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Projeto de "sol artificial" chinês pode mudar nossa relação com a energia

Homem trabalha dentro de um reator de fusão nuclear HL-2M Tokamak, apelidado como o "sol artificial", em construção em Chengdu, província de Sichuan, China - Liu Haiyun/Chengdu Economic Daily/Reuters
Homem trabalha dentro de um reator de fusão nuclear HL-2M Tokamak, apelidado como o "sol artificial", em construção em Chengdu, província de Sichuan, China Imagem: Liu Haiyun/Chengdu Economic Daily/Reuters

Cristiane Capuchinho

Colaboração para Tilt

28/08/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Na China, reator tokamak East é "sol artificial" que atingiu 100 milhões de graus Celsius
  • Marca é bom sinal para um reator maior, semi-industrial, em construção na França
  • Neste reator, isótopos são aquecidos até virar plasma, fundir átomos e liberar energia
  • Países como China, EUA e Rússia cooperam no projeto, que pode gerar energia em 2035

Em um mundo que gasta cada vez mais energia elétrica e sofre com as consequências do aquecimento global, mudar a matriz energética é prioridade. A fusão nuclear dentro de um reator que mimetiza o Sol é uma das principais esperanças na busca pela produção de energia limpa e em grande quantidade.

A aposta para isso são reatores chamados de tokamak, onde isótopos de hidrogênio (deutério e trítio) são expostos a temperaturas extremamente altas até se transformar em um plasma, fundir átomos e, assim, liberar energia.

"Para fundir núcleos de átomos, temos que aproximá-los até que esta força de aproximação seja maior que a força de repulsão magnética dos dois núcleos. Nas estrelas, isso acontece por conta da força gravitacional, já que elas têm enorme massa. Na Terra, não temos as mesmas condições, a humanidade contorna isso aproximando esses núcleos através de altas temperaturas, que precisam chegar a 100, 200 milhões de graus Celsius", explica Luís Terremoto, pesquisador do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares).

No experimento mais recente, no leste da China, pesquisadores produziram uma temperatura de 100 milhões de graus Celsius -cerca de seis vezes a temperatura do núcleo do Sol- de maneira controlada dentro do East, sigla em inglês para Tokamak Supercondutor Avançado Experimental.

O "sol artificial" chinês, como ficou conhecido o East, é um dos 18 reatores tokamak em testes que vão permitir colocar em atividade um projeto global mais ambicioso: o Iter (Reator Experimental Termonuclear Internacional, na sigla em inglês), um reator semi-industrial em construção no sul da França com a colaboração de 35 países como a China, os Estados Unidos, a Rússia, o Japão, a Índia e os países da União Europeia.

A expectativa é que até 2040 tenhamos a tecnologia e as instalações necessárias para produzir energia elétrica a partir da fusão nuclear e colocar na rede de distribuição.

Como funciona

A fusão nuclear é a fonte de energia do Sol e de todas as outras estrelas. Em condições de pressão e temperatura extremas, os átomos de hidrogênio entram em colisão e fusionam, liberando quantidades enormes de energia. A fusão de átomos leves libera quatro milhões de vezes mais energia que a combustão do carvão, do petróleo ou do gás (feitas em termelétricas), e quatro vezes mais energia que reações de fissão nuclear (realizadas em usinas nucleares).

Para reproduzir o que acontece nas estrelas, os pesquisadores colocam dentro de uma instalação experimental chamada tokamak isótopos de hidrogênio (deutérios e trítios) e precisam criar condições para que seus núcleos fusionem.

Essas condições são: temperatura muito elevada (da ordem de 150 milhões de graus Celsius), grande densidade de partículas para criar o maior número possível de colisões de átomos e um tempo de confinamento de energia longo o suficiente para que as colisões aconteçam na velocidade mais alta possível.

Ao conseguir criar a fusão nuclear e manter o processo de maneira estável por certo tempo, a energia liberada na fusão dos núcleos atômicos é absorvida em forma de calor pelas paredes da câmara a vácuo. Uma central usa esse calor para produzir vapor que, a partir de turbinas e alternadores, produzirá energia elétrica.

O processo de fusão nuclear é considerado o futuro da energia porque ele não emite gás carbônico (CO2) nem outros gases de efeito estufa, não cria rejeitos radiativos e usa material com nível de radiação muito mais baixo que o de usinas de fissão nuclear (em operação no mundo atualmente).

O produto da fusão de isótopos de hidrogênio é energia térmica, hélio e nêutrons, que voltam para o sistema para ajudar na produção do trítio, uma das matérias-primas, explica Terremoto.

Em 2016, os cientistas chineses tinham conseguido manter estável o plasma de hidrogênio dentro da instalação durante 102 segundos, o que foi um recorde. No final do ano passado, o feito foi alcançar a temperatura de 100 milhões de graus Celsius.

O próximo desafio é reproduzir a fusão nuclear em equipamentos maiores, semi-industriais, para assim ampliar o número de fusões nucleares e manter as condições por longo tempo e testar as condições de produção de grande quantidade de energia.

Projeto global

Para esse próximo passo, 35 países colaboram desde meados dos anos 2000 na construção do Iter, que deve ficar pronto em 2021. O reator em construção no sul da França (em Saint-Paul-lès-Durance) deverá alcançar uma temperatura de 150 milhões de graus Celsius, mais do que o conseguido pelo seu irmão menor chinês.

Maior e mais poderoso, o reator experimental termonuclear internacional só deve fazer seus primeiros testes com plasma a partir de 2025, segundo a agência francesa AFP. A expectativa é que o reator seja capaz de produzir energia a partir de 2035, se nada atrasar.

Os chineses pretendem eles também construir um novo reator que será ligado à rede elétrica, e acreditam que poderão abastecer a rede com energia de fusão nuclear a partir de 2040. "Daqui a cinco anos, nós começaremos a construir nosso reator de fusão, que precisará de outros dez anos de construção. Depois que estiver pronto, vamos construir o gerador de eletricidade e começar a gerar energia por volta de 2040", contou Song Yuntao, pesquisador do Instituto de Ciências Físicas de Hefei à agência Reuters.

O desenvolvimento desse processo de energia seria capaz de uma nova revolução energética para o
mundo, mas as pesquisas necessárias para chegar lá pedem alto investimento, o que explica a parceria entre países como a China e os Estados Unidos na mesma proposta.

O projeto Iter deve ter consumido, entre 2007 e 2020, R$ 60 bilhões -para comparação, o valor deste projeto é o equivalente a quase 60 anos do orçamento completo do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), um dos principais órgãos de pesquisa no Brasil.

O pequeno tokamak chinês já consumiu cerca de R$ 3,4 bilhões até o momento. Para a construção da próxima fase de um reator maior, está previsto o investimento de outros R$ 3,4 bilhões.

"A fusão [nuclear] não é algo que os países possam alcançar sozinhos", ponderou o pesquisador chinês Song, em entrevista para a AFP.

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