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Instagram tira perfil de loja virtual de luxo e agora deve pagar R$ 249 mil

Claudio Schwarz/ Unsplash
Imagem: Claudio Schwarz/ Unsplash

Hygino Vasconcellos

Colaboração para Tilt, em Balneário Camboriú (SC)

27/10/2021 04h00

A loja virtual GLB De Luxe, focada em itens de luxo, processou o Instagram após o perfil da empresa, que soma 13,8 mil seguidores, ficar fora do ar por 131 dias por "suposta violação de propriedade intelectual" em um único post, o que não foi comprovado.

Após análise do processo, a Justiça decidiu que o Instagram terá que pagar R$ 249.490,27 — R$ 10 mil de danos morais e o restante da multa diária pelo descumprimento de decisão que determinou o restabelecimento do perfil.

O bloqueio prejudicou uma das principais frentes de negociação de comércio da companhia, segundo o proprietário Renato Cerqueira de Brito, 39.

Procurado por Tilt, o Instagram informou que não irá se manifestar sobre o caso. O processo já é considerado transitado em julgado, quando não há mais possibilidade de recorrer. Pela decisão mais recente, do dia 6 de agosto deste ano, o Instagram é obrigado a comprovar o pagamento do montante.

Por que rolou o processo?

A página da GLB De Luxe no Instagram foi retirada do ar em 6 de maio de 2020.

"Eu cheguei em casa, fui acessar a rede social da loja e não consegui. Daí eu disse para meu filho verificar no celular dela, para ver se foi hackeado ou algo assim. E ela disse: pai, o perfil não existe mais'", diz Cerqueira

No dia seguinte, o proprietário da loja online entrou em contato com o Instagram, segundo relatou a Tilt.

Pouco tempo depois descobriu que a empresa Yellow Brand Protection —responsável pelas redes sociais da marca britânica do estilista Alexander McQueen— denunciou o perfil da GLB de Luxe ao Instagram por suposta violação de sua propriedade intelectual. E então a plataforma retirou a página do ar.

Cerqueira entrou em contato com a Yellow Brand Protection e encaminhou documentos fiscais para comprovar que sua empresa não estava fazendo nada errado.

Em resposta, a companhia que fez a denúncia ao Instagram disse que não conseguiria recolocar a página no ar e, por isso, seria preciso acionar diretamente a rede social.

O proprietário da loja virtual tentou fazer isso "diversas vezes", segundo consta no processo, mas não obteve sucesso.

"Foi doloroso, porque afetou minha vida pessoal e perdi credibilidade da loja. Teve gente que deixou de seguir o perfil, porque achava que vendia produtos falsos, o que não é verdade", diz.

Naquela época, a página tinha cerca de 15 mil seguidores. Um cliente de Cerqueira, que mora no Catar, chegou a recomendar a criação de um novo perfil do zero. O proprietário decidiu não seguir a dica por dois motivos: não achava que a suspensão demoraria tanto tempo e porque achou que demoraria a reconquistar tantos seguidores novamente.

"Credibilidade se conquista, não tem como comprar na padaria. Eu que fiz tudo na página, todas as postagens. Eu quis lutar por essa conta, até para provar para o Instagram que deve-se apurar melhor os fatos antes de retirar do ar um perfil", afirma Cerqueira.

Sem solução por meses, o empresário diz que em torno de R$ 1 milhão do patrimônio que ele e sua família possuía teve que ser vendido para manter o seu negócio.

Os advogados de defesa João Pedro David Riva e João Carlos Rosetti Filho consideram que as políticas internas para evitar abusos e práticas de condutas ilícitas de usuários não podem "exceder os limites legais", nem colocar o consumidor em "situação de exagerado desequilíbrio", como a que ocorreu com Cerqueira.

A reportagem procurou a empresa Corsearch, que adquiriu a Yellow Brand Protection, responsável pela denúncia da postagem da GLB de Luxe ao Instagram. Porém, ainda não houve retorno.

Denúncia inconsistente

Ao analisar o caso, a juíza da 36ª Vara Cível Priscilla Bittar Neves Netto destacou que o proprietário da GLB de luxe "entrou em contato com a marca denunciante" e que "enviou os documentos comprovando que o produto da foto foi regularmente adquirido", além de solicitar o retorno do perfil.

A magistrada reforçou que a denúncia foi em relação a um post específico. "A denúncia de violação de propriedade intelectual não se mostra consistente, não sendo razoável a exclusão de toda a conta por este motivo ou a exclusão da conta por outros motivos não informados ao requerente, desrespeitando-se o dever de informação ao usuário", complementa a juíza.

Neves Netto destacou ainda que a loja virtual de artigos de luxo "depende da divulgação na plataforma para publicidade de seus produtos, havendo prejuízo a suas vendas".

Na decisão de 11 de junho do ano passado, a magistrada atendeu ao pedido e determinou o restabelecimento da página em um prazo de 48 horas e fixou multa de R$ 1 mil em caso de descumprimento.

Em 7 de julho, a juíza elevou a multa diária para R$ 2 mil já que a página seguia fora do ar. Já em 28 de agosto, o valor passou para R$ 5 mil, pelo mesmo motivo. Mas a página só voltou ao ar em 14 de setembro do ano passado, segundo Cerqueira.

Em 1º de outubro de 2020, a magistrada condenou a rede social a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.

Além disso, o Instagram deve pagar a remuneração dos advogados devido à sucumbência —quando uma das parte perde— que na época foi fixada em 15% do valor da condenação (o percentual foi elevado para 17% no final do processo). A rede social também terá que bancar custas e despesas processuais.

O Instagram recorreu em segundo grau, alegando improcedência da ação e pedindo redução do valor da indenização por danos morais. Porém, três desembargadores do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negaram a apelação em 6 de agosto deste ano — ou seja, mais de um ano após o ocorrido.

A desembargadora Daise Fajardo Nogueira Jacot considerou o caso como uma relação de consumo, amparada pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor).

Jacot entende que, apesar de existir a possibilidade de desativar a conta pelo Instagram por suposta violação à propriedade intelectual, a ausência da possibilidade de "ampla defesa" e do "exercício do contraditório" fere direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal.

A relatora reforçou que os termos de uso do Instagram estabelecem que se pode deixar de fornecer os serviços se o usuário "violar repetidamente os direitos de propriedade intelectual de outras pessoas". No caso específico da loja GLB De Luxe, salienta a desembargadora, havia "uma única denúncia".

Em relação à indenização moral, Jacot considera que o problema teve impacto direto na vida do proprietário da empresa. "É mesmo possível vislumbrar o sofrimento, a angústia, a agonia e a sensação de desamparo sofridos pelo usuário da funcionalidade, sem possibilidade de apresentar qualquer espécie de defesa prévia para evitar a medida questionada."