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Entidade brasileira quer que big techs paguem por rede 5G; Netflix discorda

Getty Images
Imagem: Getty Images

Aurélio Araújo e Marcella Duarte*

Colaboração para Tilt, em São Paulo; de Tilt, em Barcelona

01/03/2023 16h05Atualizada em 01/03/2023 16h09

Em queda de braço com as empresas de telecomunicação em diferentes países, a Netflix se recusa a contribuir para o financiamento da infraestrutura de internet - como a rede 5G. A posição foi reforçada pela fala de Greg Peters, segundo homem mais poderoso da empresa, no MWC (Mobile World Congress, evento de tecnologia móvel que acontece nesta semana em Barcelona.

No Brasil, o entendimento da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) é o contrário: as big techs (como Google, Meta, Netflix) devem arcar com a parte dos gastos de infraestrutura. Diante de discussões recentes sobre a reforma tributária, especula-se que o Congresso e o governo possam trazer essa questão de responsabilidade para o debate.

"Há uma necessidade de mais e mais infraestrutura, cabeamentos, fibra, e isso tem um custo muito elevado. Eu fui senador, as normativas brasileiras exigem das empresas de telecomunicação essa infraestrutura. Mas os maiores usuários dessa infraestrutura, e estou falando das big techs, não pagam nada", disse o presidente da entidade, Jorge Viana, durante o MWC.

Os bastidores da polêmica

À medida em que os avanços tecnológicos como a inteligência artificial, realidade aumentada e o 5G vão se tornando mais comuns, cresce o debate sobre como sustentar essa guinada da indústria. Existe um temor de que a infraestrutura precisará ser expandida drasticamente nos próximos anos, daí a polêmica sobre quem deve pagar por isso.

Thierry Breton, comissário para o mercado interno da União Europeia, abriu o MWC falando sobre como as redes da Europa não estão "totalmente preparadas" para o que chamou de "crescimento massivo de tráfego" graças aos serviços de streaming de vídeo, como a Netflix, e a outras experiências imersivas.

Em seu discurso, Breton defendeu que o financiamento para a infraestrutura deveria envolver todos os atores desse ecossistema, incluindo as big techs, como o Google, a Meta e a Netflix. Os serviços oferecidos por essas empresas são, afinal, a principal causa para o aumento da demanda de internet.

O pensamento foi ecoado por José María Álvarez-Pallete, chefe-executivo da empresa espanhola de telecomunicações Telefónica, que participou da conversa de abertura com Breton.

Álvarez-Pallete mencionou a expressão "fair share" ("divisão justa") para dizer que o financiamento não deveria vir apenas das operadoras de telecom, como é atualmente.

O que pensa a Netflix

De acordo com Peters, da Netflix, se empresas que criam conteúdo forem forçadas a custear a infraestrutura, por meio de taxação, isso terá um "efeito adverso".

"[A medida] Reduziria o investimento em conteúdo, o que atinge as comunidades criativas locais", afirmou o executivo. "Atinge a atratividade dos pacotes de banda larga mais caros. E, no fim das contas, atinge o consumidor."

Para ele, o aumento da demanda por internet não causa aumento de custos para o tráfego de dados. Ele disse ainda ter tido "a mesma conversa" com agentes reguladores de comunicação da Europa há dez anos, mas que a última década mostrou que o aumento do uso da internet é, na verdade, "uma grande oportunidade".

Em sua fala, está a ideia de que, ao aumentar a procura por bons serviços de banda larga, a Netflix já está ajudando a sustentar o mercado.

Além disso, a Netflix estaria fazendo a sua parte ao investir "mais de US$ 60 bilhões" (R$ 312 bilhões) em criação de conteúdo. "Isso é o equivalente a praticamente 50% da nossa receita em todo esse período. Esse é o papel que temos em criar conteúdo melhor e mais variado, levando mais pessoas a buscarem pagar por melhores serviços de banda larga."

Para o executivo, as margens operativas de sua empresa e de outras plataformas de distribuição de conteúdo são "significativamente mais baixas que as da British Telecom ou as da Deutsche Telekom" [teles do Reino Unido e da Alemanha, respectivamente], razão pela qual são elas que devem compensar as empresas que criam conteúdo.

E o Brasil nisso?

Jorge Viana, presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), durante o MWC 2023 - Marcella Duarte/Tilt - Marcella Duarte/Tilt
Jorge Viana, presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), durante o MWC 2023
Imagem: Marcella Duarte/Tilt

Em entrevista à imprensa no MWC, Jorge Viana, da Apex, mostrou alinhamento ao pensamento das teles e das autoridades europeias.

Viana afirmou que esse seria o único jeito de universalizar o acesso à internet num país continental como o Brasil. Em seu argumento, ele fez uma comparação com o tráfego de veículos: "tem quatro pistas em uma autoestrada, eles [big techs] usam três, a gente fica amontoado em uma, eles ganham muito dinheiro e não pagam pedágio."

"Eu acho que, agora, na reforma tributária que for feita, se não for trabalhada essa questão [da infraestrutura] como essencial para a vida do país, para a modernidade, para a inclusão digital, não vai ter jeito. E isso para mim só tem uma solução", disse, em relação ao financiamento compartilhado com as empresas gigantes de tecnologia.

"Tem que ser uma política de 'ganha-ganha', mas com o maior usuário também colaborando e pagando pelo uso da infraestrutura", acrescentou.

*Marcella Duarte viajou para o MWC a convite da Huawei