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'Não sinto dores': ela teve a pele refeita com ajuda de bioimpressora 3D

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Imagem: Getty Images

Adriano Ferreira

Colaboração para Tilt, em São Paulo

13/10/2022 04h00

A colisão entre uma moto e um caminhão de lixo causou uma ferida profunda na perna de Alexsandra Maria de Souza de Oliveira, 43. Depois de idas e vindas no hospital, sem uma cicatrização satisfatória, ela foi submetida a um tratamento inovador no Brasil: um curativo biológico gerado por bioimpressora 3D a partir de células tronco.

Alexsandra foi a primeira a ser tratada no país com essa tecnologia no Hospital Quinta D'Or, no Rio de Janeiro, com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

"Minha recuperação está sendo ótima. Não tive rejeição, não senti e nem sinto dores. Minha perna está quase cicatrizada", conta.

"Não foi preciso utilizar medicamentos no curativo. É colocado apenas umas telinhas de adaptic [tipo de curativo] para a gaze não grudar na pele", acrescenta ela, que trabalha como assistente de consultores e coordenadores em uma empresa de telecomunicações.

O acidente

Alexsandra mora em Ramos, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, e seguia em direção ao trabalho na garupa da moto do namorado. O acidente ocorreu após o caminhão de uma empresa privada de limpeza fazer uma conversão indevida, atravessando na frente do casal, relata.

Ferida na perna de Alexsandra Oliveira cicatrizou com ajuda de uma bioimpressora 3D - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ferida na perna de Alexsandra Oliveira cicatrizou com ajuda de uma bioimpressora 3D
Imagem: Arquivo pessoal

"Estava descendo o viaduto de Benfica sentido Centro do Rio de Janeiro — estávamos na pista certa. Meu namorado segurou bem no freio e batemos com a moto na lateral do caminhão. Se não fosse isso, teríamos morrido na hora. Voei da moto, bati e caí embaixo [do veículo]", lembra.

O casal foi encaminhado para a emergência do Hospital Quinta D'or. O tratamento inicial para a ferida na perna de Alexsandra ocorreu através de curativos, trocados uma vez por semana no ambulatório do local. Mas a lesão não melhorava, evoluindo para uma úlcera.

"Evoluiu mal com infecção e tecido necrosado", relembra o cirurgião plástico Marcelo de Oliveira e Silva, coordenador do serviço de cirurgia plástica do hospital. Ele atendeu a vítima do acidente junto com o médico Paulo Libório, também cirurgião plástico.

"Neste momento, a paciente já tinha muita preocupação com as sequelas que poderiam advir com um tratamento convencional de enxerto de pele", conta.

Em uma nova consulta, o médico decidiu interná-la para continuar a tratar o ferimento. O processo consistiu em drenar e limpar a ferida com VAC (Vacuum Assisted Closure — fechamento assistido a vácuo, em tradução livre), técnica que usa pressão negativa para drenagem de fluídos em feridas complexas.

Bioimpressora 3D entra em ação

Bioimpressora 3D cria curativo biológico para ajudar na cicatrização de tecidos humanos - Divulgação - Divulgação
Bioimpressora 3D cria curativo biológico para ajudar na cicatrização de tecidos humanos
Imagem: Divulgação

Duas semanas depois, a assistente foi informada que precisaria fazer um enxerto no local da lesão. Foi quando tomou conhecimento da possibilidade de uma técnica menos invasiva com a bioimpressora 3D.

"[O doutor Marcelo] me explicou que iria fazer um pequeno furo no meu baixo ventre, retiraria um pouquinho de gordura e utilizaria a bioimpressora para criar material para substituir o enxerto tradicional", diz.

Um dos benefícios, segundo o cirurgião plástico, é que a paciente não ficaria com mais uma cicatriz e a recuperação seria mais rápida. "Aceitei na hora", conta Alexsandra.

Tecnologia imprime tecidos

Segundo o médico, a bioimpressora constrói estruturas de curativo biológico a partir de células-tronco do material colhido.

Para isso, a tecnologia usa dados da lesão (como espessura, comprimento e largura) para calcular a quantidade de tecido gorduroso que deve ser extraída da área doadora. Nesse processo, um tablet é usado para recriar uma imagem 3D do ferimento.

Na sequência, a máquina começa a construir material biológico que imita tecidos humanos naturais com ajuda de um software de inteligência artificial, fornecendo às células os biomateriais camada por camada.

"Estas informações são transmitidas para a impressora via wireless (wi-fi ou Bluetooth). Procedemos a uma lipoaspiração com uma microcânula que nos permite remover de forma pouco traumática o tecido", explica o cirurgião.

"Finalizado este processo, aguardamos sete minutos para o tecido ter uma consistência ideal para ser aplicado sobre a lesão. Findo a colocação da matriz tecidual, utilizamos curativo oclusivo simples. Eles são trocados de sete em sete dias em condições ambulatoriais até a sua cicatrização final, que temos observado que duram 30 dias", completa.

Alexsandra precisou ir uma vez por semana ao hospital para acompanhar a evolução do procedimento. Ela faz questão de agradecer aos médicos e às instrumentadoras Rayssa Azevedo e Izabel Offrede pelo "cuidado e carinho nesse momento delicado."

A assistente conta ainda que o namorado fraturou cinco costelas e teve escoriações pelo corpo. Um boletim de ocorrência foi feito pelo casal. Até o momento, segundo ela, a empresa de limpeza Koleta Ambiental, responsável pelo caminhão, não entrou em contato para oferecer algum tipo de auxílio.
Tilt entrou em contato com a empresa e passou detalhes sobre o caso, como vídeos e placa do veículo. Até o fechamento da matéria não houve um pronunciamento oficial sobre o acidente.

Bioimpressora custa caro

Até o momento sete procedimentos médicos com a bioimpressora foram realizados no Brasil (dois no Rio de Janeiro, dois em São Paulo e três no Paraná), segundo o médico Maurício Pozza, um dos proprietários da 1000Medic, empresa responsável por trazer ao país o equipamento usado por Alexssandra.

O uso da tecnologia é realizado apenas na rede privada de saúde no momento. O custo por aqui gira em torno de US$ 10 mil dólares para cada caso, aproximadamente R$ 50 mil. Como o tratamento foi realizado por intermédio de seu convênio de saúde, a assistente não desembolsou esse valor.

Cientistas do Brasil e fora do país têm se debruçado em estudos que usam impressão de tecidos biológicos para tratamentos de saúde envolvendo úlceras de pés diabéticos e queimaduras profundas com osso e tendão expostos.

Estima-se que mais de 150 pacientes já foram tratados com ajuda da bioimpressora, desde o primeiro estudo que aconteceu com 2019 sobre o tema, segundo o médico.

Pozza acrescenta que existe uma negociação com convênios para utilização (e pagamento) da tecnologia com que ele trabalha, além um projeto envolvendo o equipamento estar em análise do SUS (Sistema Único de Saúde).

Segundo Anvisa, sua utilização foi aprovada e regularizada no Brasil para a aplicação terapêutica a um defeito ou lesão tecidual. O uso clínico é reconhecido pelos Conselhos Profissionais, como o CFM (Conselho Federal de Medicina).

O investimento é alto, mas os benefícios, segundo os médicos entrevistados, envolvem:

  • Redução no período de internação;
  • Diminuição do número de amputações de membros;
  • Limitação do uso de antibióticos e de períodos de reabilitação e seus custos;
  • Menos dias parados de trabalho para os pacientes e menos complicações decorrentes das lesões.