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Clonagem de órgão e mais: como cultivo de embrião humano impacta a ciência

Elena Kontogianni/ Pixabay
Imagem: Elena Kontogianni/ Pixabay

Thamires Andrade

Colaboração para Tilt, em São Paulo

12/03/2022 04h00

Medicina regenerativa, transplante de células e clonagem de órgãos são grandes apostas da ciência, mas avanços nessas áreas dependem diretamente de pesquisas com embriões humanos. Eles são importantes, pois possuem células que podem se transformar em todos os tipos celulares de um organismo normal.

Em maio do ano passado, as diretrizes da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco (ISSCR), respeitadas na maioria dos países, incluindo o Brasil, autorizou que cientistas cultivem embriões humanos por mais que 14 dias em laboratório, o que não era permitido desde o fim dos anos 70. Essa restrição, segundo pesquisadores da área ouvidos por Tilt, impedia que avanços fossem feitos.

Agora, porém, existe um novo caminho a ser trilhado. "Quando começamos a ter mais liberdade de estudar embriões por mais tempo, abrimos novas portas para novas tecnologias, novos tratamentos de doenças", explica o pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) Luiz Carlos de Caires Júnior, doutor em genética e biotecnologia.

"A limitação do tempo do uso de embriões impedia o entendimento de mecanismos que acontecem ao longo do desenvolvimento humano. Trabalho com doenças psiquiátricas e poderíamos, por exemplo, conhecer mais sobre a genética por trás, que impactam o sistema nervoso e ainda não têm todos os mecanismos conhecidos pela ciência", acrescenta.

A regra dos 14 dias

O limite de 14 dias para as pesquisas com embriões humanos foi estabelecido pelos cientistas de diferentes partes do mundo após o desenvolvimento da fertilização in vitro (FIV), que mudou a história da fertilidade em todo o mundo.

De acordo com Patrícia Beltrão Braga, professora de ciências biomédicas da USP, até os 14 dias as células embrionárias ainda não sofreram diferenciação, ou seja, são células que estão em um estágio que podem dar origem a praticamente qualquer célula do corpo. Por isso, os estudos se concentraram tanto nessa fase.

"A partir do 15º dia, marca o início da gastrulação [formação de múltiplas camadas de células] e é quando elas começam a se diferenciar e podem virar células do sistema nervoso central, por exemplo, ou de qualquer outro órgão do corpo", acrescenta Braga.

Como as pesquisas costumam ser feitas

  • Como os pesquisadores não podiam dar sequência em seus estudos depois do 14º dia, a alternativa foi se aprofundar em células embrionárias de aves, anfíbios e roedores.
  • Outra alternativamente é o uso de células-tronco reprogramadas (modificadas geneticamente) a partir de células adultas. Elas podem ser extraídas da pele, sangue, saliva e/ou de urina.

"Mas sabemos que esses modelos de animais têm uma limitação. Por mais que a embriogênese da galinha seja parecida com a de humanos, há detalhes que são específicos de cada espécie", afirma a professora.

O que pode mudar na prática

Para o pesquisador Caires, a curto prazo a mudança é abertura das portas para conseguir explorar e melhorar o desenvolvimento embrionário. Ou seja, entender como acontece as formações das doenças. Na sequência, o caminho é se aprofundar para começar a pensar em possíveis curas ou tratamentos.

Sobre os efeitos práticos dessa mudança, a professora Patrícia Braga diz que ainda é cedo para saber como ela acontecerá. Contudo, acrescenta, o conhecimento gerado a partir dela poderá sim ajudar a desenvolver tratamentos para diferentes doenças.

Para o médico geneticista Ciro Martinhago, doutor em genética reprodutiva, é fundamental saber como a célula se divide, se diferencia, a estabilidade dela, o que faz com que os tumores surjam — ou seja, em que momento que elas se diferenciam de forma errada. Sem esse tipo de cultura, vai ser impossível avançar.

Clonagem de órgãos

Carolina Caliari, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, também pontua a possibilidade da clonagem terapêutica de órgãos que, no futuro, poderá facilitar transplantes, além da contribuição em pesquisas para tratar doenças variadas.

"O paciente com diabetes tipo 1, por exemplo, nasce com essa predisposição nas células do pâncreas que faz com que ele pare de agir e secretar insulina em quantidade suficiente, resultando em excesso de glicose no sangue. No futuro, talvez a gente consiga pegar novas células saudáveis e colocá-las nos pacientes, promovendo a cura da doença", diz Caliari.

"O potencial de cura e tratamento que as células têm será a descoberta do século pela medicina. Imagina um paciente que infartou, você vai conseguir a cura com outro órgão, como se fosse o seu. Só vai trocando, só o cérebro que não pode parar. O conceito é incrível", completa Martinhago.

E a ética do uso de embriões?

A ISSCR flexibilizou o limite de 14 dias, mas os estudos devem ser considerados caso a caso. E, independentemente do tempo, todos as pesquisas seguem necessitando de aprovação para iniciar, pois eles devem ser controlados e fiscalizados por órgãos competentes e comitês de ética, segundo os entrevistados.

Além disso, a Sociedade desaconselha a edição de genes em embriões humanos até que a segurança da edição do genoma seja melhor estabelecida, de acordo com informações publicadas pela revista científica Nature.

O cultivo de embriões humanos é algo polêmico não só no Brasil, pois esbarra em discussões sobre quando começa a vida. E para obter células-tronco de embriões, os pesquisadores acabam destruindo o embrião. Por isso, estudos utilizam embriões que teriam poucas chances de serem implantados no útero e, por isso, são descartados por clínicas de fertilização.

Além disso, existem temores de que avanços no setor acabem ultrapassando compromissos éticos. Sobre isso, a pesquisadora Camila Kitazawa Cortez, especializada em bioética, pela USP, e em direito da medicina, pela Universidade de Coimbra, qualquer estudo científico do setor no Brasil precisa ter autorização de um Comitê de Ética para começar. É preciso ainda seguir as regras determinadas pelo Conselho Nacional da Saúde.

Se não atender aos requisitos após análise dos aspectos éticos da pesquisa, ela não poderá ser realizada, explica. Com esse prazo ampliado para o uso de embriões, o mesmo deverá ocorrer.

"A bioética esta aí para balizar até onde a ciência pode evoluir. Sempre digo que a ciência é capaz de muita coisa. A ciência pode avançar, fazer clones humanos. Mas isso é ético? Pode fazer isso?", destaca Cortez. Para a pesquisadora, esses debates precisam evoluir no Brasil.