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Buraco negro mais próximo da Terra não é bem o que pensávamos; entenda

Representação artística mostra como poderia ser o sistema HR 6819, com uma estrela vampira ovalada e com um disco ao redor - ESO/L. Calçada
Representação artística mostra como poderia ser o sistema HR 6819, com uma estrela vampira ovalada e com um disco ao redor Imagem: ESO/L. Calçada

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

03/03/2022 16h16

O buraco negro mais próximo da Terra, identificado em 2020, não é nada do que pensávamos. Na verdade, ele nem existe. Os astrônomos corrigiram a descoberta: trata-se de um sistema "vampiro", em que uma estrela está sugando a vida de outra.

Em 2020, uma equipe do Observatório Europeu do Sul (ESO) anunciou o buraco negro mais próximo da Terra, com quatro vezes a massa do Sol, a apenas 1.120 anos-luz de distância, no sistema HR 6819. Mas cientistas da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, contestaram a descoberta.

Os dois grupos se uniram e realizaram um novo estudo, esclarecendo as informações. Ele foi publicado ontem (2), na revista Astronomy & Astrophysics, com o título auto-explicativo "HR 6819 é um sistema binário sem buraco negro".

O artigo revela que, de fato, não existe nenhum buraco negro no local, mas sim um sistema de duas estrelas, em um estágio raro e de curta duração da sua evolução, em que uma absorve a outra Apesar de decepcionante, a conclusão dá aos astrônomos uma oportunidade de explorar como essas estrelas "vampiras" se comportam.

Estrela nua

A hipótese da primeira equipe que acreditava que tratava-se de um buraco negro foi baseada em suposições que não foram conferidas corretamente. Na época, a melhor explicação para os dados dos telescópios foi que o HR 6819 era um sistema triplo, com duas grandes estrelas orbitando um buraco negro — uma bem perto, em uma órbita de 40 dias, e outra muito mais afastada.

Os mesmos dados, porém, foram interpretados pelos belgas de outra maneira: poderiam ser apenas duas estrelas, bem próximas em uma órbita de 40 dias, sem nenhum buraco negro no meio.

E esse cenário só funcionaria se uma das estrelas estivesse "pelada", ou seja, que tivesse perdido boa parte de sua massa. Uma estrela bem leve fecharia os cálculos, sem necessidade de um terceiro elemento invisível no sistema.

Como já estavam no limite dos dados existentes, as duas equipes, então, trabalharam em conjunto para obter informações mais novas e nítidas, usando o moderno telescópio VLT (Very Large Telescope), no Sul do Chile, e seu interferômetro (VLTI).

"Concordávamos que havia duas fontes de luz no sistema. A questão então era saber se elas orbitavam uma em torno da outra, descrevendo órbitas próximas, como no cenário da estrela 'nua', ou se, pelo contrário, estavam afastadas uma da outra, como no cenário do buraco negro," explicou Thomas Rivinius, astrônomo do ESO no Chile e autor principal do primeiro artigo, em comunicado.

Para distinguir entre as duas hipóteses, os pesquisadores utilizaram instrumentos chamados Gravity, montado no telescópio VLTI, e Muse (Multi Unit Spectroscopic Explorer), do VLT.

"O Muse confirmou que não existe nenhuma companheira brilhante em órbita mais afastada, enquanto a resolução espacial do Gravity foi capaz de distinguir as duas fontes de luz, separadas por apenas um terço da distância entre a Terra e o Sol," disse a astrofísica Abigail Frost, que liderou a comparação dos dados.

qv telescopii - ESO/Digitized Sky Survey 2 - ESO/Digitized Sky Survey 2
Região do céu, na constelação do Telescópio, onde fica o sistema HR 6819 ou QV Tel, visível do Hemisfério Sul
Imagem: ESO/Digitized Sky Survey 2

Vampirismo cósmico

A nova interpretação conjunta dos astrônomos, então, foi que estavam observando um sistema pouco tempo depois de uma das estrelas ter "sugado" a atmosfera da sua companheira. Conhecido como vampirismo estelar, é um fenômeno comum em sistemas binários próximos.

A estrela "vampira" passou a girar mais rapidamente após roubar parte do material da vítima, adquirindo um formato ovalado e um disco ao seu redor.

"Observar tal fase de pós-interação é extremamente difícil, já que a sua duração é muito curta," acrescenta Frost. "É isso que torna nossa descoberta tão interessante, apresentando um candidato perfeito para estudar como este tipo de vampirismo afeta a evolução de estrelas massivas e, por sua vez, a formação de fenômenos associados, incluindo ondas gravitacionais e violentas explosões de supernova."

Ter um buraco negro nesta proximidade seria bem mais interessante, um divisor de águas na astronomia, mas a busca por eles continua.

O HR 6819 é vagamente visível daqui a Terra a olho nu, com a aparência de uma única estrela de brilho bem reduzido, na constelação do Telescópio. Recebe também o nome de QV Telescopii no catálogo dos céus, e pode ser visto do Hemisfério Sul, em noites bem escuras e limpas, de preferência com binóculos ou telescópios.