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De SP para o espaço: astrônomo brasileiro descobre cometa antes da Nasa

Leonardo Amaral, astrônomo amador do Rio de Janeiro, montou observatório em Bilac, interior de São Paulo - Acervo pessoal/Leonardo Amaral
Leonardo Amaral, astrônomo amador do Rio de Janeiro, montou observatório em Bilac, interior de São Paulo Imagem: Acervo pessoal/Leonardo Amaral

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

22/08/2020 04h00

O jovem astrônomo amador Leonardo Amaral descobriu um cometa a 806 milhões de quilômetros da Terra que nem a Nasa tinha detectado. Ele fez isso do quintal de sua casa na cidade de Bilac, interior de São Paulo. A descoberta foi confirmada pela União Astronômica Internacional e divulgada pelo Minor Planet Center no início de agosto. O brasileiro agora está no seleto hall de descobridores de cometas, e foi homenageado no nome oficial do objeto: C/2020 O2 (Amaral).

O avistamento inédito aconteceu no último dia 23 de julho, enquanto Leonardo tentava registrar o cometa Neowise, que estava visível do Brasil a olho nu. "Só consegui ver o Neowise bem fraco, por meio de um binóculo astronômico", lembra Amaral.

A frustração, porém, logo virou euforia: quando viu as imagens captadas naquela noite, ele percebeu um pequeno ponto difuso —a principal característica de um cometa, devido à sua cabeleira nebulosa de gases e poeira—, se movendo entre as estrelas.

Amaral se empolgou. "Na hora, já saquei que poderia ser um novo cometa. Programei novas observações para os dias seguintes, para tentar confirmar o que vi. Enviei as imagens para meus colegas Paulo Holvorcem e Cristóvão Jacques [também astrônomos] darem uma olhada. Com a confirmação deles, emiti um alerta internacional".

Após Amaral emitir o aviso, vários astrônomos e observatórios do mundo, no Japão, Itália, Chile, Argentina e outros países reportaram o avistamento e colheram mais informações sobre ele. O cometa estava um pouco maios longe que Júpiter, com uma magnitude de 17.8 (quanto menor esse número, mais brilhante o corpo; o limite da visão humana é 6).

Na casa de sua família em Bilac, interior de São Paulo, Leonardo Amaral montou um pequeno observatório - Acervo pessoal/Leonardo Amaral - Acervo pessoal/Leonardo Amaral
Na casa de sua família em Bilac, interior de São Paulo, Leonardo Amaral montou um pequeno observatório
Imagem: Acervo pessoal/Leonardo Amaral

Os cometas são objetos cativantes. Descobrir um, creio que seja um sonho de todo astrônomo. Mas não é uma tarefa fácil. Inúmeras vezes eu bati na trave. Já cheguei atrasado, já perdi uma descoberta para uma nuvem. Então, quando percebi que o objeto poderia ser um cometa, a sensação foi de muita alegria. Contudo, não dava para comemorar naquele momento
Leonardo Amaral

O C/2020 O2 (Amaral) é um cometa de longo período —com uma órbita bem alongada— que talvez nunca passe por aqui novamente. No meio do ano que vem, ele estará em seu periélio, chegando o mais próximo possível do Sol e ficando mais brilhante ao ser observado da Terra. Mesmo assim, não poderá ser visto a olho nu, apenas por telescópios de grande porte.

"A descoberta não foi mera coincidência, e sim consequência de grande dedicação e anos de trabalho", disse Marcelo Zurita, diretor técnico da Bramon (Brazilian Meteor Observation Network).

Neste momento pelo qual o Brasil passa, com reduções nos investimentos em pesquisa e ciência, a descoberta do C/2020 O2 pelo Amaral, que montou seu observatório e o mantém com recursos próprios, mostra a qualidade da ciência desenvolvida pelos nossos astrônomos amadores. Mostra que ainda vale a pena investir e acreditar na ciência, no Brasil e no brasileiro
Marcelo
Zurita

Cometa registrado pelo Observatório El Sauce, no Chile - Ernesto Guido - Ernesto Guido
Cometa registrado pelo Observatório El Sauce, no Chile
Imagem: Ernesto Guido

O cometa

Com base em 63 observações realizadas pelo mundo entre os dias 23 e 31 de julho, o C/2020 O2 (Amaral) foi classificado como um cometa hiperbólico. Esse tipo de corpo se origina na Nuvem de Oort, sendo lançado para o Sistema Solar por algum tipo de perturbação gravitacional. Ao se aproximar do Sol pela primeira vez, atinge velocidades muito grandes, sendo lançado para fora do Sistema Solar.

Ainda são necessárias novas observações para aprimorar os estudos, mas, se for confirmada a órbita hiperbólica, o destino do cometa descoberto por Amaral será vagar milhões de anos através do espaço interestelar —e nunca mais nos visitar.

O C/2020 O foi o terceiro cometa descoberto por brasileiros em 2020 —um recorde— e um grande feito para a astronomia amadora. Os dois primeiros foram o P/2020 G1 (Pimentel) e o C/2020 J1 (SONEAR), ambos a partir de observações do Observatório Sonear, em Oliveira, no sul de Minas Gerais.

"Desde 2013, o observatório, também operado remotamente todas as noites, já descobriu nove cometas e 32 asteroides com órbitas próximas à Terra, e dezenas de outros bem distantes", diz Cristóvão Jacques, um dos três sócios do Sonear e um dos conselheiros de Amaral. "Pouquíssimos observatórios fazem esse tipo de pesquisa no Hemisfério Sul".

