inglês não era tudo para a vaga", lembra.

Na conversa com o gerente contratante, ele engoliu a vergonha, tomou coragem e lançou o desafio: "Se em cinco ou seis meses eu já não estiver falando alguma coisa de inglês, pode ter certeza que eu peço demissão. Não darei trabalho para a empresa", disse. A atitude foi vista com bons olhos, mas não lhe poupou de ouvir uma alfinetada do diretor da área em que foi trabalhar: "Você é uma contratação de risco. Sem inglês, você é nada."

Após seis meses de empresa, o engenheiro já ensaiava conversas com estrangeiros com quem trabalhavam na unidade em São Paulo. Recém-formado, chegou a gastar 70% do salário em um curso de idiomas. Usava as férias para fazer intensivos, trancava-se nos laboratórios da escola de idioma e até pedia para os colegas mais próximos corrigirem as lições de casa. "Eu fiz sacrifícios para ter o melhor inglês daquele departamento."

Edvaldo não conhecia a Ericsson na época, mas já imaginava que teria que mostrar muito mais competência e determinação por ser um profissional negro. "Em caso de empate para uma oportunidade, era de se esperar que ela fosse oferecida a um branco. Dar 20% a mais não era suficiente. Talvez eu tivesse que fazer 100% mais", afirma. "Mas isso não me perseguiu."

Apesar de tratar sua progressão com naturalidade, Edvaldo sabe que é uma exceção. Apesar de a maioria da população brasileira ser negra (pretos e pardos somam 56% do total, segundo o IBGE), os profissionais negros são raridade em cargos de liderança. Pesquisa do Instituto Ethos em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento de 2016, mostra que só 4% dos chefes das 500 maiores empresas do Brasil são negros.

"Acho que a Ericsson é referência [em diversidade] e meu desejo é ver outras empresas fazendo o mesmo", acrescentou.

Após três anos na empresa, Edvaldo usou as férias para passar um mês nos Estados Unidos aperfeiçoando o idioma. Na volta, o mesmo diretor que cobrou dele o conhecimento da língua disse para ele fazer as malas. Chegou a achar que tinha chegado a hora, que seria demitido. Veio a surpresa. Ele fora escolhido para trabalhar na matriz da empresa, na Suécia. Depois do susto, a ficha caiu: ele havia vencido. Convites assim eram destinados a profissionais com 15 anos de casa.

Santos passou por vários países a trabalho. Logo após se casar com Ivanilda, o casal se mudou para a Holanda em 1995, e ficaram um ano e meio por lá. Mais tarde, em 2005, os dois foram para a Alemanha com os filhos Víctor, então com cinco anos, e Giulia, com dois. Lá passaram três anos. Noruega, Finlândia, Japão, Croácia e Hungria também estão na lista de países "explorados". Edvaldo se preocupava com o processo de adaptação da família, claro, mas avalia que a experiência foi positiva, pois seus filhos puderam conhecer diferentes lugares do mundo.

"Na Alemanha, a minha maior preocupação com meus filhos foi o idioma e por ser uma sociedade majoritariamente branca. Mas, com três meses, eles já entendiam alemão. Eles aprenderam vendo desenho e depois nas aulas. Em suas escolas, eles eram 'popstars' ", lembra. Junto ao seu crescimento dentro da multinacional, Edvaldo virou uma importante voz negra em cargos de liderança, com poder de levar a importância da diversidade a outras esferas.

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