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Ele me busca com o olho, diz mãe que olha filho em UTI por videoconferência

O bebê Rafael aparece em vídeoconferência do WhatsApp para a mãe, Aparecida Oliveira - Arquivo pessoal
O bebê Rafael aparece em vídeoconferência do WhatsApp para a mãe, Aparecida Oliveira Imagem: Arquivo pessoal

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

16/06/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • UTI neonatal utiliza videochamadas de WhatsApp para aproximar mães e bebês
  • Aparecida mora a 500 km do hospital onde seu filho está internado desde que nasceu
  • Todo dia, mãe vê o pequeno Rafael, de três meses, por foto ou vídeo
  • Contato virtual garante isolamento social, aproxima famílias e estimula recuperação

Algumas mães longe dos filhos já aprenderam a falar com eles por videoconferência, por causa do isolamento social da Covid-19. Mas para Aparecida Oliveira, esta sensação é bem diferente. Rafael tem apenas três meses de vida, e está internado desde o dia em que nasceu em uma UTI neonatal a 500 km de distância.

Aparecida, 38, e seu marido André Luiz, 41, moram em Glicério, uma pequena cidade a 443 km da capital paulista. Em novembro do ano passado, o ultrassom do segundo trimestre de gravidez detectou algo que nenhuma mãe gostaria de ouvir: um problema cardíaco no bebê.

Ela fez um ecocardiograma, feito na barriga para ver o coração do bebê, e foi a especialistas nas cidades vizinhas. Todos concluíram que Rafael teria de nascer em um hospital com UTI neonatal e médicos cardiopediatras.

Em 11 de março, a 36 semanas de gestação, foi encaminhada para o Hospital Sepaco, em São Paulo. "Fui conhecer a equipe que dali a um mês faria o meu parto, mostrar os exames e relatar nossa história", lembra a mãe.

Aparecida Oliveira segura seu bebê, Rafael, com máscara de prevenção a covid - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aparecida Oliveira segura seu bebê, Rafael, com máscara de prevenção a covid
Imagem: Arquivo pessoal

Mas Rafael tinha pressa: no mesmo dia em que seus pais chegaram em São Paulo, a bolsa de Aparecida estourou. "Fui direto para o hospital. A médica de plantão logo me mandou para o centro cirúrgico para fazer uma cesariana. Eu já tinha perdido muito líquido e não havia tempo a perder."

Rafael nasceu naquele dia 11, prematuro, com 40 cm e 1,730 kg. Imediatamente, foi entubado e colocado em uma incubadora. Aparecida nem teve a chance de segurá-lo.

Coube à tecnologia o poder de aproximá-los. Aparecida está em Glicério, cuidando da Larissa, sua outra filha, de seis anos, que está sem aulas devido ao isolamento social. André Luiz, que é instalador de calhas, continua trabalhando normalmente.

A cada dois dias, eles recebem uma esperada chamada de vídeo: é o pequeno Rafael querendo "conversar".

Dá para perceber que ele me reconhece quando eu falo. Ele ainda não sorri, mas me procura com o olho, vira o olhinho para procurar. Claro que não substitui o contato físico, mas ele é um bebê e não entende que estou longe, acho que pela voz ele sente que estou sempre perto dele. É muito gratificante
Aparecida Oliveira, mãe de Rafael

"Nos dias que não conseguem ligar, me mandam fotos. As médicas, enfermeiras, psicólogas e toda a equipe estão cuidando do meu filho como se fosse da família delas. E de mim também, para que a gente se sinta mais perto, nem que seja pela tela do celular. Se assim é tão difícil, imagina sem a tecnologia. Tenho certeza que está até ajudando na recuperação física dele."

No dia 24 de abril, a mãe realizou um sonho. Veio a São Paulo e segurou seu filho no colo pela primeira vez, após 43 dias do parto. "Foi uma sensação que não tem como explicar. Eu ainda não tinha conseguido pegar ele porque, além de entubado e cheio de aparelhos, estava muito magrinho, pequenininho. Nem mamar ele pode."

E na semana passada, uma vitória: Rafael saiu da incubadora e foi para seu bercinho, ainda entubado na UTI. Ele passou por uma cirurgia de traqueostomia e continua necessitando de oxigênio, mas agora está sem o tubo passando pela boca. A expectativa é que, nas próximas semanas, comece o processo de tirá-lo do respirador.

Lições para depois da quarentena

O bebê Rafael fora da incubadora, mas ainda no hospital - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O bebê Rafael fora da incubadora, mas ainda no hospital
Imagem: Arquivo pessoal

Antes da pandemia de Covid-19, o hospital não realizava este tipo de chamadas. "Não tínhamos autorização para passar informações sobre nenhum paciente nem por telefone. Não dá para saber se quem está do outro lado da linha é realmente um familiar ou responsável", conta Renata Castro, médica neonatologista e coordenadora assistencial da UTI Neonatal do Sepaco.

Com as restrições de deslocamento e novas medidas de segurança e higiene, precisaram pensar em alternativas. "Por vídeo, garantimos o isolamento e nos certificamos de que quem está do outro lado da linha são os pais", diz Castro.

Tem dado tão certo que deve continuar depois que a quarentena acabar. "Muitas famílias que atendemos são de outras cidades. Mesmo sem isolamento, essas pessoas têm dificuldades de viajar centenas de quilômetros para fazer as visitas presenciais. Então manteremos as chamadas de vídeo em nossa rotina", acredita a médica.

Como funciona? Os pais só precisam de um celular com câmera, o aplicativo WhatsApp e internet. Algumas vezes na semana, os médicos profissionais fazem uma visita ao paciente. "Avisamos a mãe em que dia e horário vão acontecer as visitas do seu bebê, para que ela também possa participar por vídeo", explica Renata.

A mãe, então, acompanha em tempo real a discussão do caso e depois recebe um resumo. A psicóloga atua nas videochamadas, proporcionando o contato com a criança. Ela posiciona o celular e estimula pais e bebê a se comunicarem.

"Claro que bebês mais novinhos não apresentam tanta interação mas, a partir dos dois meses de vida, é impressionante. Vemos a expressão fácil deles mudando ao ouvir a voz da mãe. É mágico", finaliza Renata.