No ano passado, o Sonear descobriu o asteroide 2019 OK, maior que um campo de futebol, capaz de destruir uma cidade em um possível impacto. Foi o maior asteroide a passar próximo da Terra em um século —e, mais uma vez, nem a Nasa tinha notado sua presença.

"A imprensa internacional ficou chocada que um astrônomo amador, ainda por cima brasileiro, sem nenhum financiamento, descobriu uma possível ameaça antes que as agências espaciais. Mas nós fazemos um trabalho complementar ao da Nasa, inventariando objetos com probabilidade de um impacto devastador no futuro", conta Jacques.

"Sabemos que, no passado, grandes cometas e asteroides tiveram encontros com a Terra que não terminaram muito bem. Monitorá-los desde já pode ser a única forma de evitar ou minimizar uma futura catástrofe provocada por um grande impacto", acredita Amaral.

Telescópio de Leonardo Amaral em sua casa em Bilac (SP) - Acervo pessoal/Leonardo Amaral - Acervo pessoal/Leonardo Amaral
Telescópio de Leonardo Amaral em sua casa em Bilac (SP)
Imagem: Acervo pessoal/Leonardo Amaral

O observatório

Leonardo Amaral, 35 anos, é analista de sistemas e mora no Rio de Janeiro. Em 2016, ele comprou seu primeiro telescópio e, dois anos depois, construiu seu pequeno observatório na casa da sua família em Bilac, nomeado Campo dos Amarais (Oca). Ele consegue controlar o telescópio remotamente, varrendo o céu noturno quase todas as noites, e também vai lá frequentemente para realizar suas observações.

"Ele opera sempre que há clima favorável, durante a noite toda. Meu principal objetivo é encontrar NEOs (Near-Earth Objects) potencialmente ameaçadores à Terra, como asteroides e cometas", diz Amaral. Entre 2018 e 2019, o Oca encontrou seis novos asteroides, três deles passando bem próximos à Terra, ficando entre os dez melhores observatórios de busca de NEOs do planeta —o único amador da lista.

O Oca tem um telhado deslizante, que é aberto à noite para as observações. "Eu desenvolvi um programa para automatizar todo o observatório e então conseguir operar da minha residência no Rio de Janeiro, a quase 1.000 km de distância", conta Amaral.

Além de abrir e fechar o telhado, o sistema controla toda a operação do observatório, como ligar os equipamentos; monitorar o clima (caso apareçam nuvens, vento forte ou umidade alta, a operação é encerrada); programar e executar a busca por asteroides e cometas.

Amaral também usa o software Skysift, desenvolvido pelo outro astrônomo amador brasileiro, Paulo Holvorcem. Ele faz o processamento das imagens capturadas e já foi usado em inúmeras descobertas astronômicas pelo mundo.

No observatório, também ficam três câmeras de monitoramento de meteoros da Bramon. Para ela, Amaral desenvolveu outro software, capaz de vasculhar uma base de dados de meteoros, que já foi responsável por encontrar mais de cem novas chuvas desses objetos.

E em dezembro do ano passado, Amaral recebeu o do Prêmio Shoemaker NEO 2019, da ONG Planetary Society, em reconhecimento às suas valorosas contribuições para a astronomia. A bolsa de US$ 8.443 ajudou o jovem a trocar parte do equipamento do Oca. E os resultados já estão aparecendo.

Rede global caça-cometa

Leonardo Amaral participa de um esforço global na busca de cometas e asteroides próximos à Terra. Essa rede envolve observatórios profissionais e amadores de todo o mundo e é coordenada pelo Minor Planet Center (MPC), que centraliza e organiza as informações sobre esses pequenos corpos do Sistema Solar.

Para descobrir um asteroide, um observatório faz uma sequência de três fotos da mesma região do céu, dando um certo tempo entre uma foto e outra. Se nessas imagens houver um objeto se movendo em relação ao fundo de estrelas, é feita uma consulta a uma base de dados de asteroides, para checar se é um objeto já conhecido ou se é um falso positivo, como um satélite ou ruído eletrônico.

Caso não seja identificado nenhum cometa ou asteroide naquela posição, o objeto é reportado para o MPC como uma possível descoberta. Se o objeto for nítido e pontual nas imagens, ele é reportado como asteroide. Se parecer difuso, pode indicar a presença de um coma (a cabeleira), caracterizando-o como um cometa.

Nomenclatura

O MPC tem uma regra para nomenclatura de cometas, levando em conta o tipo de sua órbita, a data de seu descobrimento e o nome do descobridor:

  • Os cometas chamados periódicos, que levam menos de 200 anos para completar uma volta em torno do Sol, devem ter seu nome iniciado por "P/"; os não-periódicos, se iniciam por "C/";
  • O prefixo deve ser seguido pelo ano da descoberta, com quatro dígitos, e uma letra representando a quinzena do ano em que o cometa foi descoberto. "A" para o período entre 1 e 15 de janeiro, "B" para entre 16 e 31 de janeiro, e assim por diante. São utilizadas letras de A a Y, mas retira-se o "I", para evitar confusões com o número um;
  • Essa letra deve ser seguida por um número representando a contagem de cometas já descobertos durante a mesma quinzena;
  • Por último, o "sobrenome" do cometa deve ser o mesmo sobrenome do seu descobridor ou o nome do telescópio que o registrou.

Assim, o nome C/2020 O2 (Amaral) indica que:

  • O cometa não é periódico (C);
  • Foi descoberto em 2020;
  • Foi o segundo cometa descoberto na segunda quinzena de julho (O2);
  • Foi descoberto por Amaral.